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(Foto: Arquivo/Gazeta do Povo)
(Foto: Arquivo/Gazeta do Povo)| Foto:

No discurso de nossos representantes políticos a palavra “educação” ocupa um considerável espaço. Junto com a saúde e, mais recentemente, a segurança, essas três palavrinhas mágicas surgem com inabalável frequência na propaganda eleitoral e nos parlatórios de vários níveis. Acesso à educação, por ser fruto de um processo histórico de lutas por direitos, é o mínimo que um cidadão em uma sociedade relativamente desenvolvida deve almejar.

Outra conquista histórica de enorme impacto nas relações sociais foi a participação política e, mais recentemente, a representação por voto direto, com três poderes independentes entre si e com funções constitucionalmente estabelecidas. Nesse arranjo, caberia aos nossos deputados e senadores, transfigurados no Parlamento, representar os interesses e anseios da sociedade para transformá-los em leis, submetidas ao necessário e salutar debate.

A bela fábula acima, quando observada ao nível do chão, mostra faces bem menos idílicas. Os episódios recentes envolvendo o legislativo do Paraná são um indício do domínio de facto dos governos, sejam eles quais forem, sobre os parlamentares e a pauta legislativa, chegando às raias do nonsense e do pastelão, tal como vimos aqui. Os mesmos episódios demonstraram que, quando o monstro chamado opinião pública mostra seus dentes, o legislativo se mexe e até mesmo xerifes saem correndo de medo.

Considerado esse quadro, cabe a pergunta: se a educação é tão importante nas propagandas e no discurso dos parlamentares, a produção legislativa estaria à altura do discurso? Ou então, colocado de outra forma: os deputados federais, estaduais e vereadores, ao apresentar propostas para a educação, respondem aos anseios de transformação do Brasil na “pátria educadora”? Suas iniciativas estão à altura do caráter prioritário que a educação assume nos discursos e nos quinze segundos de propaganda eleitoral?

Tomemos o caso da Câmara dos Deputados. Uma pesquisa nos projetos de lei apresentados no legislativo federal revela preocupações e justificativas cujo louvor não discuto, deixando isso a cargo dos leitores. No entanto, cabem algumas constatações objetivas. Em 2014 os deputados federais apresentaram 119 projetos de lei relacionados à educação. Tais projetos podem ser divididos grosseiramente nas seguintes categorias: a) o rol da “pedagogia do evento”, destinada a comemorar, relembrar ou louvar algum aspecto óbvio da realidade por meio de “dias nacionais” ou “semanas nacionais”; b) o rol das obrigatoriedades, que vão desde a instalação de aparelhos de raio-X na entrada das escolas até o fornecimento, por parte destas, de material de higiene pessoal para os alunos; e, por fim, c) as alterações nos currículos escolares, por meio da inclusão obrigatória de conteúdos e disciplinas.

Faça-se uma ressalva: há também propostas consistentes, que buscam aprimorar a legislação já existente e os mecanismos de planejamento, gestão e fiscalização educacionais. A própria aprovação do Plano Nacional de Educação, ainda que com atraso de praticamente 4 anos em relação ao inicialmente imaginado, mostra que há esforço legislativo para melhoria da educação brasileira. O problema é quando o legislador, motivado talvez por um enorme desejo de aparecer e baseado em elementos pouco mais consistentes que suas impressões sobre o ambiente escolar, resolve dizer o que as crianças e jovens devem aprender, gerando o terceiro bloco acima citado.

Exemplos? Temos vários. Propostas como a volta da disciplina de Educação Moral e Cívica, inserção dos temas de educação para o trânsito, direito constitucional e prevenção do uso de drogas nos currículos do fundamental e médio, chegando a sandices como a obrigatoriedade do ensino do criacionismo na educação básica. Não discuto aqui, por ser óbvio, a relevância de parte desses temas para a vida social, a formação do cidadão, a moral e os bons costumes. No entanto, quando um deputado considera que um aspecto de sua formação pessoal deva ser a régua pela qual todas as crianças serão educadas e o Parlamento, seguindo seus trâmites normais, gasta energia e tempo analisando sandices dessa ordem, outras questões de fundo, realmente relevantes para a melhoria da educação brasileira, são deixadas de lado.

A escola brasileira não vai melhorar com mais disciplinas, mais conteúdos obrigatórios ou ao assumir funções não precípuas ao ambiente escolar. As iniciativas legislativas que vão nesse sentido têm como resultados alguns pontinhos com o eleitor não familiarizado com o setor, geram algumas linhas nos jornais e abrem espaço para que os proponentes arvorem-se de defensores do Bem. Do ponto de vista prático, embaralham o debate, dispersam energias fundamentais e deixam a educação brasileira exatamente onde está: no fundo do poço.

>>Christiano Ferreira é historiador e atua há mais de 10 anos no Ensino Básico e Superior como docente e gestor educacional. Atualmente coordena o Projeto Tetear, da Parabolé Educação e Cultura, que leva oficinas de arte e educação para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social na Região Metropolitana de Curitiba. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.

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