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Medo
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O Medo Global

Os que trabalham têm medo de perder o trabalho.
Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho.
Quem não tem medo da fome, tem medo de comida.
Os motoristas têm medo de caminhar e os pedestres têm medo de serem atropelados.
A democracia tem medo de lembrar e a linguagem tem medo de dizer.
Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.
É o tempo do medo.
Medo da mulher da violência do homem e medo do homem da mulher sem medo.
Medo dos ladrões, medo da polícia.
Medo da porta sem fechaduras, do tempo sem relógios, da criança sem televisão, medo da noite sem comprimidos para dormir e medo do dia sem comprimidos para despertar.
Medo da multidão, medo da solidão, medo do que foi e do que pode ser, medo de morrer, medo de viver.  
(Eduardo Galeano – Livro “De Pernas Pro Ar – A Escola do Mundo ao Avesso”)

 

Se buscarmos nos dicionários, a palavra medo terá alguns significados ligados à consciência do perigo, ao temor e a uma ansiedade que pode ou não ter fundamento, pode ou não ser irracional.

O medo é uma espécie de reação instintiva e primária do organismo te ajudando a ficar alerta, te avisando de possíveis ameaças, por isso, pode ser bom. A pessoa que tem medo fica mais atenta, menos descuidada, enquanto que a corajosa demais pode acabar por arriscar-se demasiado e não prestar atenção aos sinais que o medo dá.

Biologicamente falando, o medo ajuda a preservar a espécie. É quase como um mecanismo de sobrevivência que ajuda a dar respostas mais rápidas a determinadas situações.

O filósofo Gabriel Perissé lembra que a palavra medo tem a ver com meticuloso (a). Ou seja, alguém que age com cuidado, que tem medo de errar, de machucar-se. Ser meticuloso (a) é bom! Ter medo nos ajuda a ser mais conscientes e agir de forma mais segura.

Mas há um outro medo, que é aquele que paralisa, que beira a fobia, o terror e pode nos tornar completamente cegos, inconscientes e inconsistentes diante dos fatos da vida. É o medo usado como estratégia para controlar e dominar os povos ou usado por chefias tóxicas para manter seus empregados sob um regime de trabalho cruel.

Lenine tem uma canção chamada Medo que fala um pouco desse sentimento que paralisa:

“O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como um laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar” (…)

Vale a pena ouvi-la e refletir se nossos medos são reais ou são infundados.  Se são efetivamente nossos ou alguém anda a plantar medo em nossos corações, nos tornando pessoas mais duras, céticas e irracionais.

Desde quando nascemos aprendemos a lidar com o medo como um mecanismo de sobrevivência, de aprendizagem. Precisamos ser ensinados a ter medo para não cair, não nos machucarmos, não colocarmos o dedo na tomada, no fogo, não sermos punidos, etc

Esse controle que pais aplicam sobre os filhos, por exemplo, pode tomar uma dimensão muito maior quando povos inteiros são dominados a partir do uso do medo. Povos inteiros evitam pecar, serem culpados e perderem seus lugares no paraíso. E assim, igrejas controlam seus fieis e seitas enchem os bolsos a vender a ignorantes o que querem em nome do medo do inferno, do medo da culpa, do medo de ser castigado. Assim também, meios de comunicação controlam seus espectadores e as redes sociais usam robots para divulgarem notícias falsas e dissiparem o medo.

Os algoritmos buscam os perfis daqueles mais vulneráveis (menos inteligentes ou mais suscetíveis) e enchem suas caixas postais e timelines de notícias infundadas. Mas esses não são autônomos, não são críticos, não conseguem livrar-se da rede em que caíram: “se tantas pessoas estão a dizer isso, só pode ser verdade”. Entra em cena novamente o medo e o vale-tudo para manter valores, família, empregos.

Não eram pessoas a divulgar informações, eram robots, bots. Mas os medrosos, os temerosos não sabem. O medo cega!

A cultura do medo espalha a cegueira e a paralisia; o medo que usa a ignorância das pessoas; o medo que vem da má fé; o medo que transforma pessoas em gado e aniquila suas inteligências e autonomia. Agindo todos com medo, e em conjunto, ninguém é responsável pelas atrocidades que são feitas. Não se pensa, não se responsabiliza. E assim, atiram-se pedras, paus, balas e ódio em direção ao outro, ao diferente, àquele que não sou eu, que não pensa como eu e que me dá medo.

Num contexto de fragilidade política e econômica, de fragilidade de valores, de falta de empatia, de preconceito em alta, de ansiedade, banalização da violência, individualismo, egoísmo, xenofobia, meritocracia, entre outros – a cultura do medo impera e cria a ilusão de segurança. A segurança alcança um patamar maior que o da justiça, segue alimentando o medo e a inteligência desce ladeira abaixo, assim como uma nação inteira.

Em nome do medo, atrocidades foram e continuam sendo cometidas. O medo é nossa prisão.

Cabe a cada um buscar através da educação o cultivo da inteligência que liberta, da criticidade, da empatia, do amor, da regra de ouro da justiça que diz que o que não quero para mim, não desejo para os outros. Cabe levantar o véu que tenta nos cegar e olhar para um país de forma coletiva, porque só coletivamente e com o bem de todos podemos ser felizes.

Sem medo de ser feliz!

*Cristiane Parente de Sá Barreto é Jornalista, Educomunicadora, Sócia-Fundadora da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom), Doutoranda em Comunicação e Pesquisadora do Centro de Estudos em Comunicação e Sociedade – CECS da Universidade do Minho, Bolsista da CAPES, Mestre em Educação pela UnB e em Mídia e Educação pela Universidad Autónoma de Barcelona. A profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.

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