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(Imagem: Benett/Gazeta do Povo)
(Imagem: Benett/Gazeta do Povo)| Foto:
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Por ocasião da 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos (em cartaz na Cinemateca), promovida pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, pelo Ministério da Cultura e pela Universidade Federal Fluminense, e localmente realizada pela produtora O Quadro e apoiada pelo Instituto Não-violência, tive a oportunidade de assistir alguns filmes sobre Memória e Verdade, que abordaram de diferentes perspectivas os anos do Regime Militar no país, posto que se completaram 50 anos do Golpe de 1964. Aproveito a ocasião para tecer algumas considerações sobre nossa responsabilidade enquanto pais e educadores na formação da consciência política dos mais jovens, sejam eles crianças ou adolescentes.

Vamos começar perguntando o óbvio, escondido justamente por excesso de visibilidade: de onde crianças e jovens extraem seus ideais e posicionamentos políticos? Como aprendem a se tornar cidadãos com a liberdade democrática de eleger seus representantes? Que qualidade de informações chegam até os pequenos, embasadas em quais fontes? Na infância sabemos que a criança repete de modo lúdico aquilo que enxerga no mundo adulto, muito mais do que aquilo que ouve ser o correto (durante uma bronca ou sermão, por exemplo). Na adolescência insistimos em falar em “rebeldia” e “transgressão”, mas ao mesmo tempo os jovens do século XXI são amplamente estereotipados por sua apatia política e pela comparação injusta com a juventude da década de 1960 e seus movimentos sociais de escopo global.

Chamadas por certos peritos de “agências de socialização primária”, as famílias desempenham um papel importante neste processo de construção de identidades e visões de mundo. Não há dúvidas disso, embora também não possamos considerar que em todos os casos a visão partidária de um pai vai se repetir em seus filhos. Também nas escolas crianças e jovens têm oportunidade de refletir sobre tais temas; inclusive é válido mencionar que em praticamente cem por cento dos projetos políticos pedagógicos das escolas brasileiras consta a missão de “formar cidadãos críticos e participativos”. Mas qual a verdadeira face deste compromisso partilhado pela esfera da casa e da escola? Temo, infelizmente, que este ideal seja muito mais retórico do que vivencial – posto que já ouvi inúmeras vezes profissionais da Rede Pública afirmando que uma retomada dos tempos da Ditadura seria bem-vinda, pois naquele tempo é que os alunos “respeitavam seus professores”. Medo é igual a respeito? Será?

Não há dúvidas, o calor do recente processo eleitoral que vivemos fez cair certas máscaras da tradicionalíssima “cordialidade do homem brasileiro”, emprestando a expressão fina de Sérgio Buarque de Holanda em sua obra Raízes do Brasil, originalmente publicada em 1936. Nesta fração de segundo histórica, pudemos vislumbrar – alguns com descaso, outros com severa preocupação – a síndrome da falta de letramento político que nós brasileiros sofremos. Em nome da defesa de seus candidatos, muito eleitores partiram para discursos de ódio, fundamentados na xenofobia, no machismo e, talvez principalmente, no ódio aos pobres. Teriam as crianças ficado como “café-com-leite” nas brincadeiras e os adolescentes transitado impunemente por este imaginários todos que vieram à tona? Creio que não, e embora o grau de absorção de informações seja bastante variável de acordo com nossa faixa etária, estamos sempre sendo permeados por discursos presentes no nosso entorno.

É ainda mais curioso avaliar que a política no Brasil figura praticamente como um tabu: não devemos falar sobre, assim como futebol e religião, tal assunto “não se discute!”. Se olharmos com mais cuidado, talvez seja razoável dizer que no repúdio à política – nas frases como “todos os políticos são corruptos e nos envergonham!” – há um forte componente de despolitização. Lembremos assim o saldo nada engraçado produzido durante a Ditadura: 500 mil pessoas foram perseguidas, 50 mil foram presas, cerca de 20 mil foram torturadas, mais de 400 assassinadas e 137 estão desaparecidas (Fonte: Direitos Humanos para a Paz). Lembremos que não se trataram de “unhas”, mas de espancamentos graves, pau de arara, choques elétricos, torturas psicológicas, para dizer o mínimo. Lembremos que justamente em 18 de novembro de 2011 foi aprovada a Lei 12.528, que instituiu a Comissão Nacional da Verdade (CNV).  Lembremos que tal comissão foi fortemente concessionada aos militares no poder hoje, especialmente por ter revogado ao poder legal de punir os acusados de tais violações.

A memória política é uma ferramenta indispensável para combater o esquecimento que perpetra tal mecanismo de despolitização ou repúdio à política – que acaba por ser facilmente internalizado pelos mais jovens. Somente pelo acesso a verdades históricas e discussões fundadas no conhecimento investigativo é que se torna possível combater os resquícios autoritários que a experiência silenciada da ditadura deixou dentro de nós. Afinal, como já diziam os fundadores da psicanálise, o inconsciente tem suas vias de nos governar secretamente. Cabe assim perguntarmos: que cidades, vizinhanças e escolas queremos? Quais são as bases de nossa cultura cívica ou posturas cidadãs? Talvez essas questões, amplas e complexas, permitam a emergência de novos olhares menos eu-cêntricos nas relações intergeracionais. Olhares que assumem as lutas por trás da garantia de nossas liberdades democráticas formais; olhares voltados para o respeito à diferença, à diversidade e à democracia do cotidiano que se aprende na família, na escola e na comunidade, todos os dias.

>> Artigo escrito por Mariana Corrêa de Azevedo, doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná – UFPR e graduada em Ciências Sociais pela mesma universidade. Atua no Instituto Não-Violência, instituição que colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.

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