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Rafael Greca agora insinua que culpa de quem morreu na rua é da própria vítima
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O prefeito Rafael Greca ultrapassou todos os limites do aceitável nesta quarta-feira. Disse que a culpa pela morte de um morador de rua, na madrugada mais fria do ano, foi da própria vítima. Ao não aceitar ir para um abrigo quando abordado, o sujeito teria decidido seu destino. Portanto, ninguém mais teria culpa disso, exceto as “forças do mal” que “insistem no ‘direito’ de permanecer na rua”.

A postagem de Greca foi ao ar no fim dessa manhã no Facebook – e tem como objetivo óbvio tentar livrar o prefeito de qualquer responsabilidade. Greca, a seu melhor estilo, acredita ser impossível que haja erros na sua gestão. Se algo aconteceu de errado, imediatamente um terceiro precisa levar a culpa. E, se para resolver a situação dos moradores de rua o prefeito tem se mostrado lento, para fazer acusações é rápido como poucos.

A história que o prefeito conta na internet, além de partir da grosseria de culpar o próprio morto, não fecha. Greca diz que o sujeito estava fortemente alcoolizado e drogado. Não se sabe de onde tirou essa informação. Os sintomas da própria hipotermia podem ser confundidos com o do uso de álcool e algumas drogas. Pupilas dilatadas. Tremor. Discurso lento e sem sentido. Sonolência. Perda de atenção e memória. Mas o prefeito, que talvez tenha um laudo na mão, sabe que se tratava de álcool e drogas. (Aliás, também não se sabe de onde o prefeito afirmou que a morte foi por hipotermia, informação que ele próprio apagou mais tarde.)

Dependência

Mesmo que fossem drogas o problema. A dependência química é um problema de saúde. Ou se está insinuando que a pessoa é culpada também da própria doença? E se o sujeito não estiver, em função dos efeitos da própria doença, em condições de perceber que precisa de abrigo contra o frio, a culpa é da pessoa por estar doente?

Rafael Greca diz ainda que o sujeito não aceitou o atendimento do resgate social e que o problema está nas pessoas vis que não aceitam que se leve alguém compulsoriamente em casos como este. Isso é um contrassenso. Quem diz que há o “direito” de se permanecer na rua não são as pessoas malvadas do politicamente correto: é a Constituição do país. Quem sabe o ideal não fosse oferecer atendimento ás pessoas antes que elas chegassem a essa situação?

Metade recusa

Mas há um problema ainda mais grave e que fica transparente nos próprios números divulgados pelo prefeito na sua catilinária contra a vítima. Segundo Rafael Greca, houve 195 pedidos de atendimento ao resgate social na noite de terça para quarta. Em 68 casos, não se achou ninguém no lugar. Acontece. Em 14, o prefeito não diz o que aconteceu. Sobram 113. Desses, em 58 a pessoa aceitou ser levada para um abrigo. Mas outras 55 se recusaram.

Ou seja: praticamente metade dos moradores de rua que estavam ao relento preferem não ir para os lugares que a prefeitura oferece. Isso pode ter várias causas: preferem ficar num lugar onde tenham liberdade de usar drogas, por exemplo. Mas pode ser também que as pessoas acreditem que os abrigos oferecidos não são bons o suficiente. Reportagens em outras gestões já mostraram que isso era de fato um problema, especialmente no abrigo da Conselheiro Laurindo que Rafael Greca quer tanto reabrir.

Higienismo

Os moradores de rua são uma pedra no sapato do prefeito desde o dia em que ele disse ter vomitado com o cheiro de um pobre. Não sabendo como diminuir seus números nem melhorar sua situação no curto prazo (até porque, ao contrário do que se prometia na campanha, não há mágicas), Greca, para atender aos anseios de seu eleitor de classe média, parece agora flertar perigosamente com uma solução higienista, falando em tirar as pessoas à força da rua, como já pediu em passado recente uma associação de empresários. Já começou a retirar guarda-pertences. Agora culpa quem não aceita a sua generosa oferta.

Os moradores de rua são cidadãos. Antes disso, são seres humanos. E culpá-los pela sua própria morte é algo absolutamente inaceitável numa sociedade civilizada

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