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A universidade pública está sob ataque. E não é difícil entender o porquê
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A crise da universidade pública brasileira é um momento de felicidade para muita gente. Não só para os donos do ensino privado, que veem nisso, com razão, uma oportunidade de lucro. Mas também para aqueles que não suportam a ideia de um ensino gratuito de qualidade no país.

O fechamento das portas da UERJ em meio ao ano letivo é apenas o sintoma mais grave de um quadro que vai afetando gradualmente todo o sistema das públicas. A cada mês a situação parece mais graves. Alunos que se acostumaram à folclórica falta de papel higiênico agora precisam conviver com falta de muito mais coisas.

As bolsas de pesquisa, que se tornaram quase ubíquas dez anos atrás, minguam. O Ciência sem Fronteiras foi uma das primeiras vítimas do novo governo. Mesmo governo que chegou ao poder em 2016 chamando o custo de ProUni, Fies e Pronatec de “herança maldita” da gestão anterior.

Os ataques

De lá para cá, têm sido comuns as investidas contra o sistema público de educação, tanto de pessoas físicas quanto de pessoas jurídicas. O jornal O Globo defendeu em editorial o fim do ensino superior público gratuito. Como sempre acontece nesse tipo de ocasião, diz que as vítimas de suas propostas, os mais pobres, seriam os mais beneficiados.

Neste mês, um neto do ex-ditador João Figueiredo, ligado ao Instituto Liberal, disse que o maior legado do governador Pezão será o fim da UERJ. De Miami, o herdeiro do homem que preferia o cheiro de cavalos ao dos pobres, escreveu o seguinte:

“Sem dúvida o maior feito do Pezão foi o de, na prática, fechar a UERJ. Em uma tacada, conseguiu interromper a formação de jovens lacradores, fechar um centro de formação de Black Blocks e ainda matar de inanição seus professores criminosos. O impacto nas gerações futuras é imensurável.

“Assim, sem querer, Pezão entra para a história como o melhor governador da história recente do Rio de Janeiro. Agora é torcer para o Temer fazer o mesmo com a UFRJ.”

Evidente que nem todo liberal pensa assim. Aliás, nenhum liberal decente (poderia se dizer, nenhuma pessoa decente) quer a morte por inanição de ninguém. Nem julga todos os professores de uma instituição como criminosos. Evidente que a mentalidade do SNI passou de uma geração para a próxima: o avô queria bombardear a favela, o neto quer matar professores.

Mas por quê?

Há bons argumentos em defesa do fim da universidade gratuita? Sim. Há argumentos bons para quase tudo nesta vida. Pode-se dizer que em geral são os mais ricos que entram nas faculdades públicas, o que só duplica sua vantagem sobre os demais.

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O argumento não se sustenta, porém, diante da realidade brasileira, em que metade das vagas hoje são destinadas a alunos que vêm da rede pública, têm problemas de baixa renda e – em grande medida – servem para corrigir não apenas as desigualdades sociais (a loteria da vida), como desigualdades étnicas: finalmente o Brasil terá médicos pretos que não sejam cubanos.

O pretexto econômico para o fim da universidade gratuita, porém, encobre aquilo que Paulo Figueiredo Filho, neto de um homem igualmente truculento e sincero, admitiu. O que incomoda a muita gente é a ideia de que a universidade seria um lugar para “vagabundos” e “esquerdistas”, Um antro de doutrinação. É o que vêm pregando, por exemplo, movimentos como o MBL e assemelhados.

UFPR Litoral: alvo de protestos de “liberais”.

 

Lógico que, antes de mais nada, é bobagem. Os concursos das universidades públicas são abertos a todos. E seria uma coincidência muito grande se em todas as vagas passassem esquerdistas interessados em propagar ideologias subversivas para os alunos.

Seria necessário supor que os professores de direita ou não existem ou não têm competência para competir nos testes. Duas hipóteses absurdas. Uma terceira seria de que os concursos sejam manipulados (desde quando? dos começo dos tempos? ou já desde sempre a esquerda dominava tudo?). Todos os concursos. Em todas as universidades. E que ninguém tenha percebido ou denunciado isso seria um dos grandes mistérios da humanidade.

Choradeira

Há multiplicidade de pensamentos e ideologias nas universidades. Mas há uma grande choradeira da direita. Dia desses, ex-colegas de UFPR perguntavam quem havia se salvado da doutrinação do curso de comunicação. Lembrados de que o coordenador do curso era um antigo delator da ditadura que serviu como interventor do sindicato, mantiveram pé firme na tese da manipulação.

Questionados sobre como seria explicável esse suposto domínio, não sabiam. Um deles arriscou. “Acho que o pessoal da direita prefere o comércio, atividades práticas.”

A explicação é grosseira. Mas pode ajudar a pensar sobre o assunto. O que certos “liberais” (e aqui as aspas são para lá de necessárias) veem na universidade é um contraponto ao pensamento dominante. Dominante no mundo real, diga-se.

Questionamento

O pensamento de que a vida prática é o que vale. De que não é o caso de ficar achando pelo em ovo. De que as coisas são como são e que não é preciso ficar se incomodando com teorias. E querer que as coisas sigam assim, sem questionamento, é em si uma ideologia.

Quando se diz que se estuda muito Marx na universidade, não se percebe que se estudam muitos mais manuais de administração (de como tocar o mundo como ele é). Ou que se estuda muito mais Kant, que dita a moral convencional de nosso tempo.

Mas o que se quer é justamente evitar o incômodo de ter gente dizendo que, ei, isso tudo podia ser diferente. E a universidade existe em grande parte para isso. Para ajudar as pessoas a pensar que o mundo é assim por construção. E que nós podemos, se for o caso, mudá-lo.

E quem quer milhões de pessoas tendo acesso a esse tipo de pensamento?

Pois é.

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