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Feitiço do Tempo e a rotina nossa de cada dia
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Um tempo atrás publiquei aqui no blog a lista dos 10 melhores filmes listados pela Revista Superinteressante, em uma edição especial da revista de julho de 2013. Em primeiro lugar aparecia a comédia Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993), dirigida por Harold Ramis e protagonizada por Bill Murray. A escolha me intrigou e cheguei a desmerecer a lista — e o filme. Leitores do blog, por outro lado, partiram quase em unanimidade em defesa da comédia, escolhida pela Super porque “pode mudar a sua vida”.

Bill Murray: o ator perfeito para a história que é considerada a melhor comédia da década de 1990.

Bill Murray: o ator perfeito para a história que é considerada a melhor comédia da década de 1990. (Foto: Divulgação)

Pois é. A memória nos prega peças mesmo. Nos últimos dias de ausência forçada do blog, revi Feitiço do Tempo e cheguei à conclusão de que nunca tinha visto o filme em sua plenitude, com a atenção que ele merece. Continuo achando que, independente de critérios, a obra nunca estaria em primeiro lugar em uma lista. Mas reconheço que há ali, entre as caras e bocas de Bill Murray, uma lição difícil de deixar passar em branco. Feitiço do Tempo pode não mudar a sua vida. Mas ao menos fará com que você olhe seus dias de uma maneira diferente.

O filme sem dúvida é a maior herança deixada por Harold Ramis, o eterno caça-fantasmas, que nos deixou dia 24 de fevereiro, aos 69 anos. Ramis tem em seu currículo uma prolífica carreira como ator, diretor, produtor e roteirista — é dele a direção também das divertidas comédias Mafiã no Divã (Analyze This, 1999) e Férias Frustradas (Vacation, 1983). Não por acaso, conquistou um prêmio Bafta de melhor roteiro original por Feitiço do Tempo, que dividiu com o co-roteirista Danny Rubin.

Roteiro este que é, ao mesmo tempo, singelo e fantástico (na concepção mais literal do termo). Bill Murray vive Phil Connors, um arrogante e egocêntrico repórter de previsão do tempo que, ao ir cobrir um tradicional evento em uma pequena cidade repleta de “capiras” (palavras dele), acaba ficando “preso” no tempo. Assim, ele passa a reviver o mesmo dia várias e várias vezes, sempre que acorda. E justamente um dia que ele havia se proposto a passar a contragosto. Lá está ele, num eterno déjà vu, sem que possa fazer nada a respeito para sair desse “looping temporal”.

E se você fosse obrigado a conviver com as mesmas

E se você fosse obrigado a conviver com as mesmas “figuras” dia após dia? (Foto: Divulgação)

Como algo deste tipo pode acontecer?  A prisão no tempo é resultado de alguma ação de Phil ou a cidade possui uma aura mágica que interfere em seus visitantes? Há uma explicação científica ou mesmo sobrenatural pra isso? Esqueça. O roteiro de Ramis e Rubin não está preocupado com essas questões. Afinal, não se trata de um filme de ficção científica, mas de uma comédia. Nunca saberemos o que de fato aconteceu para que Phil fosse obrigado a reviver o mesmo dia centenas de vezes. Não há nem sequer uma suposição para o que deflagrou a prisão temporal e o que fez com que ela, de repente, cessasse (a esta altura, acho que o desfecho do filme não é spoiler, certo?).

A trama está mais preocupada é em mostrar as diferentes e inusitadas reações de Phil a essa situação — e é aí que Feitiço do Tempo se torna tão divertido e tão ilustrativo como fábula, com direito a uma lição de moral explícita. Em um primeiro momento, Phil se desespera. Porém, logo lhe cai a ficha e ele percebe que pode tirar proveito disso tudo — afinal, por mais absurdas que sejam suas atitudes, não haverá consequências, já que tudo será relegado ao esquecimento na manhã seguinte. Ele leva a sério a famosa pergunta: “e se você descobrisse que o dia de hoje seria o seu último na Terra?”. Com o diferencial, claro, que ele terá várias maneiras diferentes de responder.

O problema é que, com o passar dos (mesmos) dias, nem isso se prova o suficiente para satisfazer Phil e trazer um pouco de sentido à sua vida. Seja pela falta de opções ou por um sentimento até então escondido, ele passa a dirigir sua atenção à doce e bela produtora de TV Rita, vivida por Andie MacDowell, que o acompanha na reportagem do Dia da Marmota (o título original do filme). Phil aproveita a repetição dos dias para descobrir as preferências e anseios de Rita e, assim, conquistá-la. Decora versos inteiros de poesia francesa, fala o que ela quer ouvir, usa as demais pessoas e ambientes da cidade a seu favor. Ele tem apenas um dia para fazê-la mudar de ideia a seu respeito e, ao fim, levá-la pra cama.

Dupla afinada: Bill Murray e Andie MacDowell redescobrem sentimentos ao longo de um único dia.

Dupla afinada: Bill Murray e Andie MacDowell redescobrem sentimentos ao longo de um único dia. (Foto: Divulgação)

Funciona? Quase.  Phil descobre — assim como nós, espectadores de suas desventuras — que nem o mais esperto estrategista ou planejador consegue controlar tudo que acontece à sua volta, ainda mais quando estamos falando de seres humanos. Quantos de nós muitas vezes não forçamos a barra ou fizemos planos para tentar viver um dia perfeito? Podemos até fazer nossa parte, mas, queira ou não, momentos mágicos acontecem assim mesmo — quase por mágica. Você pode até preparar uma surpresa e um jantar especial para sua esposa. Mas será a reação e expectativa dela que completarão o pacote.

Essa constatação causa uma transformação profunda em Phil. De sujeito patético, materialista e amargo, ele passa a ser um perfeito altruísta, um homem simpático e disposto. Ao invés de tentar tirar proveito próprio de sua insólita situação, a utiliza para satisfazer as pessoas a seu redor, inclusive salvando a vida de algumas. Ele, enfim, acha uma motivação nobre para viver este “último dia” que se repete. Não importa se, na manhã seguinte, nada daquilo terá feito diferença. Ao menos por algumas horas, ele terá feito alguém feliz ou, ao menos, livrado essa pessoa de uma encrenca. Sem que receba qualquer recompensa a médio ou longo prazo por isso.

Essa é a mais importante lição que Feitiço do Tempo nos deixa e que esquecemos com facilidade na correria do dia a dia. Não importa quão bem-sucedido você seja ou quanto rale para vencer na vida. Uma boa e necessária maneira de ser feliz e estar bem é se dedicar a quem está ao seu lado — seja seu marido, namorada, colega de trabalho ou um estranho na rua — sem que você esteja buscando algo em troca. Acredite, um simpático “bom dia” no elevador já faz diferença. Um elogio ao trabalho que o colega desempenhou, mesmo sendo a obrigação dele, também. Se você será bem visto e amado por essas pessoas já é outra história. O altruísmo não deve ser um meio, mas um fim.

Piegas? Que seja. Mas não custa tentar — a menos que você queira que seu dia seja igual ao anterior a cada vez que acordar pela manhã.

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