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Caso da Mãe PM: conheça o treinamento de tiro da polícia de SP que é apoiado pela Cruz Vermelha
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O vídeo em que a cabo Katia da Silva Sastre salva a vida de mães e crianças da escola onde estuda a filha dela ao reagir a um criminoso armado que já havia efetuado dois disparos viralizou na internet e provocou os palpiteiros de plantão.

Há dois grupos acalorados que se engalfinham nas redes sociais:

– O primeiro defende que a policial foi precipitada, não precisava ter atirado no criminoso porque ele não havia atirado – os dois primeiros tiros não aparecem na cena – e que ela não verificou se ele tinha comparsa, mas o ângulo da câmera não é o mesmo ângulo de visão que ela tinha.

– O segundo defende que a reação foi fraca, a policial deveria ter desferido mais tiros e a pessoa que entrou no carro e saiu da cena deveria ter passado por cima do criminoso. Ou seja, defende que deveríamos ter 3 e não um criminoso na cena.

Existem ainda os que nem sabem ser a mãe uma Policial Militar de 42 anos de idade, que passou por vários treinamentos e imaginam que qualquer cidadão em posse de uma arma de fogo seria capaz de tal performance se treinasse em uma cabine de tiro.

Policiais têm essa vocação especial de arriscar a própria vida para defender a vida e a liberdade de pessoas que não conhecem, por isso são capazes de ações tão mais efetivas do que aqueles que estariam na cena apenas tentando revidar a violência a injustiça cometidas na porta de uma escola que fazia a comemoração do Dia das Mães.

Felizmente não é com o fígado nem com o despreparo que essas decisões são tomadas. Desde a década de 90, a Polícia Militar do Estado de São Paulo aplica um método de treinamento, apoiado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha e por organizações de Direitos Humanos, replicado por outros Estados sob demanda e requerido inclusive por outros países, o “Método Giraldi de Tiro Defensivo na Preservação da Vida”, que leva o nome de seu principal colaborador, Coronel Nilson Giraldi.

Na época, várias entidades de Direitos Humanos manifestaram preocupação com o grande número de mortes de civis em conflitos armados da PM com criminosos e, auxiliados por policiais da Inglaterra, desenvolveram um método brasileiro para o treinamento dos nossos policiais para a decisão de disparar ou não nas situações de conflito. O grande desafio era a forma de preparar a força policial para essas situações:

Importando a instrução de tiro das Forças Armadas, como sempre se fez? Não! Sua finalidade é destruir o inimigo; se possível, no momento em que ele menos espera, e isso está normal para elas, mas não para a polícia; polícia não tem inimigos.

Importando a instrução dos clubes de tiro? Não! Clubes de tiro praticam o tiro esportivo de competição. Possuem regras e alvos especiais para competições esportivas. Nada têm a ver com polícia. Treinamento virtual? Não! É ilusório! Falso! O policial não tem como interagir com as cenas projetadas; ele está num mundo em três dimensões e as cenas em duas dimensões, projetadas numa tela plana à sua frente. Ele atua parado, apenas olhando a cena; quem se mexe é a câmara que a filmou; se progredir bate com a cara na tela. Alem disso o policial tem que treinar com o mesmo armamento, munição, equipamentos, com os quais trabalha ou irá trabalhar. “Paint ball”? Não! Também usa equipamentos, armamentos e munições totalmente diferentes dos usados pelos policiais. É pura diversão. – diz o Coronel Giraldi

Dentro do Método Giraldi, os disparos são feitos quando é necessário fazer cessar a ação de morte do criminoso contra sua vítima, dentro de 4 critérios: necessidade, oportunidade, proporcionalidade e qualidade.

Algo muito discutido em todo confronto policial é a questão do tiro não letal. Por que o policial não deu um tiro na perna, no braço, no joelho? Há quem fantasie que realmente é possível tomar esse tipo de decisão. Alguns argumentam que o policial se aproveita do momento, outros que o faz para evitar represália do criminoso. Mas o fato é que somos humanos, não temos todo esse controle que imaginam os que jamais empunharam uma arma.

Acertar braços e pernas? Demagogia! Utopia! Próprio de quem não tem a mínima ideia do que seja um confronto armado. Durante um confronto armado não há como escolher pontos de acerto no agressor; dispara-se na direção da sua silhueta. E o policial não dispara porque quer; é o agressor que, com sua atitude de morte contra a sua vítima, o obriga a fazê-lo. E esse disparo não tem como finalidade matá-lo, mas, conforme retro consta fazer cessar sua ação de morte contra a sua vítima. Sua morte poderá até ocorrer, mas essa não é a finalidade do disparo do policial. – explica o Coronel Giraldi.

O curso completo tem 6 etapas básicas e outras extras, faz parte do treinamento inicial e também dos treinamentos contínuos de reciclagem dos policiais. Segundo o texto básico, de autoria do Coronel Giraldi, os módulos são:

Primeira Etapa:- “Curso Básico” onde o aluno, entre outras coisas, aprende a atirar em todas as posições, situações, dificuldades e distâncias. O alvo utilizado é o “PM–L–74”, de papelão, retangular, com uma zona central cinza e quatro zonas periféricas brancas. As zonas de acerto não têm pontuação pré definidas; serão estabelecidas e valorizadas de acordo com os objetivos da instrução.

