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Sergio Moro. Foto: Pedro Serápio/Gazeta do Povo.
Sergio Moro. Foto: Pedro Serápio/Gazeta do Povo.| Foto:

O professor Sergio Moro sabia que condenar Lula exigia uma série de cuidados. Ele próprio admite que prender Lula pode ser um “trauma”. Não é à toa que passou 238 páginas (um texto maior do que as hagiografias que vêm lhe sendo dedicadas) explicando ponto a ponto tudo o que fez. E se defendendo do que lhe acusaram.

Falou da possível animosidade com Lula. Falou das escutas e da divulgação dos áudios. Falou do possível cerceamento de defesa. Falou dos quiproquós que teve com os advogados do ex-presidente nas audiências. Falou das colaborações premiadas.

Mas principalmente falou sobre a questão das provas. Porque, afinal, essa é a questão central do caso. Os aliados de Lula insistem que Moro é um “perseguidor do PT” e que faria qualquer coisa para botar o presidente na cadeia, mesmo sem provas. E se discutiu a sério o fato de só haver indícios, não provas, no caso do triplex.

A situação do sítio de Atibaia, por exemplo, parece bem diferente: as provas de que Lula usufruiu com Marisa do imóvel são imensas, não há como negar isso. E aí a coisa fica mais difícil para o presidente (que certamente vai ser condenado neste caso, e talvez com mais justiça).

Esqueça os outros casos

No caso do triplex, ninguém pode dizer que Lula NÃO FOI beneficiário de corrupção. No momento, só mesmo os militantes mais ortodoxos continuam acreditante que o ex-presidente fez tudo certinho. Mesmo esses às vezes partem para argumentos do tipo: ah, mas todo mundo fazia; ou dizendo que não há outro modo de governar etc.

O que se estava discutindo no caso do triplex, no entanto, é evidente, era uma única coisa. É o que diz o próprio Moro no início da sentença:

“Essa é a questão crucial neste processo, pois, se determinado que o apartamento foi de fato concedido ao ex-Presidente pelo Grupo OAS, sem pagamento do preço correspondente, sequer das reformas, haverá prova da concessão pelo Grupo OAS a ele de um benefício patrimonial considerável, estimado em R$ 2.424.991,00 e para o qual não haveria uma causa ou explicação lícita.

Ao contrário, se determinado que isso não ocorreu, ou seja, que o apartamento jamais foi concedido ao ex-Presidente, a acusação deverá ser julgada improcedente.”

E então resta saber se, como diz Sergio Moro, ficou “provado” que Lula se beneficiou com o triplex, recebendo um apartamento como presente da OAS. A minha opinião é de que não.

Indícios

Tudo o que Sergio Moro apresenta como provas na verdade são indícios. Alguém disse. Há uma rasura em um documento. As construtoras não fazem reformas daquele tipo se não forem para o gosto específico de um cliente. E assim por diante.

No entanto, no direito penal, há uma regra que está acima de todas as outras. É aquela segundo a qual, na dúvida, o réu deve ser considerado inocente. A condenação só pode acontecer caso não haja a mínima dúvida razoável. E, neste caso, parece haver explicações em que Lula realmente não teria culpa.

Os delatores podiam estar falando apenas para diminuir sua pena. Os documentos não mostram em nenhum momento que Lula tenha pago um apartamento menor e ficado com outro maior. Mesmo que a reforma tenha sido feita para um cliente específico, falta provar que Lula pediu ou aceitou (que o cliente específico era ele e que ele sabia disso).

Isso é prova?

Há um determinado momento da sentença em que Sergio Moro parece insinuar inclusive que a ausência de uma prova é, em si mesma, uma prova:

Afinal e isso foi admitido pelo próprio ex-Presidente, embora com argumentos falsos, jamais houve discussão concreta com ele sobre o preço do apartamento 164-A, triplex, jamais foi discutido concretamente que o ex-Presidente pagaria diferença necessária, e jamais houve discussão sobre o ressarcimento da OAS Empreendimentos pelas despesas havidas na reforma, aliás, sequer houve questionamento sobre a diferença de preço e custos das reformas.

E nós?

Nada disso quer dizer que Lula é inocente. E pelo menos 90% das teorias da conspiração de extremistas do PT ou de militantes devem ser descartados como histeria. Mas há um ponto importantíssimo a ser discutido aqui. Pode ser que Moro (seja por ódio a Lula, ou mais provável, porque esse é o jeito como ele vê as coisas) esteja atropelando uma das garantias fundamentais do Direito. E da democracia. E da civilização.

Se para condenar alguém deixarmos de exigir provas cabais e começarmos a achar que indícios servem, aonde chegaremos? Quem será o próximo condenado? O que impedirá um juiz de agir arbitrariamente?

Claro que o combate à corrupção é importante e que no caso de certos crimes as provas são dificílimas. Mas os fins jamais podem justificar os meios. Ainda mais quando os “meios” calham de ser nossa única proteção contra uma ditadura do Judiciário.

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