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Cartaz com os "mandamentos" do programa Escola sem Partido em sala de aula  da Escola Anibal Israel Liutti, em Santa Cruz do Monte Castelo. Foto cedida por professores.
Cartaz com os "mandamentos" do programa Escola sem Partido em sala de aula da Escola Anibal Israel Liutti, em Santa Cruz do Monte Castelo. Foto cedida por professores.| Foto:
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Cartaz com os “mandamentos” do programa Escola sem Partido em sala de aula da Escola Anibal Israel Liutti, em Santa Cruz do Monte Castelo. Foto cedida por professores.

Desde o início do ano passado, as quatro escolas municipais de Santa Cruz do Monte Castelo – cidade paranaense de 8 mil habitantes próxima à divisa com Mato Grosso do Sul – estão se adaptando para cumprir uma lei aprovada pela Câmara de Vereadores que estabelece o programa “Escola sem Partido”.

As salas de aula das escolas, onde estudam crianças das séries iniciais do ensino fundamental e também da educação infantil, foram tomadas por cartazes com mensagens do programa. “O professor não pode se aproveitar dos alunos para promover seus próprios interesses ou preferências ideológicas, religiosas, políticas e partidárias”, diz uma das mensagens.

A lei municipal tornou Santa Cruz do Monte Castelo na primeira e única cidade do país em que o programa virou realidade.

Alguns professores consideram o projeto ruim para o processo educacional e acusam impedimento à liberdade de expressão. Mas há quem defenda a lei municipal. A coordenadora Renata Ortiz Garcia Fernandes, da Escola Anibal Israel Liutti, diz que não houve reclamação de pais e professores relacionada à implantação do programa. “Foi bem aceito. Deveria ser aprovada lei semelhante em outras cidades”, defende Renata.

Cartazes foram espalhados por todas as escolas.

Cartazes foram espalhados por todas as escolas.

Quem está contra o programa teme represálias caso se manifeste. Rita Soares [o nome foi trocado a pedido dela para manter o anonimato], há oito anos na rede municipal, decidiu falar à DW Brasil. Rita descreveu o projeto como absurdo. “Trabalho tentando fazer a diferença e provocar mudanças. A gestão democrática no município é quase impossível. Os professores estão desmotivados. Estão nos passando orientações sobre o programa, mas não sabemos o que vai acontecer. Queremos batalhar e mudar essa situação”, disse.

A secretária de Educação do município, Valdevina da Cunha Guerreiro, afirma que sua pasta está cumprindo a lei. “O programa está caminhando devagarinho. Colocamos os cartazes nas escolas, como determina a lei, mas ainda não tivemos condições de agendar cursos para professores e alunos”, acrescenta.

Nas quatro escolas municipais – duas na cidade e as outras duas nos distritos de Santa Esmeralda e Ivaína – estão matriculados atualmente cerca de 700 alunos do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental. “São crianças ainda, não desenvolveram a criticidade. Por isso, acho que o programa não teve grande impacto”, observa Valdevina.

Para a secretária, se fossem em escolas do ensino médio é possível que haveria grande impacto.

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Professores e estudantes acusam projeto de atentar contra a pluralidade, diversidade e liberdade de expressão

Estudantes e professores durante o lançamento da Frente Nacional contra o projeto Escola sem Partido, no Rio. Foto cedida pelos organizadores.

Estudantes e professores durante o lançamento da Frente Nacional contra o projeto Escola sem Partido, no Rio. Foto cedida pelos organizadores.

Entidades representantes de professores e de estudantes, como a APP-Sindicato dos Professores do Paraná e União Nacional dos Estudantes (UNE), chamam o programa Escola sem Partido de “lei da mordaça”.

Para essas entidades, ao impor um controle sobre o conteúdo ensinado pelos professores, o projeto fere “mortalmente” o estado democrático de direitos, com o fim da pluralidade de ideias, a diversidade e a liberdade de expressão.

