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Suzana Piazza (www.facebook.com/suzanapiazza/)
Suzana Piazza (www.facebook.com/suzanapiazza/)| Foto:

Para todas as mães que têm me mandado cartas/mensagens/comentários/telegramas/sinais de fumaça dizendo que se sentem incompreendidas, para aquelas que se sentem assim (sempre ou às vezes) sem se manifestar e para aqueles que desejam simplesmente entender melhor como funciona a mente de uma mãe de autista, espero que esse texto de alguma forma possa ajudar.

 

Certos momentos eu paro no silêncio e mesmo assim consigo escutar as opiniões de tudo e todos. “Você não acha que se fizer isso…? E talvez se fizer aquilo?”. As pessoas à minha volta parecem ter um julgamento muito claro de tudo que eu tenho que fazer para que minha filha autista tenha as melhores condições do mundo em se desenvolver. É como se todo mundo soubesse a melhor maneira de eu ser eu mesma, embora eu saiba que ninguém realmente sabe o que é estar no meu lugar.

Aparentemente é algo evidente o que tenho que fazer quando se está fora da obrigação de ser eu. Analisar de dentro é outra história! Ser mãe de uma criança autista é algo incrível, mas, sem dúvida, traz a responsabilidade de mil decisões por minuto. E não se tratam apenas das decisões que dizem respeito ao que fazer quando entra em estereotipia, ecolalia, crise de raiva. O que as pessoas parecem não alcançar em seu raciocínio é que não se tratam apenas das decisões de estar e enquanto estamos com nossos filhos, nem ao menos se tratam apenas das decisões referentes ao tratamento.

O que parece intangível ao pensamento alheio é que tudo, absolutamente tudo que decidimos está conectado a nossos filhos. Trabalhar ou se dedicar integralmente à criança? Por um lado, a necessidade da atenção mais direcionada possível, por outro, a necessidade de tentar garantir a melhor condição financeira para o futuro, diante da nebulosidade de qual nível de independência o autista alcançará no futuro. Almoçar ou aproveitar o horário do almoço para fazer algo útil? Bom… Eu tenho que ficar saudável para acompanhar minha pequena, mas, por outro lado, se eu usar o horário do almoço para fazer algo útil, poderei dedicar mais tempo a minha pequena no período da noite.

Coisas para fazer do trabalho ou mesmo tarefas domésticas… Será que faço tudo de uma vez e fico mais ausente por um ou dois dias, ou será que faço um pouquinho por dia? Mas, se eu fizer um pouquinho por dia, não vou poder dar a atenção da maneira que eu gostaria, por outro lado, ficar mais ausente um período pode ter reflexos graves para a criança pela quebra abrupta de rotina. Sentar para brincar com meu filho ou supervisionar a brincadeira? Será bem mais legal se eu sentar para brincar, mas estou tão cansada que não sei se eu consigo fazer uma brincadeira de qualidade.

Dieta biomédica ou alimentação comum? Por um lado, a dieta biomédica tem sido aclamada como um fator de melhora, por outro, é de morrer de dó que a criança que já tem tantas dificuldades ainda fique sujeita a uma restrição alimentar. Preciso fazer um exercício físico para ter mais fôlego para acompanhar minha filha, por outro lado, isso exige que eu passe um tempo fora de casa (tempo esse que sequer sei se disponho).

Se um dia eu dormi até mais tarde, parte de mim fica aliviada, pois eu sabia que meu corpo não estava mais conseguindo dar conta do ritmo, por outro, fico culpada, pois não estive com minha filha pela manhã. Acho que preciso às vezes ir a um cinema ou dar uma volta, mas nunca acho um tempo em que eu fique confortável com essas coisas. Tomo banho antes do jantar, conseguindo estar pronta para dormir mais cedo ou será que aproveito para cansá-la bastante para que ela durma cedo?

O que eu faço? Geralmente não sei o que é melhor, mas não me é dada outra opção a não ser escolher. Para essa escolha, coleto todas as informações que possuo. Assim, quando chega alguém dando outra opção, dizendo que estou errada ou que há uma forma melhor de ser feito, eu geralmente acho as ponderações tão bobas, porque essas pessoas não estão levando nem 50% dos fatores que passaram na minha cabeça para eu tomar a mais simples decisão.

Estamos sempre conectadas, decidindo, pensando, refletindo, ponderando. Nosso silêncio nunca é silencioso e não há lacunas no nosso tempo. Somos impelidas a pensar de forma contínua e lógica, ao mesmo tempo sem esquecer o coração. Quando as pessoas vêm dar opiniões, às vezes eu me sinto como Dorothy, de “O Mágico de Oz”: algumas são opiniões de espantalho, outras opiniões de homem de lata, e ainda há as opiniões de leão – opiniões que deixam de lado ou o cérebro, ou o coração, ou a coragem. É como se ninguém percebesse que existe um bilhão de “poréns” e porquês dentro de mim.

Embora eu pense tanto para tomar as decisões, sou apenas humana e, portanto, às vezes vou errar. E, quando eu errar, os seus “quem sabe faz assim”, “se tivesse feito assado”, definitivamente não vão me parecer construtivos, mas serão apenas alimentos para uma culpa que não se aliena diante de uma expectativa própria de ser uma mãe perfeita que sei que jamais serei.

Nós, mães de crianças autistas, estamos dando nosso máximo para ser melhor que nós mesmas e, portanto, precisamos de acolhimento. Então, se você é conhecido, amigo, familiar ou terapeuta do filho de uma mãe autista, antes de tentar dar uma crítica hipoteticamente construtiva, procure nos dar compreensão. Somos apenas seres humanos tentando ser super-heróis mesmo sem a presença de superpoderes. Somos uma conexão entre cérebro e coração, presas em dilemas simples investidos de complexidade e dilemas complexos investidos de simplicidade. Somos a esperança viva que tudo vai dar certo e a incerteza pungente. Somos melhores do que aquilo que imaginamos que seríamos, mas pior do que queríamos ser.

Somos cansadas e animadas. Confusas e encontradas. Somos o choro alegre e o sorriso triste. Somos olhos atentos, e implacáveis. Somos a luta incansável contra nosso cansaço, a montanha russa de sentimentos, na estabilidade perene da raiz de uma grande árvore plantada na certeza que estamos aqui para tudo, para sempre, enquanto existir capacidade de respirar. E, por tudo isso, somos apenas humanas e falíveis, satisfeitas e frustradas em nossa capacidade de escolher, falhar, mas certas de nossa capacidade de amar.

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