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Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo.
Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo.| Foto:
Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo.

Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo.

A comoção começou cedo. Desde que a palestra de José Mujica foi anunciada, havia gente em Curitiba meio em transe. Os próprios números mostram isso: em 24 horas, sete mil inscritos. O pequeno auditório da APP, para 500 pessoas, acabou servindo só para a entrevista coletiva. A palestra foi para o Círculo Militar, com capacidade para 3,5 mil lugares.

Quem ficou de fora chiou. Reclamou-se dos critérios de seleção. Quem conseguiu o ingresso comemorava nas redes sociais. Parecia a vinda de um astro do rock – uma comparação esquisita para um senhor idoso, gordinho cujas fotos mais famosas mostram-no de pés em sandálias, unhas em estado um tanto deplorável e que faz questão de dirigir ainda o mesmo Fusca.

Mas o “presidente mais pobre do mundo” é mesmo um astro pop. Sua viagem a Curitiba foi marcada pelo estrelato desde o voo de São Paulo. A quantidade de fãs fazendo fila para as fotos ao lado do ícone da esquerda sul-americana chegou a atrasar o desembarque. Gentil, Mujica esperou – assim como tiveram que esperar os demais passageiros. Às 20h00, pouco mais, desembarcou em Curitiba.

A primeira parada, para comer, foi no premiado restaurante (de aparência modesta, mas  boa comida) Limoeiro. A música foi desligada para que todos pudessem ouvir o senador, que falava baixo, cansado, junto com a esposa. Não eram só militantes. Eram fãs desse estranho monge que chegou à presidência septuagenário e que se recusou a abrir mão dos velhos hábitos.

Na coletiva de imprensa no dia seguinte, repetiria seu velho adágio de que é preciso expulsar da política os que “gostam demais de dinheiro”. “O político tem que viver nas condições em que a maioria do povo vive. E não como a minoria aristocrática.” Pode-se criticá-lo por outras coisas – mas não por hipocrisia – ele vive o que prega.

Na palestra, a esquerda curitibana se encontrou. O senador Requião e o deputado Tadeu Veneri estavam lá. Mujica, porém, não quis fazer propaganda para ninguém. Mas na maior parte eram militantes. E aguerridos. A representante do movimento negro, ao microfone, aproveitou para passar um sabão nas feministas que não se ocuparam da causa. “Isso é racismo!”, acusou.

Pepe Mujica não decepcionou a plateia. Falou por 40 minutos. Sobre ideologia. Sobre consumismo. Sobre como as mídias digitais podem ajudar num projeto de esquerda. Sobre s males do dinheiro. Sobre a América Latina. Sobre futuro. Sobre militância. A plateia, que começou e terminou o evento aos gritos de “Fora Beto Richa”, não podia gostar mais.

Na coletiva de imprensa, último compromisso de Mujica antes de entrar num novo avião, provavelmente para mais fotos e selfies e autógrafos, o ex-presidente chegou cansado. Com sua calça jeans e o casaco para protege-lo do frio de Curitiba, chegou ao lado da esposa, a também senadora Lucía Topolanski.

Houve tempo para apenas quatro perguntas. Duas sobre política internacional, uma sobre educação e outra sobre eleições no Brasil. Vinte e dois minutos para a imprensa tentar conseguir algumas citações. E citações não faltaram.

Acostumado a ser questionado sobre tudo o tempo todo, Mujica mal precisava pensar para falar. A cada questão, era como se buscasse em algum escaninho de sua cabeça branca a resposta para aquilo, o discurso que já tem elaborado. E, cadenciado, se explicava em frases simples o que, apesar de já ter sido dito mil vezes – por ele e por outros – curiosamente empolgava até os profissionais.

É preciso não reduzir a política a uma mercadoria.

Depois de libertar o oprimido é preciso libertar o opressor.

É preciso aprender a conviver com a diferença.

Os benefícios da educação.

Não parecia ser qualquer novidade o que empolgava – até pelo contrário. O encanto de Mujica parece estar no fato de que ele reafirma alguns princípios que são caros a essas pessoas com certa autoridade – a autoridade de um ex-Tupamaro, de um presidente que fez reformas que muita gente queria ver implantadas aqui, e principalmente com a autoridade de alguém a que chegou ao poder sem se desapegar de seus ideais.

O poder de pop star de Mujica vem do fato de ele ter tido o poder sem ter se encantado por ele, sem ter tentado viver como um pop star.

Cansado, Mujica falava o que sempre diz. E fez o que sempre faz: reafirmou seu credo. Na primeira fila, sua esposa, igualmente cansada, fechava os olhos, prestes a sonhar enquanto o marido atendia por mais alguns minutos os repórteres – ela também seria assediada para fotos, claro.

Depois da última pergunta, tempo encerrado, ainda houve mais uma última tietagem. Dessa vez, dos próprios jornalistas – selfies e até um pedido para que ele assinasse uma camisa da seleção de futebol do Uruguai.

Uma fotógrafa apressada, preocupada com o voo de Mujica, gritava a cada cinco segundos: ‘Próxima!”, “Deu!”, fazendo a fila andar para que mais fãs entrassem no quadro, prontos a postar a imagem no Facebook. Mujica, quase como os cavalinhos que os lambe-lambes usam, ficava ali parado, extenuado, tamborilando no joelho como único sinal de impaciência.

Na saída, cheguei perto do senador e enquanto ele andava para a porta, fiz a única pergunta que me encomendaram. “Pergunta se ele gosta de Bach.” “Por quê?” “Porque se ele for boa gente como dizem tem que gostar de Bach!”

– Senador, o que o senhor gosta de ouvir?

– Tango!

– E música clássica: Bach, Beethoven?

– Sim! Bach, Beethoven. E Brahms.

Foi a última pergunta. Um aperto de mãos e lá se foi ele rumo ao aeroporto, não num Fusca, mas numa Duster. Atrás dele, um menino, sessenta anos mais jovem do que Mujica, andava para ir embora também. “Estou tremendo…”, dizia para o amigo.

Não é fácil entender por que, mas um sujeito de 81 anos, que calça chinelos, nem é mais presidente e ouve Brahms fez boa parte da cidade correr até dele. E até mesmo tremer.

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