Segunda Etapa:- “Pistas Policiais de Instrução” (PPI), simulações da realidade, com alvos de papelão, móveis, devidamente caracterizados como seres humanos (“amigos”, “neutros” e “agressores”) onde o aluno, orientado pelo professor, aprende a usar seu armamento e atuar (individualmente e em equipe) em todos os tipos de confrontos armados, com necessidade ou não de disparos. Comum a todos os policiais.

A instrução desenvolve-se em pistas de instrução, montadas ou naturais, representando todos os tipos de ocorrências possíveis de serem encontradas pelo policial na vida real. As pistas tem sonorização (barulho de tiros, bombas, sirene, gritos, etc.). Tempo de execução igual a uma ação real.

Posteriormente os alvos de papelão são substituídos por seres humanos verdadeiros e, com uso de simulacros de armas de fogo pintados de amarelo ou azul, a instrução é feita sob a forma de “teatro”, tendo os policiais como “atores”, quando todos os desdobramentos possíveis da ocorrência são treinados (com alvos de papelão, mesmo móveis, isso não é possível).

Terceira Etapa:- “Pistas Policiais Especiais” (PPE), simulações especiais da realidade, também com alvos “amigos”, “neutros” e “agressores”, móveis, devidamente caracterizados como seres humanos, obedecendo aos mesmos princípios da “PPI”.

Destinadas a preparar policiais para execução de serviços especiais, ou em locais especiais, como:- ações táticas; ações táticas especiais; choque; operações especiais (exemplo:- reintegração de posse de áreas e locais invadidos, etc.); policiamento rodoviário; policiamento ambiental; policiamento montado; policiamento com motos e bicicletas; rádio patrulhamento aéreo; escoltas; guarda de presídios; atuação em favelas, morros, palafitas, estações (metrô, rodoviária, ferroviária); divertimentos públicos, segurança de dignatários; serviço velado; serviço reservado; etc.

Quarta Etapa:- “Pistas Policiais de Aplicação” (PPA), também simulações da realidade, com os mesmos tipos de alvos da “PPI” e “PPE”, onde o aluno (individualmente e em equipe), sem conhecimento prévio do que irá encontrar pela frente; com o fator surpresa sempre presente, como ocorre na vida real e, sem qualquer orientação do professor, aplica todos os conhecimentos anteriormente adquiridos. Tempo de execução idêntico ao de uma ação real.

Quinta Etapa:- “Manutenção do armamento, munição e equipamentos”. Nesta etapa, que não precisa ser feita nesta ordem (pode ser antes), o policial aprende a fazer a manutenção e a conservação do armamento, munição, equipamentos, e demais materiais sob sua responsabilidade, com a finalidade de poder usá-los, com segurança, em caso de necessidade.

Sexta Etapa:- “Investimento e Valorização do Policial”. Trata de tudo aquilo que, fora da instrução prática de tiro, possa se relacionar ou influir na atuação armada do policial em defesa própria e da Sociedade. Ensina o policial a estar de bem com a vida; ter amor pela vida; ter paz.

Outras etapas:- Todas fundamentais para o policial servir e proteger a sociedade e a si próprio.

O treinamento é tão extenso e prevê tantas etapas com teatralização, barulhos, gritos, choros e explosões porque leva em conta a necessidade de aprender a controlar as reações biológicas em situação de perigo extremo, raramente vivenciadas, instintivas, capazes de alterar o julgamento racional e lógico dos seres humanos.

Todos os animais, inclusive os racionais, são dotados do instinto de preservação da vida, a força mais poderosa da existência. Mas a atividade policial tem essa característica especialíssima de defender a coletividade, a vida alheia, ser o braço longo da lei. Muito mais do que aprender a acertar uma bala no alvo, é preciso aprender a dominar o instinto de defender a própria vida e eliminar o inimigo a qualquer custo, que pode causar tragédias numa cena de confronto.

A adrenalina é jogada em tal quantidade no seu sangue que poderá provocar uma síncope. A pressão arterial dobra; os batimentos cardíacos triplicam.

A emoção e a reação são tão intensas que, normalmente, antecedem o raciocínio. A capacidade de raciocínio fica drasticamente reduzida.

Há um ponto no sistema nervoso central que bloqueia várias atividades do cérebro podendo provocar, entre outras coisas, aquilo que se chama de “visão de túnel” (o policial olha e não vê); o som chega e não ouve; travamento físico do corpo, total ou parcial; travamento mental, total ou parcial. As pernas tremem e ficam fracas; a pupila dilata; o estômago encolhe; o rosto adquire palidez cadavérica; suor frio; e outras conseqüências terríveis; podendo advir, daí, caso não tenha sido condicionado para o momento, provocar tragédias irreparáveis contra si e contra terceiros. – explica o Coronel Giraldi.

Tantas alterações físicas poderiam ser usadas como desculpas para falhas ou exageros na atuação de cidadãos comuns empunhando armas contra agressores, mas jamais na atuação de agentes públicos. Por isso eles são treinados exaustivamente. São o braço da lei. Não há desculpas para falhas.

É uma tragédia sem tamanho pensar que uma festa de Dia das Mães em uma escola termine em um tiroteio que ceifou uma vida pela absoluta necessidade de salvar outras tantas. Felizmente avançamos pelo menos o suficiente para formar uma policial que, apesar do salário, não pensou um milésimo de segundo ao se colocar na linha de tiro para evitar com a mais absoluta eficiência uma tragédia maior.

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