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Os cinco mitos sobre a música contemporânea
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Reprodução/Internet
Boulez: o “mestre do portão rangente”?

Tem muita gente com preconceito contra a música contemporânea. Fica parecendo que fazer música clássica (ou coo prefiram chamar) hoje em dia é coisa de quem não entende o mundo em que vive. Como se fosse alguém que prefere fiar em rocas do que comprar roupa no shopping, sei lá.

Mas não é nada disso. A música contemporânea é tão boa quanto qualquer outra. E achei no Guardian um texto do Tom Service sobre isso muito bacana. Então, como ele tem muito mais a dizer do que eu, simplesmente traduzi o textinho e pus aí. Se alguém quiser comentar, fico feliz!

1. Tudo soa como um portão rangendo
Há dois lados nisso. Primeiro, há o simples fato de que muito da música que está sendo escrita agora por compositores para corais, casas de ópera e orquestras tem tantas melodias, ou mais, do que qualquer coisa de Beethoven ou Mozart. Para harmonias fantasiosas, sensuais, ouça músicas recentes de John Tavener ou Arvo Pärt; para um trabalho abundante de pureza melódica, não é preciso ir mais longe do que encontrar os mestres da vocalidade festiva e suntuosa que são Paul Mealor, Eric Whitacre e John Rutter. Mas nada disso é o que os críticos poderiam acusar de “portão rangendo”. Eles estão pensando no tipo de música em que o maestro Thomas Beecham uma vez disse que poderia “pisar”: a vanguarda de Karlheinz Stockhausen, Pierre Boulez, Luigi Nono ou Brian Ferneyhough. Uma das melhores respostas para esse tipo de ataque vem de “unherd” [um leitor do blog de Tom Service] no meu blog de música clássica: “Ó rangido feio do portão pode na verdade ser uma experiência fantástica se você não tiver medo disso.” Você está certo, unherd. Como sempre, medo, ou pré-concepções, levam ao lado escuro. Primeiro, uma das realizações significativas na mudança de cultura feita pela música contemporânea é que ela abre a sua mente e os seus ouvidos para re-ouvir o mundo, para perceber que a beleza que está em torno de nós em sons que, de outra maneira, nós chamaríamos de barulhos. Essa é parte da genialidade de John Cage ou de Helmut Lachenmann, uma maneira em que o mundo se torna um lugar diferente quando você escuta a música deles. Mas há algo mais: o impacto visceral de música como o Jonchaies de Iannis Xenaki, o Gruppen de Stockhausen para três grupos de orquestra ou o Coro de Luciano Berio é diferente de tudo que a música fez antes. Essa música abre reservatórios imensos de sentimentos e de fisicalidade. Ouça qualquer um, e tenha os seus portões rangentes abertos.

2. É inacessível
Bobagem. Volte algumas décadas. Olhe de novo a miscelânea de ícones culturais na capa do Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Quem é aquele atrevido extravagante na fila de trás, cujos grandes olhos castanhos espiam entre Lenny Bruce e W. C. Fields? É o compositor mais avançado da vanguarda dos anos 1960, Stockhausen. Uma mostra de coincidente Beatlemania? Nem um pouco. Sem os sonhos e experimentos eletrônicos de Stockhausen na década anterior, e seu pioneiro exemplo de como você pode usar o próprio estúdio como um instrumento musical, os Beatles estariam atolados na pré-história musical, e a imaginação de Lennon e McCartney – e a sua – seriam infinitamente mais pobres. Indo adiante na cultura pop, nos anos 1970 e 80, as bandas “redescobriram” os loops com fitas, a complexidade das frases e dos ritmos. Mas isso se deve apenas a Steve Reich, Philip Glass e os minimalistas terem chegado lá uma década antes. Sampleamento? De novo, é à vanguarda que você tem de agradecer, a todos, desde os pioneiros da musique-concète com base em fitas até Alvin Lucier e mais além. Atualização estrondosa: quem é o compositor favorito de Björk? Mais uma vez, Stockhausen. Brian Eno não estaria em lugar algum se não fossem Erik Satie e Cornelius Cardew. Stephen Sondheim deve tudo – bem, uma grande parte – a lições com o serialista Milton Babbit, de Princeton, e nem me deixe começar falar do caso de amor de Jonny Greenwood com Krzysztof Penderecki. Sem a vanguarda “clássica”, a música pop simplesmente não poderia e não seria a mesma.

