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À primeira vista, Adrianópolis parece uma maquete inacabada. A cidade repleta de material de construção nas calçadas, tem as cores sincretistas de um mestre-de-obras que abandonou a empreitada por falta de pagamento. As ruas serpenteiam entre cores bruscas, algumas pichações de ares longínquos, e ventos futuros de um abrupto progresso. Cidade encravada entre serras, expõe árvores finas e altas de troncos acinzentados, como barbas velhas a olhar a imagem de si mesmas. E deste céu triste entre árvores, surgem torres das indústrias, como se uma civilização estrangeira tivesse tomado posse de pequenas geografias subterrâneas e, do topo, observassem o movimento da colônia em que cada hora parece durar o dobro.

Converso com Sidnei, 28 anos, natural de Chopinzinho, sudoeste do Paraná. Veio parar em Adrianópolis através de fenômenos estranhos da vida. Era véspera de Natal de 2006, ele e o primo voltavam da praia, quando o Corsinha tentou desviar um carro na contramão e voou o canteiro da rodovia. Seu primo morreu na hora. Sidnei foi parar num hospital, distribuído em várias fraturas, e transtornado. Fugiu. Encontraram-no. Por bem, a família resolveu mandá-lo para se tratar em Curitiba e ficar na casa de um tio, morador da Vila Zumbi.

Perna manca e braço enfaixado, à base de remédios para dores físicas e emocionais, foi abordado quando voltava da vendinha por uma moça e um recado: “Minha amiga está afim de você”. A amiga se chamava Adriana. Foi amor à primeira vista. Casaram. Mas depois de umas questões paralelas com a família da esposa, resolveram ir para Brusque. Lá, ficou seis meses sem conseguir arranjar emprego. Eis que após uma divisão de bens de sua família surgiu um jeito de fazer uma casinha em Adrianópolis. Hoje é segurança da vila mantida por uma das empresas de cimento da cidade. É uma vila de homens sozinhos.

E homens sozinhos, quando são muitos, sabe-se, são um problema. Acontece que Sidnei tem uma função ingrata: impedir que os quase duzentos homens tragam mulheres aos alojamentos, o que o leva a ser uma figura pouco admirada pelos trabalhadores. Um pouco antes de meio-dia de sábado, eles fazem uma curiosa e entendível procissão: cada um que volta à vila carrega, além de um olhar algo desenganado, no mínimo duas caixas de cerveja. “Eles bebem muito, todo dia, falam pouco e ficam nervosos com qualquer coisa”, diz Sidnei. São homens sozinhos de Goiás, Espírito Santo, Mato Grosso, interior do Paraná, uma gente que largou suas origens para colher os louros de uma nova fase desenvolvimentista da cidade, historicamente conhecida como uma das mais pobres do estado, no coração ruim do Vale do Ribeira, entre as contaminações de chumbo e a precariedade dos serviços públicos. A cidade voltou a ser rota de empresas-tentáculos, principalmente de cimento. a previsão é que até 2015 a cidade quase dobre a população que tinha em 2010.

Sidnei não detesta de todo o seu trabalho. “É tranquilo, na verdade. A única coisa que me irrita mesmo é esse  monte de árvore, que faz a gente se sentir desolado”. Enquanto fala de seu turno, ele é interrompido por Bitoca, a cadela branca da vila dos homens sozinhos, que, segundo ele, já foi bem mais magra. Bitoca é mansa, mas anda um pouco ressabiada porque um dos homens andou lhe dando uns chutes.

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