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Quais são os 51 mil brasileiros com foro privilegiado
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Julgamento de restrição ao “foro privilegiado” pelo STF coloca pressão sobre o Congresso para votar mudança na Constituição que deve atingir milhares de pessoas em todo o país
A sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) do último dia 23 – interrompida depois que 7 dos 11 ministros votaram pelo fim do foro privilegiado a deputados federais e senadores – provocou uma reação no Congresso. Um dia antes, em sinal claro à Corte máxima do país, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara já havia aprovado o prosseguimento de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 333/17) que prevê o fim do foro especial para a grande maioria das autoridades com essa prerrogativa.

A proposta de autoria do senador paranaense Alvaro Dias, caso prospere na Câmara, atingirá mais de 51 mil pessoas que hoje têm prerrogativa de foro, um instituto que dá a elas direitos diferenciados dos outros cidadãos no momento de serem julgadas por crimes comuns e de responsabilidade pela função que ocupam.

Um levantamento da Consultoria Legislativa do Senado, divulgado em abril deste ano, concluiu que 54.473 pessoas têm foro especial no país. O número real, no entanto, pode ser um pouco menor, de 51.465. A diferença se dá pelo fato de o Senado ter contato duas vezes prefeitos de alguns estados que têm foro privilegiado garantido pela Constituição Federal e por constituições estaduais.

Além das autoridades eleitas pelo voto popular, como governadores, vice-governadores, senadores, deputados e até vereadores, nessa lista entra uma ampla variedade de autoridades públicas. Entre esses “superprotegidos” estão juízes, procuradores, defensores públicos, conselheiros de tribunais de contas, secretários de estado e comandantes das Forças Armadas. Há casos em alguns estados que até diretores-presidentes de entidades da administração indireta e advogado-geral estão protegidos.

Nos bastidores da Câmara, cresce a pressão de deputados envolvidos na Lava Jato por mudanças no texto. Uma alteração forçaria a proposta voltar ao Senado, onde já foi aprovada.

O que muda

O teor da decisão de 7 ministros do STF, no julgamento do último dia 23, é bem mais amena do que a proposta de mudança constitucional já aprovada no Senado. A maioria dos ministros do Supremo votou por limitar o alcance do foro privilegiado apenas a deputados federais e senadores enquanto que a PEC 333/17 altera 6 artigos da Constituição Federal, os quais estabelecem, direta ou indiretamente, o foro especial para autoridades de diversos setores do poder público.

Pela proposta votada pelos senadores, em casos de crimes comuns as únicas autoridades a terem a prerrogativa de julgamento pelo STF seriam o presidente da República, o vice-presidente da República, o presidente da Câmara dos Deputados, o presidente do Senado e o próprio presidente do Supremo.

Nos casos de crimes de responsabilidade – aqueles relacionados à função – permaneceriam com foro na mais alta Corte os ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.

A PEC acaba ainda com a prerrogativa dos governadores dos estados e do Distrito Federal de serem julgados somente Superior Tribunal de Justiça (STJ), proíbe os estados de estabelecerem nas constituições estaduais foro especial para crimes comuns e revoga o inciso X do artigo 29 da Constituição Federal, que garante aos prefeitos o direito de serem julgados somente pelo Tribunal de Justiça.

Por fim, revoga o texto da Constituição Federal que mais preocupa os deputados envolvidos na Lava Jato: o parágrafo 1º do artigo 53. Com isso, senadores e deputados federais perdem a prerrogativa de serem processados somente pelo STF.

 

“A Câmara tem agora a oportunidade de sair à frente do Supremo. O Congresso perde a oportunidade de afirmação quando abre mão de sua competência de legislar.”
Alvaro Dias (PODE), senador.

“A questão do foro vem sendo debatida há algum tempo. Há um debate com a sociedade, no Judiciário, no Congresso. O julgamento do STF não atropelou e sim serviu para que a corte sinalizasse o seu entendimento.”
Marcelo Proença, coordenador da Escola de Direito de Brasília, do Instituto Brasiliense de Direito Público.

Nova disputa STF x Congresso

As mudanças nas regras do foro privilegiado vêm sendo debatidas no Congresso Nacional há mais de uma década. Mas as propostas apresentadas desde 2005 enfrentaram resistência de congressistas pelo fato de atingir eles próprios. Agora, com o julgamento do STF no último dia 23, em que a maioria votou pelo fim do foro a deputados federais e senadores, a Câmara se viu forçada a tomar uma decisão sobre a PEC 333/17, já aprovada no Senado.

