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(Foto: Emilio Morenatti)

(Foto: Emilio Morenatti)

Com perdão ao derrotismo, avançamos pouco, muito pouco, nos nossos discursos sobre os jovens. O esmagador posicionamento da sociedade a favor da redução da maioridade penal está aí para comprovar. Falta-nos de fato massa crítica sobre o assunto. Mas não é um deserto absoluto, convenhamos. Pode-se citar as pesquisas sobre “juventudes” – assim mesmo, no plural – de Miriam Abramovay; ou o controverso pensamento do psicanalista Contardo Calligaris, para citar dois. Mas ainda assim, é pouco.

Não é difícil explicar. Como dizem os antropólogos, as estruturas mudam mais rápido do que a cultura e o imaginário. Não se apagam assim séculos de visão ibérica sobre a mocidade – transitória, corretiva, perigosa, um hiato que pode levar a ser marmanjo desocupado ou adulto correto, entre outras crenças amareladas. O pé-atrás com a juventude é tão forte que nem os 20 anos de debates que levaram à consolidação do Estatuto da Criança e do Adolescente foram fortes o bastante para demover nossos preconceitos.

Dia desses, um policial foi chamado no bairro onde moro. Parte do quarteirão estava preocupada com o que chamamos de “o misterioso caso das bolinhas de gude”. Com uma arma adaptada ou com um estilingue, alguém deu de atirar esses artefatos contra janelas e contra pessoas. A dica da PM é que procurássemos um adolescente por trás de alguma fresta – provavelmente o atirador era um deles. A dica levou a uma verdadeira caça às bruxas na redondeza, equívoco que outro efeito não teve senão pôr à flor da pele nossa rapidez em vitimizar os mais jovens. Em tempo – o atirador, pelo que tudo indica, já passou dos verdes anos.

É só um exemplo de como voltamos nossa metralhadora cheia de mágoa para os jovens. Não deixa de revoltar. Muitos dos que culpabilizam nossos moços, pobres moços, por todas as mazelas do país, nunca fizeram nada por um deles. Faça o teste. Pergunte a um dos inquisidores da juventude se já perguntaram ao guri que lava seu carro no posto ou ao menino da portaria do prédio até que ano eles estudaram. Se sabem onde fica a Educação de Jovens e Adultos (EJA) mais perto.

Anos atrás, em visita ao Brasil, o sociólogo italiano Domenico De Masi recebeu de um repórter uma pergunta à queima-roupa. Ao falar pelos quatro cantos do mundo de sua teoria do “ócio criativo”, De Masi nada mais estaria fazendo do que sociologia para as classes médias. Ouviu a acusação e respondeu sem pudores. O termômetro subiu. Disse que muito se espantava que nós, brasileiros, que não conseguimos nem sequer encaminhar nossas empregadas para a escola, tivéssemos o desplante de acusá-lo de burguês.

Mas é preciso passar da fase da constatação e ir para a ação. Lidar com jovens exige perícia, pois não se trata de uma faixa etária estanque. Um dos maiores pecados dos adultos é o ressentimento ao se darem conta de que os jovens de hoje não são a sua imagem e semelhança. Muitos se defendem de forma infantil, ainda que inconsciente, diminuindo essa geração em vez de entendê-la. Dizem que o jovem de ontem, este sim, era politizado, engajado, idealista, esquecendo-se que a memória é dada à traição e à idealização.

Sugiro que nós, educadores, façamos uma espécie de laboratório – recolhendo daqui e dali as melhores impressões sobre a mocidade. É um bom exercício. Dia desses, ouvi do Arnaldo Jabor que os jovens de hoje são menos babacas que os da geração dele. Seriam mais realistas. Faz sentido. De um padre que trabalha com a juventude, o curitibano Alexander Cordeiro Lopes, pesquisador do assunto, escutei que são mais pragmáticos – os jovens buscam uma experiência disse ele. Depois dessa observação fiquei mais atento, embora não tivesse dúvidas de que a vida se reinventa e de que um novo líder nasce neste exato momento.

Em trabalho com alunos, percebo que se incomodam com os excessos de discursos e com os conceitos sem aplicação. É claro que ninguém deve se render ao pragmatismo e à ditadura da utilidade, mas essa urgência juvenil diz algo. Se queremos falar com eles, fica o desafio de criar oportunidades de que eles se aproximem do mundo, que o toquem. Reparem no quanto andam ao longe, apartados pelo medo e pela superproteção familiar. Mesmo o que à primeira vista soa como assistência e alienação pode ser o fio da meada para iniciar uma conversa com eles.

Se a dica serve de alguma coisa, conto aqui que todas as vezes que tive a coragem de descer da tribuna, de mudar de lugar, de fazer com eles, saímos no ganho. Dias atrás, fizemos um Pecha Kucha – aquela dinâmica japonesa de contar uma história em 20 slides projetados em 6h40 minutos. Pude conhecê-los – sentado num canto da sala de aula. Provei da criatividade de cada um deles. Rimos juntos. Durante as apresentações, não fui poupado de comentários sobre a mesmice da vida acadêmica. Mais importante que tudo, aprendi um bocado. Já virou um clichê, mas vamos lá – quem não consegue mais aprender tem pouco a ensinar. Na noite do Pecha, em silêncio, fui o melhor professor por algumas horas. Melhor repetir a dose.

*José Carlos Fernandes é jornalista da Gazeta do Povo e professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná – UFPR. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.

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