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Produção agrícola no estado de Aragua, na Venezuela, vai de mal a pior - assim como no resto do país | JORGE SILVA/AF
Produção agrícola no estado de Aragua, na Venezuela, vai de mal a pior - assim como no resto do país| Foto: JORGE SILVA/AF

Yuma, Venezuela – Com pouco dinheiro e dívidas crescentes, o governo da Venezuela reduziu drasticamente as importações de alimentos. Para produtores rurais da maioria dos países, isso seria uma excelente oportunidade. Mas esta é a Venezuela, onde a economia opera à própria maneira. Em tempos de supermercados vazios e fome se espalhando, a produção no campo está cada vez menor, reduzindo ainda mais o deficit calórico nacional.

Ao dirigir por estradas próximas à capital, Caracas, há tudo que um agricultor precisa: terras férteis, água, sol e gasolina a 4 centavos por galão, a mais barata do mundo. Mas de alguma forma as famílias rurais são tão sofridas quanto os venezuelanos que vivem na capital esperando pão em filas ou recolhendo o lixo para sucatas.

Por anos, o país desafiou a economia convencional. Agora, encara a dolorosa dificuldade de fazer contas básicas. “Ano passado eu tinha 200 mil frangos”, diz Saulo Escobar, proprietário de uma fazenda de aves e suínos no estado de Aragua, à uma hora de Caracas. “Agora tenho 70 mil”, completa. Várias de suas granjas estão vazias porque ele não consegue mais alimentar os animais.

O controle de preços do governo venezuelano fez o negócio de Saulo dar prejuízos. Para piorar, grupos armados praticam extorsão, forçando-o a realizar pagamentos, e roubam ovos das galinhas da propriedade.

Os últimos indicadores de saúde pública confirmam que o país enfrenta uma calamidade alimentícia. Com medicamentos em falta e crescentes casos de desnutrição, fazendo com que a mortalidade infantil chegue a 30%, conforme o Ministério da Saúde da Venezuela. A ministra que divulgou esses dados foi demitida pelo presidente Nicolas Maduro dois dias após a exposição.

Segundo uma nova publicação da organização não governamental católica Caritas, a fome em crianças em algumas partes do país é uma crise humanitária, com 11,4% das crianças abaixo de 5 anos sofrendo níveis de desnutrição que vão de moderadas a severas, e 48% “em risco” de passar fome.

Protestos na Venezuela em abril de 2017Juan Barreto/AFP

Os manifestantes que marcharam contra Maduro nas últimas semanas exclamam: “Estamos famintos”. Enquanto isso, canhões de água e gás lacrimogêneo são lançados por policiais. Em uma pesquisa recente, com 6,5 mil famílias venezuelanas, três quartos dos adultos dizem que perderam peso em 2016 - uma média de 19 quilos. A dieta coletiva tem até nome: “Dieta Maduro”. É um nível de fome alto até mesmo para zonas de guerra ou devastadas por furacão, seca ou pragas.

Economistas ressaltam que o desastre venezuelano é feito pelo homem: resultado da estatização dos espaços agrícolas, distorções da moeda e a ação do governo de distribuir comida.

Enquanto milhões de venezuelanos não conseguem comer o suficiente, as autoridades se recusam a permitir que grupos internacionais distribuam alimentos - uma vez que estavam acostumadas a ver seu país, rico em petróleo, beneficiar nações mais pobres, e não a ser um caso de caridade.

“E não é apenas a estatização das terras”, afirma Carlos Machado, um experiente agricultor local. “O governo tomou a decisão de ser produtor, processador e distribuidor, então toda a cadeia produtiva de alimentos sofre de uma ineficiente burocracia agrícola”, diz.

Com a queda da produção industrial venezuelana, os agricultores são forçados a importar alimentos, fertilizantes e peças de reposição, mas não conseguem por não ter uma moeda forte. O Governo, por sua vez, tem utilizado os dólares ganhos nas exportações de petróleo para pagar empréstimos do interesse de Wall Street e outros credores estrangeiros.

Escobar conta que precisa de 400 toneladas de ração importada a cada três meses para manter sua propriedade em funcionamento. Contudo, ele só pode comprar 100 toneladas. Assim como outros, ele então tem de apelar para o mercado negro. Porém, ele só pode pagar por rações mais baratas e pouco nutritivas, o que significa que suas aves são menores do que costumavam, assim como os ovos. “A qualidade caiu, então minha produção também”, afirma.

Os suínos também estão mais magros. Cada animal pesava 110 quilos, explica ele. “Agora pesam 80”, diz. No ano passado, ele perdeu 2 mil suínos em três meses quando os animais ficaram doentes e ele não conseguiu vacinas. Desde então, os suínos nascem menores do que o normal. Muitos aparecem com feridas nas orelhas. “Quando um animal tem uma dieta pobre, ele vai procurar comida em outro lugar e acabam mastigando os ouvidos uns dos outros”, explica a veterinária da fazenda, Maria Arias.

Aves e suínos nascem menores do que o normal na Venezuela. Muitos aparecem com feridas nas orelhas. “Quando um animal tem uma dieta pobre, ele vai procurar comida em outro lugar e acabam mastigando os ouvidos uns dos outros”.

Maria Arias Veterinária venezuelana

A Venezuela depende faz décadas de importações em larga escala de certos alimentos, como o trigo, que não pode ser produzido em larga escala devido ao clima tropical. Contudo, as estatísticas mostram que as políticas de reforma agrária propostas por Hugo Chávez (antecessor de Maduro) fizeram a Venezuela ser mais dependente das importações de alimentos do que nunca. Quando os preços de petróleo estavam altos, isso não era um grande problema. Agora a Venezuela vende óleo cru a US$ 40 o barril, e a produção está na maior baixa dos últimos 23 anos - em parte porque as refinarias e investimentos em infraestrutura não seguiram o ritmo do passado.

O governo não publica dados da agricultura há anos. Mas Machado, o experiente agricultor, diz que as importações de alimentos, em média, eram de US$ 75 por pessoa até 2004, antes de Chávez acelerar a estatização das fazendas, atingindo mais de 40 mil hectares. O governo também expropriou fábricas, então, a Venezuela viu a produção de alimentos despencar. Em 2012, a importação anual chegou a US$ 370. Desde então, a cotação do petróleo caiu e as importações reduziram em 73%. Em vez de estimular o crescimento doméstico, o governo estrangulou, alegam os agricultores.

A produção doméstica de arroz, milho e café caíram 60% ou mais na última década, segundo a Confederação dos Fazendeiros do País (Fedeagro). Quase todos os engenhos de açúcar nacionalizados desde 2005 estão parados ou produzindo abaixo da capacidade. Resultado: apenas uma minoria de venezuelanos pode comprar alimentos no mercado negro, onde uma porção de arroz importado do Brasil ou da Colômbia é vendida a 6 mil bolivares (US$ 1 no câmbio negro), o que para um trabalhador comum é um salário de dia inteiro.

Tradução: Giorgio Dal Molin

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