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O Livre.Jor é um recente e interessante fenômeno da política paranaense. Não para quem acha que política é só fofoca e bastidores. Mas para quem entende que cobertura de política é algo muito mais minucioso e que depende de olho atento a detalhes.

Dois jornalistas de Curitiba, José Lazaro Ferreira e João Guilherme Frey, passaram a acompanhar de perto os diários oficiais dos órgãos públicos locais e a divulgar as informações via Facebook. Em pouco tempo de trabalho, mostraram a relevância dessa iniciativa simples, pautaram a imprensa e conseguiram mais de mil “curtidas” em sua página. Veja aqui uma entrevista com os dois.

De onde surgiu a ideia de fazer a página? Por que é importante?

Até fevereiro deste ano não havia uma iniciativa dedicada a acompanhar sistematicamente dados públicos relacionados ao Paraná, a exemplo do que já acontece em nível federal. Organizações não-governamentais como a Associação Contas Abertas e a Transparência Brasil há anos se dedicam a fiscalizar atos e gastos públicos em Brasília, nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – e o esforço deles complementa as notícias factuais, do cotidiano. No Paraná, isso não ocorria.Outro fato importante na gênese do Livre.jor foi a série Diários Secretos. Ela mostrou claramente a quantidade de informação que os diários trazem e os efeitos que estas publicações têm. E, como o nome diz, os diários são publicados todos os dias, então não nos resta outra saída senão o acompanhamento sistemático. Dá para dizer que aquilo que era uma lacuna antes dos Diários, por algum motivo, continuou pendente depois do arrasa-quarteirão dessa série de reportagens.

Ao mesmo tempo, não se pensou em mais um blog de política, ou mais um portal de notícias. Localizar documentos e informações, disponibilizando-as junto com o caminho para a pessoa checar, por conta própria, os dados, parecia geneticamente incompatível com esses modelos. Jogar isso tudo numa rede social, “para ver no que vai dar”, passou a ser uma ideia irresistível. Primeiro, por ser a linguagem do agora. Segundo, por soar como uma provocação positiva ao jeito como estamos acostumados a ver as coisas.

Nós dois somos jornalistas, e defendemos a transparência como um princípio da administração pública – nunca um favor dos governantes aos cidadãos. A entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, em 2012, é uma das maiores vitórias na história recente da democracia brasileira. Só que não basta ter a lei à disposição, é preciso usar e abusar dela. Sem isso, as estruturas não se adaptam. Logo, é muito importante que as pessoas percam o medo de pedir informações, e comecem a requisitar, a incomodar. O Livre.jor é um incentivo nesse sentido.

Quanto tempo isso toma de vocês? Vocês pensam em ter algum tipo de remuneração com isso no futuro?

Nós dois lemos os documentos e fuçamos nos bancos de dados nas nossas horas vagas. Isso quer dizer que em um dia temos meia hora disponível, em outro mais tempo. Pode acontecer de começar algo hoje e terminar na semana seguinte. Ou no mesmo instante, se a história for muito boa. Os dois trabalhamos, temos namoradas, vamos ao cinema. Em média, dá para dizer que gastamos de uma a duas horas por dia, cada um, atrás dos dados que publicamos.

É possível que o Livre.jor tenha algum desdobramento, em termos de jornalismo, como atividade monetizada. Só que esse modelo de negócio ainda não está claro para nós. O jornalismo como profissão e como atividade lucrativa está em mutação neste momento. Oportunidades surgem e desaparecem no cenário internacional: sponsorships, crowdfunding etc. Estamos atentos a elas, lógico, pois seria uma forma de dedicar mais tempo à atividade. Contudo, não se tem a pretensão de isso virar uma startup de sucesso do dia para a noite. Não dá para ter pressa ou pensar o Livre.jor como o Porta dos Fundos, o Mundo Canibal ou o Jovem Nerd.

Vocês esperavam ter esse retorno, com tanta gente demonstrando interesse e usando as informações?

Começou com jornalistas utilizando o material do Livre.jor para fazer pautas mais aprofundadas, quando o projeto tinha umas 100 curtidas no Facebook. Eles mandavam mensagem pra gente, perguntando como citar a iniciativa. “Não sabemos, é só uma fanpage no FB”, respondíamos. Dizíamos para eles citarem o documento, uai, que era público. Ninguém quer ficar famoso, pelo contrário – é até engraçado dizer isso em voz alta. Daí um amigo passou a usar “coletivo de jornalistas independentes especializados na análise de dados públicos”. Ora, isso é um elogio, mais que uma definição. Precisamos ser mais coletivos, mais independentes e mais especializados para honrar isso.

Quando o primeiro convite para conversar com alunos de jornalismo surgiu, da Universidade Positivo, nós ficamos bastante surpresos – e felizes, claro. Depois veio a Unibrasil e o Hackaton Eleições 2014, de novo na UP. Até entrevista para televisão já rolou. Estamos contentes com a repercussão, até porque ela ratifica algo que a “intuição” dizia: existem notícias passando despercebidas nos documentos oficiais e elas, de alguma forma, interessam às pessoas.

Quais são os próximos passos?

Estamos trabalhando para ter um site próprio ainda antes do Carnaval de 2015, quando o projeto completará um ano de existência. Isso nos daria a possibilidade de organizar melhor as publicações, hierarquizar as informações levantadas e criar algumas categorias de notícia – para facilitar a leitura e a pesquisa.

Enfim, sentimos falta de algumas ferramentas que nos permitam refinar, do ponto de vista jornalístico, o Livre.jor. Consideramos importante também estender nossa apuração. O que o Livre tem feito é apurar o início das histórias. Não destrinchamos o fenômeno, só dizemos que ele existe. Trabalhamos assim porque não dispomos de tempo nem de estrutura para aprofundar isso.

Podemos dizer, por exemplo, pelo portal de convênios da Caixa Econômica Federal, que a construção de uma penitenciária em Foz do Iguaçu está atrasada, mas não sabemos em que estágio exato está, se só foi feita a terraplanagem ou se faltam apenas os acabamentos. E, só pelos documentos, não conseguimos saber também quais são as implicações deste atraso, como afeta os centros de detenção provisória da cidade, por exemplo.

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