3. Você tem que usar barba e uma camisa de gola olímpica para gostar disso
Essa é uma das coisas que realmente afastam os ouvintes, a ideia de que para entender Harrison Birtwistle ou Judith Wier, Pauline Oliveros ou Howard Skempton você precisa ter um conhecimento prático, e de preferência um PhD, em história da música desde o cantochão até Prokofiev, e/ou você precisa ser parte de um clube de tietes de música contemporânea. Nada disso, eu prometo, é verdade. Há uma história contada por Gillian Moores, dirige a parte de música clássica no Southbank Centre de Londres e que estabeleceu o trabalho pioneiro de educação da London Sifonietta no início dos anos 80. Um dos primeiros projetos apresentou um programa de Ravel e do visionário e fã de barulhos do início do século 20 Edgar Varèse para grupos de crianças de escolas. Para muitos, a música de Ravel é sensual, sedutora, “fácil”, enquanto as sirenes, percussões e o modernismo atávico de Varèse fazem a sua música mais do que pálida, dissonante e “difícil”,. O que aconteceu foi justamente o contrário: as crianças amaram Varèse e não conseguiam gostar de Ravel. Mas isso faz todo o sentido. Uma parte grande da música radical dos últimos 100 anos ultrapassa o mundo da convenção e do intelecto para ir direto às vísceras do poder do som, e para sacudir o seu plexo solar. Existe um bom argumento de que quanto menos você conheça de Mozart ou Schubert, mais você possa entender os sons que os compositores criam hoje.

4. É irrelevante
Uma formulação simples que resume um lugar comum infeliz: a sensação de que essa música não tem nada a dizer para o mundo de hoje. Como já foi dito muitos dos sons que nós pensamos que mais definem o nosso mundo hoje na música pop têm a vanguarda no seu DNA, mas há mais. Existe algumas vezes uma impressão de que compositores que escrevem música que levam os músicos a seus extremos não estão fazendo nada mais do que brincando à toa com notas sem sentido num devaneio solipsista e autoindulgente. Bem, não há nada errado com a beleza, e a beleza extrema, ganha a duras penas, de ouvir um grupo de grandes músicos ou uma orquestra nos limites do que eles podem fazer. Mas a música contemporânea tem coisas a dizer, se nós tivermos ouvidos para escutar. E graças a gerações de compositores recentes, a música contemporânea tentou mudar o mundo. Não ouviu falar de Cornelius Cardew? Dê uma ouvida. Toda a sua música foi composta com consciência política e social em seu coração. E de maneiras diferentes, isso ainda está acontecendo. John Adams não consegue resistir aos grandes temas de hoje – política, terrorismo e extremismo religioso. Compositores mais jovens estão formando coletivos que dissolvem as fronteiras perniciosas entre gêneros e instituições, criando obras que falam para novas audiências de maneira direta e poderosa – e relevante.

5. Ela é escrita para músicos clássicos então deve ser “velha”
Ah, sim, aí está o problema. Para alguns, a própria visão de, digamos, uma orquestra, um quarteto de cordas ou a ideia de uma casa de ópera automaticamente dá uma ilusão de “herança” mais do que de “cultura contemporânea”. A consequência é que essas instituições ou formatos não podem ter nada com que contribuir para o pensamento musical, que as ideias musicais com que compositores no passado sonharam no passado em suas obras orquestrais, quartetos e óperas, preenchjeram o repertório, e nossas imaginações, até o topo. Tente dizer isso a Jonathan Harvey, cuja expansão da orquestra para o reino da eletrônica faz música que é definitivamente contemporânea e incomensuravelmente atemporal, ou para Thomas Adès, cuja escrita cria visões de possibilidade musical que são novas para hoje, ou para qualquer tempo. Uma peça que Adès compôs em 1999, na véspera do novo milênio, simboliza os novos sentidos que a música de grande escala pode ter. “América: uma profecia” é uma visão e um alerta sobre os fins do império. A música de Adès não poderia falar de maneira mais ardente ou destemida sobre a verdade essencial sobre o modo como padrões históricos se repetem, e como nós ignoramos os alertas de civilizações antigas sobre o nosso perigo. Não deixe a aparência da casa de ópera ou a sala de concerto te atrapalhar. Essa música está falando conosco agora: tudo de que você precisa é de uma mente aberta e de ouvidos abertos.

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