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Dois fatos recentes deveriam ser suficientes para que o Ministério da Cultura revisse os critérios de uso da Lei Rouanet. O primeiro foi o anúncio de que estilistas podem agora se beneficiar da renúncia fiscal. O primeiro grupo foi formado por gente conhecida, como Alexandre Herchcovitch e Pedro Lourenço. O segundo fato foi a revelação de que o Rock in Rio, só neste ano, levou R$ 8 milhões da Rouanet.

No caso da moda, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, deu declarações afirmando que foram definidos quatro critérios para ver se um estilista pode ou não receber a verba. Um deles, que contou no caso de Herchcovitch, por exemplo, é a internacionalização. Ou seja: ele vai poder usar o financiamento porque fará desfiles no exterior, e tornará o Brasil mais conhecido. No caso dele, serão R$ 2,6 milhões.

No caso do Rock in Rio, como se trata de música, não se está falando de nenhuma expansão da lei. O que se questiona, nessa situação, são duas coisas: primeiro, o fato de ser um evento comercialmente viável, que tem condições de se pagar. Beyoncé e Justin Timberlake não precisam de dinheiro público para vender ingressos. Por outro lado, um dos patrocinadores exigiu ingressos mais baratos para quem pagasse com seu cartão de crédito.

Há uma definição já estabelecida de que a Rouanet não deve fazer distinções entre alta cultura ou cultura popular. Que não deve estabelecer critérios de mérito para fazer a seleção do que vai financiar. Ou seja: não há uma política de seleção que valorize mais algum tipo de arte, ou que pretenda dar recursos apenas àquilo que possa ser de interesse social. Claro que o interesse é evitar elitização e até mesmo garantir que todos tenham acesso por igual ao dinheiro, que é público.

Um outro debate em torno de cultura, bem recente, pode ajudar a explicar isso. A Câmara dos Deputados aprovou um requerimento para que o funk carioca seja considerado cultura. A justificativa do projeto, que partiu do PSol, é de que a definição de cultura deve ser ampla, não excluindo manifestações de nenhum tipo. Ou seja: ópera é cultura, mas qualquer tipo de música é cultura.

Esse conceito amplo entende que qualquer manifestação social deve ser valorizada, e que pode ser impossível (ou, no mínimo, muito difícil) fazer divisões e dizer com certeza quais gêneros, quais produções são mais interessantes. Não há um ponto de vista universal e, portanto, temos de admitir nossa impotência diante desse julgamento.

Ok. Faz sentido, do ponto de vista antropológico ou filosófico, principalmente. Mas o que está se falando aqui é de outra coisa: é de política. Em política, pode-se discutir e, por meio de consenso, chegar a conclusões que valham como “verdades”, ao menos provisórias, de uma sociedade. Pontos de vista que são consensuais. Tanto faz se são “verdadeiros” em algum sentido filosófico mais profundo.

E em política estamos lidando com bens escassos que devem ser divididos de maneira justa. E, dentro da justiça, de maneira produtiva, eficiente. E parece bastante óbvio que patrocinar o Rock in Rio com dinheiro público não traz vantagens para ninguém. A não ser para os organizadores, talvez. Tudo é cultura? Certo. Até bactérias num meio, diria Arnaldo Antunes.

Mas a educação também é um conceito amplo. E nem por isso é papel do Estado financiar autoescolas. Saúde é amplo. E nem por isso devemos querer que o Estado patrocine plásticas para senhoras endinheiradas. Cultura é ampla. Funk, moda e rock são cultura. Mas é preciso haver critérios sobre quais são os interesses do país.

No caso do funk “proibidão”, por exemplo. As letras são machistas, pregam a violência, chegam a apoiar o tráfico de drogas, sei lá. É cultura? No sentido amplo, claro. Mas faz sentido financiar isso com dinheiro público que falta em creches?

Fica a discussão.

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