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Produção de suínos: nos Estados Unidos, animais feridos não receberam atendimento veterinário. Diversas aves morreram de sede e fome e gatos foram sacrificados sem necessidade, afirmam especialistas | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Produção de suínos: nos Estados Unidos, animais feridos não receberam atendimento veterinário. Diversas aves morreram de sede e fome e gatos foram sacrificados sem necessidade, afirmam especialistas| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Pesquisadores do Departamento da Agricultura dos Estados Unidos (USDA) sacrificaram filhotes saudáveis de gato, ignoraram suínos feridos e mataram dezenas de aves por negligência e fome, afirmam documentos do governo norte-americano.

Os incidentes ocorreram em 2017 em 12 laboratórios do USDA (agência equivalente ao Ministério da Agricultura do Brasil) e colocam em cheque os padrões de bem-estar animal do governo norte-americano. Em um dos laboratórios, 32 filhotes de frango morreram devido às altas temperaturas da sala, que chegou a 54 graus Celsius, segundo documentos do órgão aos quais o The Washington Post teve acesso.

Outro relatório mostra que filhotes de gatos são propositadamente infectados com toxoplasmose, uma doença parasitária que coloca em risco fetos e mulheres grávidas, e leva muitos animais ao sacrifício. As informações da agência foram obtidas pelo projeto White Coat Waste (Desperdícios do Colarinho Branco, em tradução livre), encabeçado por um grupo de advocacia de direita, que compartilhou os relatórios com o Post.

O USDA possui 41 laboratórios de pesquisa e afirma que adere aos mais rígidos protocolos e condutas de bem-estar animal em suas pesquisas, que são críticas para a indústria e para a saúde humana, e destaca que está em “conformidade com as melhores práticas de gestão em pesquisa animal”. Contudo, grupos de defesa de animais estão contatando o congresso para aumentar a supervisão, citando a indignação com as violações feitas nos laboratórios do Departamento de Agricultura.

Edifício do Departamento da Agricultura dos Estados Unidos em WashingtonALBARI ROSA

No total, inspetores do Governo documentaram pelo menos 16 violações ao bem-estar em dez instalações do USDA durante o ano passado, segundo dados da agência. Registros mostram que alguns dos laboratórios citados, o que inclui o Centro de Pesquisa de Carnes (MARC), foram autuados mais de uma vez por problemas durante as auditorias preliminares, ainda antes de serem formalmente inspecionados.

“Há várias mortes e incidentes horríveis com animais acontecendo no USDA”, afirma Mimi Brody, diretora de assuntos governamentais na Humane Society (Sociedade Humana). “Mesmo que esses casos sejam extremos, por que estão acontecendo?”.

Suínos, bovinos e cordeiros feridos

Essas questões vêm perseguindo o USDA desde 2015, quando uma investigação do New York Times expôs pesquisadores que abandonaram animais à própria sorte após sofrerem ferimentos, deixando-os sem tratamento. Em meio à controvérsia, o Congresso exigiu que cada laboratório de pesquisa do USDA convocasse um comitê de cuidados animais e se submetessem periodicamente a inspeções de bem-estar.

A maioria dessas inspeções provocou mudanças. Mas alguns problemas persistiram, mostram os relatórios.

No MARC - onde cientistas do governo vêm pesquisando maneiras de melhorar a bovinocultura de corte, produção de suínos e cordeiros - os inspetores encontraram, em julho de 2017, animais claramente com ferimentos e sem tratamento veterinário. Os animais que estavam no cocho de comida estavam respirando de forma rápida, ofegantes, e com as línguas para fora, mostrando sinais de desconforto pelo calor. Alguns suínos tinham arranhões e ferimentos abertos porque os zeladores não os separavam de outros animais mais agressivos.

Suínos, bovinos e cordeiros foram encontrados ofegantes em inspeções realizadas nos Estados Unidos Jonathan Campos/Gazeta do Povo

“Nenhum desses animais estava em tratamento no momento da inspeção”, escreveu Debbie Cunningham, inspetor da agência. “Feridas não tratadas podem ser dolorosas e levar ao sofrimento prolongados, além de infecções. Eles precisam ser examinados por um veterinário.”

Naquele mesmo mês, no Laboratório de Pesquisa de Plantas Venenosas, em Utah, 32 pintinhos morreram após uma falha no sistema de aquecimento, fazendo com que a temperatura ultrapassasse os 54 graus Celsius, aponta o relatório. Ainda que muitas instalações alertem para mudanças súbitas de temperatura, o laboratório não possui um sistema do gênero em atividade.

Aves desnutridas

Enquanto isso, no Laboratório de Oncologia e Doenças Aviárias, em Esat Lansing, no Michigan, 15 patos morreram após “dias sem acesso à água”. No Centro Nacional de Doenças Animais, em Ames, no Iowa, 38 perus morreram inesperadamente. Exames mostraram que os patos tinham o sistema digestivo vazio e encolhido, sinais que eles não tinham alimentos suficientes.

