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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Em São Paulo, toda quinta-feira a administradora Paula Andrade recebe a lista de frutas, verduras e legumes orgânicos que poderá pegar na terça seguinte, o dia da partilha na CSA Atibaia. Ela entrou no grupo há um ano e meio – tornou-se coagricultora – e também participa das atividades de administração e comunicação do grupo de forma voluntária.

A 400km de distância, no bairro Ahu, em Curitiba, é na segunda-feira que o músico Geovani Salvadori vai buscar sua cesta de orgânicos na casa de um vizinho. “Não somos apenas consumidores, a gente vai além e começa a ser vendedor de um sistema mais sustentável”, diz Salvadori.

CSA é Comunidade que Sustenta a Agricultura, modelo em que os consumidores assumem os riscos da produção e dividem os resultados do plantio, em sistema de colaboração com os agricultores.

O CSA Atibaia existe há dois anos e dois meses e é composto por 40 famílias. Os participantes pagam mensalmente para ter uma cesta de produtos cultivada em horta próxima às suas casas.

No Paraná o projeto se chama Cestas Solidárias e se inspirou no modelo japonês Teikei. Curiosamente, foi um estagiário francês de agronomia que trouxe ao país uma mistura do Teikei e do programa CSA, que só na França tem cerca de seis mil grupos. Terminou o estágio no Centro de Agroecologia do Paraná, mas o agrônomo Manuel Delafoulhouze não saiu mais do País – nem do projeto Cestas Solidárias – porque acabou se casando com uma brasileira.

Em comum, o CSA e o projeto Cestas Solidárias buscam promover uma estreita cooperação entre quem produz e quem recebe os produtos. O consumidor se compromete a financiar a atividade agrícola, com pagamento antecipado, e o produtor assume o compromisso de entregar uma determinada quantia de produtos orgânicos religiosamente (de sete a dez produtos em cada cesta).

Mais do que uma assinatura

Na prática, é como uma assinatura de frutas e hortaliças, com encomendas pré-pagas e destinatário certo. Mas não se limita a uma relação comercial. Os clientes são chamados de coagricultores porque são vistos como sócios de um modelo sustentável. Delafoulhouze tenta obter de todos o compromisso de manter a ‘assinatura’ de orgânicos mesmo nas férias, quando não puderem receber as cestas. “O agricultor vai continuar trabalhando para o pessoal comer em fevereiro e março. O pé de tomate continuará produzindo em janeiro”, observa o agrônomo. Quem viaja pode doar as cestas para alguma instituição, parentes ou amigos que queiram conhecer o sistema.

Outra atitude “parceira” esperada dos que aderem ao sistema é a compreensão de que, por causa de problemas climáticos, os produtos podem não vir tão variados ou bonitos. O consumidor não escolhe o que vai receber. São os produtos da época, mas há o compromisso de que haja alguma variedade de cada grupo de alimentos: hortaliças, legumes, frutas, raízes e temperos.

O sistema de plantio das hortas das CSAs e do Cestas Solidárias é o da agrofloresta, em que se manejam espécies de árvores, arbustos, folhagens e tubérculos diversos, sem agrotóxicos e sem adubos, e que dão frutos em épocas diferentes. O processo facilita a recuperação permanente do solo, mimetizando a regeneração natural das florestas. São usados os princípios difundidos pelo pesquisador suíço Ernst Götsch, pioneiro do método no país.

Cestas Solidárias: casal Ivonir e Belmira Guimarães com o filho Marcelo participam do projeto em Colombo, região metropolitana de CuritibaAlbari Rosa/Gazeta do Povo

Desde que entrou para o CSA Atibaia, Paula conseguiu economizar bastante nas compras de orgânicos, diz. Ela paga mensalmente R$ 150, para as quatro ou cinco retiradas semanais. As compras não suprem todas as necessidades da família. “A horta tem apenas um ano e não produz tudo o que a gente precisa. Mas conseguimos fazer compras coletivas com o mesmo grupo e ter bons preços”, conta.

Paula, o marido, Daniel, e os dois filhos do casal, de 11 e 7 anos, participam de várias atividades que orbitam a CSA. “A gente é mais que uma horta. É uma comunidade que se ajuda, faz festas, promove cursos. Somos um grupo de pessoas com a mesma vibe”, diz. Nos dias de partilha, os integrantes também levam o que produzem em suas casas ou sítios, como queijos, pães e mel.

A CSA Atibaia promove cursos de temas ligados à agroecologia e dias de plantio especialmente para as crianças.

Pioneira

Numa área de 2 alqueires localizada no Bairro Demétria, em Botucatu, o sítio Mainumbi é comandado pelo agricultor Marcelo Veríssimo e nele trabalha a sua família. Parte da terra é usada para a horta que alimenta a primeira CSA do Brasil, a demétria, nascida em 2011.

O artesão paraense Carlos Lira faz parte do grupo de fundadores. Hoje são cerca de 300 famílias, com 320 cotas semanais.

“Numa feira, o produtor não sabe o que levar. Sempre sobra ou falta algo. E o custo dessa sobra recai primeiro sobre o agricultor e num segundo momento pode refletir nos preços para o consumidor”, observa Lira. “Nas CSAs, o que é produzido na área da horta é distribuído entre os consumidores, sem sobras importantes. Na nossa, as poucas sobras vão para um banco de alimentos de Botucatu”, conta.

A divisão de tarefas dá uma dinâmica diferente ao trabalho. “Você mesmo pesa, separa e embala os produtos, com sacolas trazidas de casa. O tempo desse trabalho partilhado entre os consumidores economiza o tempo do agricultor, que pode se dedicar ao que ele faz de melhor, que é cuidar da terra”, diz.

O ideal, segundo ele, não é que as CSAs cresçam indefinidamente, mas que cresça o número de CSAs. “O objetivo de cada CSA é manter o número de cotistas suficiente para a exploração sustentável daquele pedaço de terra”. Existe um limite, não é agricultura intensiva. “Crescer por crescer é a lógica do mercado convencional que coloca em risco a qualidade”, diz.

História

Há algumas inspirações para as CSAs. Uma delas foi o sistema japonês teikei, que se desenvolveu nos anos 1960 e 1970, impulsionado pela preocupação ambiental dos consumidores e pela desconfiança em relação à qualidade dos alimentos à venda. O teikei é baseado na produção fora do mercado tradicional, em pequena escala e cadeia curta (com menos atravessadores entre a terra e o prato).

O nome CSA é atribuído ao agricultor Jan Vander Tuin, que, nos anos 1980, fez uma primeira experiência em agricultura apoiada pela comunidade nas proximidades de Zurique, na Suíça. Ele seguia princípios da agricultura biodinâmica, que se apoia nas ideias da antroposofia de Rudolf Steiner. Isso explica porque muitas CSAs se originam em comunidades em que há escolas que adotam a pedagogia Waldorf, que também se baseia na antroposofia.

Essa forma de organização das CSAs foi difundida pelos praticantes da agricultura biológica em expansão nos Estados Unidos nos anos 1990 e 2000.

Hoje há CSAs em vários países, entre eles Japão, Estados Unidos, França, China e Brasil, mantidos por famílias e também por restaurantes de grandes cidades.

Para saber onde funcionam e como participar dos pontos de entrega do projeto Cestas Solidárias, no Paraná, clique AQUI e veja o mapa interativo.

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