Para o senador Alvaro Dias (PODE), autor da proposta, a Câmara é que deu espaço para que o Supremo avançasse e invadisse a competência do Congresso. “A Câmara tem agora a oportunidade de sair à frente do Supremo. O Congresso perde a oportunidade de afirmação quando abre mão de sua competência de legislar”, afirma.

“A maioria dos países não tem foro especial para ninguém, inclusive os Estados Unidos. Todos devem responder na Justiça sem nenhum tipo de privilégio.”
Rubens Bueno (PPS), deputado federal.

“Temos problema estrutural do STF. Não existe exemplo de tribunal constitucional que tem que julgar milhares de ações criminais.”
Estefânia Barboza, professora de Direito Público e Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O senador diz ainda que a proposta do STF não acaba com o foro privilegiado. “O Supremo está discutindo atenuantes, uma limitação insuficiente. Se quisermos acabar com o foro temos de aprovar a proposta que está na Câmara”, defende.

O deputado Rubens Bueno (PPS) vai na mesma linha, mas diz que a PEC aprovada no Senado ainda permite algum privilégio. “Eu apresentei uma PEC em 2012, portanto antes da proposta do Alvaro Dias, que acabava com o foro para todos, sem distinção de cargo. Como havia outras propostas deste 2005, a minha foi apensada às mais antigas. Eu vinha cobrando a votação pela Câmara, mas não saiu. Nesse período o Senado aprovou outra proposta e mandou para a Câmara, e as propostas da Casa foram apensadas a essa do Senado”, explica.

Bueno defende que o fim do foro para todos é a melhor medida. “A maioria dos países não tem foro especial para ninguém, inclusive os Estados Unidos. Todos devem responder na Justiça sem nenhum tipo de privilégio de função”, argumenta.

Falta de estrutura

Em grande parte de especialistas, há consenso de que o STF não tem estrutura para ser uma corte constitucional e ao mesmo tempo julgar crimes comuns, como vêm ocorrendo hoje. Há também quem aponte uma disfunção do Supremo.

“Praticamente não existe no mundo um tribunal constitucional encarregado de julgar milhares de ações criminais”, diz a professora de Direito Público e Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Estefânia Barbosa. Para a professora, o problema estrutural do STF é claro, com seis a oito mil ações por ano.

Estefânia Barbosa também alerta para o que ela considera “perigoso”, que são as decisões casuísticas sobre questões estruturais do país. “É preciso um entendimento amplo para evitar que, em vez de resolver, se crie novos problemas”, observa.

O professor Marcelo Proença, coordenador da Escola de Direito de Brasília, do Instituto Brasiliense de Direito Público, considera que o pedido de vista feito pelo ministro Dias Toffoli, do STF, permitirá à Câmara dar uma resposta à sociedade. Ele concorda que o Congresso é o melhor fórum para tratar desse tema, mas não vê atropelo com a decisão do Supremo. “A questão do foro vem sendo debatida há algum tempo. Há um debate com a sociedade, no Judiciário, no Congresso. O tema ganhou uma conotação política e o Supremo tenta funcionar como uma espécie de emulador de discussões públicas que se tornam necessárias. O julgamento o STF serviu para que a Corte firmasse o seu entendimento da matéria e sinalizasse para o Congresso de que é hora de decidir”, diz.

Aguardar a Câmara

Para a professora Estefânia, o melhor neste momento é o STF aguardar a decisão da Câmara. “Quem tem competência para mudar a Constituição é o Congresso. Há uma pressa do Supremo para se livrar dos processos, mas é preciso ter paciência. Numa República não se deve admitir privilégios, mas a decisão de mudança do foro deve partir do Congresso”, defende.

O professor Marcelo Proença entende que a regra em discussão no Congresso, já aprovada no Senado, é mais clara e atinge muito mais autoridades. “É preciso haver um entendimento entre as duas instituições. O STF tem a competência para interpretar a Constituição, mas o Congresso é o melhor fórum para decidir sobre esse tema.”

“Mesmo que o Supremo decida, caso o Congresso vote a PEC, vai prevalecer a decisão Legislativo”, sentencia Rubens Bueno.

As origens do foro

A prerrogativa de foro surgiu na Constituição do Império do Brasil em 1824. A regra garantia o foro privilegiado à família imperial e diversos cargos do Estado. Com a proclamação da República em 1889, surge uma nova Constituição (1891), o qual abrangeu ainda mais o foro privilegiado. Na Constituição de 1937 ficou disposto que os privilegiados seriam julgados por uma comissão criada pelo Presidente da República, algo parecido com o Supremo Tribunal Federal. Finalmente, na Constituição de 1988 o tema se consolidou e ganhou novas proporções, abrangendo posteriormente um grande número de autoridades.

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