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Não mata! Cobra e mostra a pauta!
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Fabio Rodrigues Pozzebom / ABr
Brasil-il-il…

O título aí em cima me pareceu bacana, quando pensei nele, no começo das manifestações desse outono-inverno tupiniquim (a primavera há de vir). Gosto de trocadilhos e afins. O trocadilho de que mais gostei recentemente estava num cartaz em meio ao povo: “Enfia esses 20 centavos no SUS”. O povo costumava rir para não chorar. Agora grita. E, quando chora, é por causa do spray de pimenta – que no olho dos outros costumava ser refresco, mas agora é combustível. Agora, o título me parece besta, mas continuo concordando com a ideia contida nele em relação ao movimento popular em curso: não matem (e não machuquem, não quebrem); cobrem e mostrem a pauta, e sigam cobrando e apresentando novas reivindicações. Se tiver pau e pedra, é o fim do caminho. É com uma participação popular pacífica (não passiva) e ao menos um pouco propositiva que encontraremos novos e melhores rumos para o Brasil. Assim, quem sabe, sei lá, evitaremos que esse movimento todo não seja como um fogo de artifício molhado, que acende as esperanças por um belo espetáculo, mas não estoura como deveria – só faz barulho, e, às vezes, ainda machuca quem está por perto.

Não mata! Parte dos “vândalos infiltrados” nas manifestações, os autores do quebra-quebra, parecem ser filhinhos de papai com neurônios de menos e hormônios demais. Outros parecem aproveitadores ignorantes que querem tirar uma lasquinha em meio ao fuzuê. Mas parte das manifestações violentas parece ter motivações muito mais elementares e proporcionalmente mais difíceis de conter: desespero, ódio, ódio desesperado. É gente que sente fome, frio e medo. São os vira-latas de uma sociedade desigual, de um mundo cão, em que alguns nascem com pedigree e outros não. Talvez eles não aceitem mais ver os outros babando ração de qualidade enquanto eles roem o osso – o que afia seus dentes. Talvez eles tenham resolvido deixar de andar de quatro e virar mais do que latas, talvez eles queiram mostrar que são pessoas que trabalham (ou veem seus pais trabalharem) o máximo e não ganham nem o mínimo, enquanto outros trabalham o mínimo e ganham o máximo superfaturado, talvez eles estejam gritando em coro: “perdeu”. E perdemos todos, e o movimento por uma boa mudança perde, porque a grande parcela moderada da população, aquela que fica em casa assistindo às manifestações e só torcendo pelo sucesso do clamor das ruas, começa a ficar contra a “baderna”, começa a querer “ordem”. E isso pode ser bem mais perigoso do que os “vândalos infiltrados” – às vezes, a “ordem” não é seguida de progresso, mas de regresso. É preciso conter o vandalismo, claro. É preciso reprimir os arruaceiros, óbvio. Mas que se tenha muito cuidado. Estamos em campo minado. Caminhemos com cautela.

Cobra e mostra a pauta! O preço da passagem do transporte público baixou. Boa! E agora? Qual é a pauta? Em excelente artigo, o presidente da OAB Paraná, Juliano Breda, escreveu que a pauta é única: cumprir a Constituição. É fato. Mas também é fato que boa parte dos nossos governantes continua tratando a Carta Maior como literatura menor, uma ficção meio fantástica, meio baseada em fatos reais. Por isso, é melhor deixar bem claro para eles do que se está falando, o que se está pedindo. Porque, se pedirmos que eles cumpram a Constituição, é capaz de ouvirmos a resposta: “não dá para escolher outro livro mais fácil, de preferência com desenhos?”. É preciso desenhar? Infelizmente, parece ser. Basta dizer que eles precisam ver milhões de pessoas saindo às ruas para perceberem que algo está errado. Enfim, creio que, para o movimento ser concentrado e mais eficiente, deve ter objetivos definidos, ou há o risco de tudo se transformar apenas num “esquenta” (tão quente que pode queimar) para a balada. Ninguém pede um plano plurianual da manifestação popular (até porque tais planos, propositadamente complicados, costumam ficar engavetados), mas outros e mais ou menos claros “vinte centavos”: pró reforma política, contra a PEC 37, o que mais? Com a pressão adequada, cunhou-se uma brilhante moeda de vinte centavos. Será triste se ela sair de circulação. É preciso pensar bem no molde da próxima.

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Agudas

– Hoje, 22 de junho, é dia de São Tomás More, o padroeiro dos políticos e governantes. Por conta disso, há exatamente dois anos, escrevi neste blog um texto intitulado O padroeiro dos políticos e o rebanho sem santo, em que afirmava que São Tomás More (Thomas Morus) “deve ter muita ‘dor de auréola’ com seus apadrinhados brasileiros”. Imaginem agora a quantidade de preces oriundas do Brasil que o santo deve estar recebendo…

– Aliás, nesse mesmo texto sobre o padroeiro dos políticos, citei uma passagem que vivi com meu avô – e que me voltou à cabeça diante das recentes manifestações. Eu era criança. Estávamos na fazenda dele e o gado estava sendo marcado a ferro quente. De repente, um dos bois se desvencilhou e deu uma cabeçada no botijão de gás, jogando-o longe. Eu fiquei preocupado: “Como o boi é forte! Se todos eles se juntarem, eles não podem machucar a gente, vô?”. E o meu vô respondeu: “Para nossa sorte, eles não sabem a força que têm”. Hoje, para nossa sorte, o povo parece ter deixado de se comportar bovinamente e percebido que tem força. Mas a grande porteira do curral em que estamos ainda é aberta a cada dois anos, nas eleições: “para sairmos por ela, é preciso que votemos de maneira consciente. Ou todos nós continuaremos a ser ferrados, como uma ignorante e submissa tropa de gado”.

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