“Isso me dá nojo, francamente”, afirma o Dr. James Keen, professor de medicina veterinária da Universidade de Nebraska, que deixou o MARC em 2014 após denunciar publicamente maus tratos do laboratório animal. “A fome não acontece do dia para a noite, então isso indica negligencia crônica e crueldade com os animais. Essas descobertas indicam que os cuidados com a saúde e o bem-estar dos animais não são uma prioridade para o USDA”.

Pintinhos chegaram a morrer de calor em unidades do USDAAlbari Rosa/Gazeta do Povo

Além das violações às inspeções oficiais, todos os quatro laboratórios foram citados por descumprir regras de bem-estar animais durante as auditorias pré-inspeção, embora um relatório resumido ao qual The Washington Post teve acesso não tenha especificado a violação. O MARC foi citado em 33 violações, e as outras três unidades foram citadas por sete violações cada uma.

Alguns gabinetes de congressistas já manifestaram preocupação pelos resultados dos relatórios, que começaram a ser obrigatórios em 2016.

“Há mais de um ano, a Unidade Geral de Inspeção Departamento de Agricultura afirmou publicamente que o Serviço de Pesquisa da Agricultura admitia que não priorizou suas próprias políticas de bem-estar animal”, afirma a republicana Nita Lowel. “Esses relatórios demonstram que esse padrão perturbador e terrível continua, o que é inaceitável. A gestão da agência precisa tomar atitudes para resolver esses fracassos”.

Gatos com toxoplasmose

De forma separada, e sem relação a esses relatórios de inspeção, grupos de bem-estar animal desenvolveram um projeto mostraram suas preocupações na última semana sobre a toxoplasmose identificada no Laboratório de Doenças Parasitárias de Beltsville, Maryland. Para obter amostras de toxoplasma para o estudo, pesquisadores alimentaram filhotes com carne infectada e coletaram parasitas de seus excrementos, segundo documentos do protocolos. Os gatos são, então, sacrificados e incinerados.

Ainda que a prática da eutanásia humanitária de animais de teste não seja uma violação das regras federais de bem-estar animal, os críticos afirmam que a toxoplasmose pode ser facilmente curada em gatos, e que o USDA poderia então encaminhar os animais para adoção.

“Os gatos são perfeitamente saudáveis, e o USDA admite isso em seus relatórios”, afirma Justin Goodman, vice-presidente de defesa de políticas públicas do White Coat Waste. “O CDC afirma que é perfeitamente possível manter gatos tratados de toxoplasmose como animais de estimação. E o Departamento de Agricultura continua matando-os de qualquer forma”.

Gatos teriam sido infectados propositadamente com toxoplasmose para estudos e depois sacrificados pelo Departamento de Agricultura dos EUA  ROBERTO CUSTODIO/GAZETA DO POVO

Um porta-voz do órgão do governo norte-americano defendeu o programa de toxoplasmose e seu histórico de defesa do bem-estar animal, embora a agência não tenha esclarecido as recentes violações encontradas nos laboratórios do USDA, apesar das diversas solicitações de comentários.

O porta-voz aceitou fazer de forma anônima por conta das políticas do Departamento de Agricultura e afirma que os cientistas somente conseguem obter o tipo de toxoplasma necessário para as experiências a partir de gatos. A toxoplasmose tem alta periculosidade e podem causar danos cerebrais e nos olhos de fetos humanos, além de danos a outros animais de fazenda.

Os filhotes de gatos não são encaminhados para adoção justamente por conta da preocupação de que eles poderiam conter e espalhar o parasita, acrescenta a fonte anônima, afirmando que há pequenas evidências de que o risco existe.

“O Departamento realiza inspeções regulares acerca da pesquisa com animais e cumpre as melhores práticas de gestão em pesquisa animal”, garante o porta-voz.

Questões em aberto

Críticos das pesquisas realizadas pelo USDA afirmam que há questões em aberto que a agência deveria responder: uma delas é por que a supervisão e os novos recursos não foram suficientes para que o departamento corrigisse seu histórico de ações contra o bem-estar animal. Ex-veterinário do MARC, Keen afirma que essas questões não deixam apenas um rastro de animais feridos - elas podem invalidar e distorcer os experimentos.

Na última sexta-feira, os deputados republicanos Mije Bishop e Jimmy Panetta apresentaram um projeto para proibir o USDA de usar gatos em qualquer pesquisa que provoque dor ou estresse.

A Humane Society, por sua vez, solicitou ao Departamento da Agricultura que publique mais relatórios de inspeção para que sejam tomadas medidas públicas claras, com o objetivo de corrigir os problemas. A entidade estaria preocupada, afirma Brody, que as violações continuem a ser encontradas dois anos depois do início das inspeções.

“Quando você observa problemas dessa seriedade, é preciso tomar medidas para resolvê-los, e não apenas tomar notas”, diz Brody. “Essa perspectiva é uma tendência alarmante”.

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