No dia 13 de julho deste ano foi lançada no Rio de Janeiro a Frente Nacional contra o Projeto “Escola Sem Partido”, com a presença de estudantes, professores e trabalhadores da educação.

A Frente reúne diversas entidades da sociedade civil, entre elas, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), União Nacional dos Estudantes (UNE), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE).

Para Elson Simões de Paiva, da direção da CNTE, “defender a escola sem partido é defender a escola com apenas um partido. Partido daqueles que são contra uma educação laica”. “Somos a favor da pluralidade de ideias e da liberdade de expressão e pensamento”, diz.

A Frente acusa os defensores do projeto de buscar uma educação obscurantista, que veta temas como sexualidade, religião e política nas escolas, e tentar calar a voz e o pensamento crítico dos professores em sala de aula, instituindo o patrulhamento ideológico, o cerceamento ao livre exercício profissional dos trabalhadores em educação.

A Frente denuncia ainda a “tentativa clara” de acabar com o direito de liberdade ao trabalho e de afrontar os direitos humanos.

O presidente da APP-Sindicato dos Professores do Paraná, Hermes Silva Leão, diz que “a própria ideia de uma escola sem partido já é carregada de ideologia”. “Não há como imaginar uma escola que não ensine a analisar criticamente os fatos históricos por exemplo, uma escola que não ensine a pensar”, contesta.

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Idealizadores do programa denunciam “doutrinação ideológica” nas escolas

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Os “mandamentos” do programa Escola sem Partido.

O movimento “Escola sem Partido” foi criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib. Além de proposta em tramitação no Congresso, o programa tem projetos em discussão em vários estados e municípios do país.

O projeto de lei federal em tramitação no Congresso visa incluir os pontos do “Escola sem Partido” na Lei de Bases e Diretrizes da Educação Nacional (LBD) e prevê punição a professores que não seguirem o que determina o projeto.

Os idealizadores do programa dizem que “a doutrinação política e ideológica em sala de aula ofende a liberdade de consciência do estudante e afronta o princípio da neutralidade política e ideológica do Estado”.

Também defendem que “a exposição, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais dos estudantes ou de seus pais, viola o artigo 12 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, segundo o qual os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”

Nagib aponta uma série de justificativas para o projeto. Uma delas é baseada em uma pesquisa da CNT/Sensus e publicada pela revista Veja. “A imensa maioria dos professores (78%) acredita que a principal missão da escola é despertar a consciência crítica dos alunos”, diz o idealizador da proposta ao enfatizar que esse é um fato grave. “É grave porque esse ‘despertar da consciência crítica’ consiste sempre na mesma coisa: martelar ideias de esquerda na cabeça dos alunos”, acrescenta.

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Ex-ministro da Educação diz que projeto desvia a atenção dos problemas da educação no país

Professor e ex-ministro Renato Janine Ribeiro. Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Professor e ex-ministro Renato Janine Ribeiro. Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

O professor de Filosofia da Universidade de São Paulo e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, publicou um texto nas redes sociais em que critica a proposta do “Escola sem Partido”.

“Um princípio do Escola sem Partido é que não se poderá ensinar nada que enfrente os valores da família do aluno. Quer dizer, se o pai ou mãe for machista, racista – de forma indireta que seja – a escola não poderá ensinar a Declaração dos Direitos do Homem?, questiona o ex-ministro da Educação.

Para Janine, é lamentável que, atualmente, o debate público sobre educação esteja sendo dominado pelo assunto, em um contexto no qual há inúmeras prioridades que não estão sendo visibilizadas.

“O pior do programa ‘escola sem partido’ é que desvia a atenção das questões realmente educacionais – e educativas! Desvia a atenção de nossas falhas na alfabetização, só para começar. Em 2015 divulguei nossos dados: 22% das crianças não sabem ler direito ao fim do 3.º ano (na rede pública), 35% não sabem escrever, 57% fazer as operações matemáticas. Em vez de valorizar a alfabetização e tanta coisa mais, querem criminalizar o ensino”, observa Janine.

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