• Carregando...
Suzana Piazza (www.facebook.com/suzanapiazza/)
Suzana Piazza (www.facebook.com/suzanapiazza/)| Foto:
Reginaldo Schwarzler Blodom

Mãe (Hanna) e filha (Gabriela).

Numa sala a palavra “autista” ecoa enquanto, catártica, tento computar o sentido do que está sendo dito. Eu não conseguia me sentir inserida em lugar nenhum do tempo ou espaço. Tudo parecia em câmera lenta, mas, ao mesmo tempo, aquela consulta com o médico mudava minha vida em uma velocidade que eu não sabia se seria capaz de acompanhar. Foi mais ou menos assim que me senti no momento em que minha filha foi diagnosticada. Bom… É de se ressaltar o “mais ou menos”, afinal tento aqui passar em palavras o que é indescritível. Não há o que expressem os sentimentos de um pai ou mãe que recebe um diagnóstico de autismo de seu filho (no meu caso, filha).

Tristeza? Não posso dizer que não senti em alguns momentos, mas definitivamente esse não é o sentimento mais marcante da minha relação com o diagnóstico de minha filha. Acho que a sensação inicial é de insegurança. Insegurança por não ter certeza do que ser autista significa, que limitações isso irá impor, quais dificuldades essa luta trará.

O autismo é invisível. Não há uma marca no corpo, não há uma característica e em geral não há nenhum exame em que ele possa ser visto (embora os estudos genéticos estejam mudando isso aos poucos). E é por ser uma patologia INVISÍVEL que, como mãe, me senti profundamente confusa. Será que esse tal de autismo realmente existia em minha filha? Acho que a questão que pesa não é aceitar que a criança é autista, mas sim aceitar essa invisibilidade da doença.

Assim, minha primeira reação foi procurar os tratamentos enquanto interna e silenciosamente eu procurava negar para mim mesma o diagnóstico. Pensava:“é um erro médico”, “logo vamos ver que era apenas um pequeno atraso de desenvolvimento ou algo assim”. Demorou um pouco para eu parar de procurar em minha filha sinais contrários ao espectro autista.

Ninguém se prepara para o autismo, ele chega de surpresa. “Minha filha é plenamente saudável”, pensava eu, afinal ela quase nunca pegava gripes, nunca fora internada e nunca houve um exame que indicasse algo a ser tratado. Durante a gravidez, todos os exames confirmavam que ela ia “muito bem, obrigada”, e de repente, do dia para a noite, descobri que ela tinha um problema de saúde – um problema que eu não conseguia enxergar ou tocar e que não havia remédio que a curasse imediatamente.

Outro desafio é lidar com as INCERTEZAS. Os médicos não sabiam me responder se ela ia falar ou não, se ela ia se comunicar ou não, se ela ia serindependente ou não. Basicamente me pintavam um cenário em que ela poderia ser tanto um gênio completamente independente e feliz quanto uma pessoa eternamente dependente de cuidados de terceiros, sem comunicar-se com o mundo exterior.

Eu até podia estar pronta para lidar com as dificuldades que o autismo pode trazer, mas realmente não estava preparada para lidar com essa incerteza imensa que acompanha o tratamento. Não há certezas. Existe, no máximo, oprovável e o improvável.

Um dos médicos que consultei disse que não era possível dar respostas sobre como poderia ou não ser o futuro de minha pequena, acrescentando à guisa de consolo que nenhum pai ou mãe de criança, seja autista ou não, poderia ter essas certezas: se o filho virá a falar, se irá se comunicar… se vai ou não ser independente no futuro. Eu fiquei bastante irritada com a afirmação, afinal, sem o diagnóstico de autismo tudo me levava a crer que ela teria uma vida normal e, com o diagnóstico, eu tinha reais motivos para duvidar de uma vida futura plena para minha pequena.  Eu me via incompreendida até por um médico.

Um dia você está se perguntando se seu filho ou filha vai ser advogado(a), engenheiro(a) ou artista e, sem aviso, todas essas projeções de possibilidades viram quase proibidas. É como se, como mãe, não me sentisse no direito de pensar em uma vida normal para minha pequena. Justamente porque as possibilidades de ela ter uma vida normal são menores que as das outras crianças.

Algumas vezes o dia passa sem nem por um segundo eu lembrar que minha pequena é autista (apesar de estar sempre trabalhando com ela), mas às vezes, num segundo, por um momento, ela tem um daqueles comportamentos… sabe? É o malvado do autismo me jogando na cara que ele existe. E eu não me incomodo de dividir a minha casa com o “Sr. Autismo”, eu me incomodo porque ele torna a vida da minha pequena mais difícil para ela mesma.

Todos nós sabemos que nós somos quem somos não só pelas coisas boas que vivemos, mas também pelas dificuldades que passamos; sabemos que os desafios nos ensinam. Mas acho que não existe pai e mãe no mundo que queira que seu filho tenha que enfrentar algum “lado duro da vida”. A gente só quer que a vida de nossos filhos seja fácil, doce e sempre feliz, embora saibamos que não vai ser sempre assim. O autismo traz a certeza que seu filho vai ter dificuldades, desde pequeno, e não há algo que possa ser feito para evitar isso.

Talvez o que mais dói é quando o olhar do autista vai para algum lugar em um mundo muito distante. É o momento em que eu, como mãe, tenho vontade de entrar à força nesse mundo que é só da minha filha, tirá-la de lá e trazê-la para o mundo real. Mas eu não posso alcançar esse olhar e isso é, sim, torturante. Mas esse olhar acaba voltando para mim. E é quando ela olha nos meus olhos que eu sei que, de alguma forma ou de outra, está tudo certo de sua forma meio errada.

Embora eu tenha narrado um lado difícil do que é ser mãe de autista, não se assuste, eu e muitas outras mães de crianças e jovens autistas somos sinceramente muito felizes e amamos nossos filhos imensamente. Eu tenho uma filha autista e outra não, e o amor é o mesmo.

Eu rio muito com a Gabi, me emociono, me divirto. Cada evolução é uma vitória incrível que me faz sorrir por horas e horas. Acho minha filha inteligente, engraçada, sensível e linda. Sinto-me completa quando estou com ela.

Muitos dizem que filhos autistas ensinam muito aos pais, mas as pessoas pensam que esses pais vão aprender pelas dificuldades, mas não é assim. Eu aprendi muito com a Gabi, mas ela me ensinou com e pelo amor, com e pela alegria. A sinceridade dela e das outras crianças autistas é de uma pureza inimaginável. Quando encontramos nossos olhares consigo sentir o amor dela como se fosse algo material e tangível.

Então, se eu pudesse dizer algo para as mães que acabaram de descobrir o autismo de seus filhos, seria o seguinte: as incertezas, os medos e as ansiedades não passarão, mas aos poucos vocês se acostumarão a viver com isso; vocês vão sorrir, se divertir e se alegrar muito com seus pequenos, igual ou mais do que se o autismo não existisse; vocês aprenderão uma nova maneira de ver o mundo e as pessoas; sua realidade mudará a ponto de você achar que está em um universo paralelo, porém não será pior nem melhor, apenas diferente; você e seu filho(a) serão, sim, muito felizes.

E vocês, como se sentem? Partilhem suas experiências. Entrem em contato e mandem ideias de posts! Pode ser por facebook (www.facebook.com/advocacia.baptista) ou diretamente em meu e-mail Abraços!

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]