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Luana Hansen: funk em defesa das mulheres. Foto: YouTube.
Luana Hansen: funk em defesa das mulheres. Foto: YouTube.| Foto:
Luana Hansen: funk em defesa das mulheres. Foto: YouTube.

Luana Hansen: funk em defesa das mulheres. Foto: YouTube.

Em parceria com Naiady Piva:

Funk é cultura ou não? Um projeto de lei do deputado Chico Alencar, do PSol carioca (de onde mais?) diz que sim, e quer que o gênero seja respeitado. O projeto, segundo o deputado, foi pensado “para assegurar, sobretudo à população jovem de inúmeras cidades brasileiras, o seu direito, constitucionalmente previsto, de democraticamente produzir, desenvolver e usufruir de um bem cultural tão importante para sua vida, sua história e seu modo peculiar de inserção na sociedade contemporânea”.

Na Comissão de Cultura da Câmara, o relator foi Jean Wyllys, também do PSol. E também carioca. O parecer dele, favorável ao projeto, foi aprovado por unanimidade. Wyllys disse o seguinte: “A noção de cultura defendida pela Antropologia e pelos Estudos Culturais, que é a noção de cultura como modo integral de vida, é a que deve ser evocada para reconhecer o funk como manifestação cultural e livrá-lo dos preconceitos das elites culturais que fazem distinções e hierarquias culturais para sustentar e justificar privilégios”.

Ou seja: o PSol (e boa parte da esquerda) acredita que sim. Funk é cultura, no sentido amplo. É algo que está presente na vida das pessoas. E é produção cultural no sentido de “artes e espetáculos”. em outras palavras, os dois deputados estão dizendo que não é por ser cultura dos mais pobres que deixa de ser cultura.

Aqui na Gazeta do Povo, o tema veio á tona recentemente com dois artigos de Francisco Escorsim, colunista que publica às segundas-feiras. Com o título de “A Cultura do Estupro da Cultura – parte I e parte II” ele atacou a ideia de que algo tão rasteiro – chulo, machista, tosco – possa ser defensável. Quanto mais tornado objeto de defesa do Estado como “cultura”.

A ideia começa pela cultura do estupro e pela terrível história do estupro coletivo que mexeu com o país. O caso, diz Escorsim, aconteceu depois de um baile funk, e não dá para separar totalmente as duas coisas. “Como dissociar o estupro do baile funk que o antecedeu, quando é impossível contestar que o incentivo à prática sexual é uma regra nesses bailes?” pergunta o colunista, com certa razão.

É evidente que muitos funks são machistas. Que muitos estão impregnados da cultura do estupro: transformam a mulher em um objeto a ser possuído. E objetos não têm o mesmo estatuto que pessoas, podem ser transformados em meios de obter prazer (não num fim em si mesmas). Mas será isso uma exclusividade do funk? E será que todo funk carioca é assim?

A resposta nos dois casos é não.

Se pensarmos o machismo enquanto uma construção cultural (não é natural dos homens oprimirem as mulheres, nem vice-versa), é de se esperar que isto se reflita em diferentes aspectos da sociedade. O funk é um dos ritmos musicais mais populares do país. Assim, sofre influência de aspectos da cultura. Entre eles, o machismo, e há um sem número de músicas que comprovam esta relação.

Mas esta relação não é direta. Há letras de funk machistas? Sem dúvida. O funk é machista, enquanto estilo? Não necessariamente. O próprio estilo abriga canções na outra ponta, que se engajam em defesa das mulheres. “Lute, grite, denuncie, pelo fim da violência contra a mulher”, diz o refrão de “Lei Maria da Penha”, canção da DJ Luana Hansen (meio rap, meio funk) vencedora de concurso promovido pelo Banco Mundial.

Outras funkeiras usam a própria sexualidade. Exercitá-la seria um direito da própria mulher, e não algo imposto ou feito para “agradar” os homens. Voltando à cultura, ela é reflexo do que é produzido pela sociedade. E estas vozes minoritárias disputam espaço com aquelas, mais famosas, aqui criticadas pelos valores que pregam.

E o problema não pode ser falar de sexo. E sim falar de sexo de maneira abjeta, desumanizadora.

Em paralelo, não é de se ignorar que é funk é dos ritmos mais polêmicos do ponto de vista social. Já nos anos 1980, o antropólogo Hermano Vianna alertava que a crítica ao ritmo, na verdade, mascarava um preconceito com a organização de jovens negros e pobres da periferia periferia carioca.

Três décadas depois da dissertação (virou o livro “O Baile Funk Carioca”), o funk mudou. Ficou mais brasileiro e ganhou apelo sexual e “proibidão”, com apologia ao crime. Ainda assim, esta não é sua única face, a a característica de organização popular permanece. É o que torna a crítica ao funk fácil. Outros ritmos não sofrem da mesma forma. O rock, por exemplo, tem seus exemplares de machismo grosseiro. Nem por isso todo roqueiro é rotulado desta forma.

Aliás, não custa lembrar: samba, capoeira e até religiões populares do Brasil sofreram preconceitos semelhantes em outros tempos.

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