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Os exemplos arrastam
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A vovó já dizia que “as palavras comovem, os exemplos arrastam”. Mas não se trata de uma frase cheirando a naftalina. Trata-se, como se dizia nos tempos do Leite de Rosas, de “uma verdade cristalina” – em especial na educação, onde cada gesto dos educadores é um espelho para educandos. E não chamem isso de conversa fiada para, digamos, “reduzir a complexidade do debate educacional”. O efeito dos exemplos pode ser comprovado estatisticamente, fornecendo dados para moldar os programas e virar o jogo.

Os leitores bem se lembram dos dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, lançado em 2008 [a próxima edição sai no final de março]. Pois são pródigos. Mostram com porcentos e quetais que pais estudiosos são modelo para seus filhos e tendem a alçá-los à mesma condição. Que filhos acompanhados por pais nas tarefas escolares têm desempenho melhor, inclusive de sociabilidade. Que as pessoas que ganharam livros de presente algum dia na vida tendem, em sua maioria, a ser leitores. Não deixa de ser um exemplo – se o livro é presente, aprendo a valorizá-lo. Sugiro a vovó para ministra da Educação.
Mas a conversa não acaba assim, parecendo uma bronca na antiga aula de Moral e Cívica. Andamos à volta, como nunca, com a teoria dos exemplos. A dizer: nos últimos cinco anos o que mais se fala no país é na ascensão da Classe C. De acordo com o Data Popular, ela é responsável por nada menos do que 71% do consumo no Brasil e congrega algo como 63 milhões de pessoas. Tornou-se a menina dos olhos.

Não é novidade, eu sei. A novidade, em se tratando da Classe C, é que ela cada vez menos se diferencia pelo número de eletrodomésticos, de banheiros na casa e de itens de consumo e cada vez mais é identificada pelos anos passados na escola. Alala-ô! Já não era sem tempo de a gente seguir os nórdicos e contabilizar o capital humano, acima de tudo – principalmente acima das tralhas eletrônicas que são, a rigor, um problema para os aterros sanitários.

Mas eis que nos surge um problema do tamanho do lixão de uma grande cidade. E diz respeito aos exemplos, o que francamente não é o nosso forte. Do contrário, filho de político estudaria na escola pública e usaria transporte coletivo, né.

GAZETA - Marco Andre Lima

Pois é – a classe social que emerge das sombras tende a copiar a que já estava lá, a postos, desfrutando de tudo que lhe é de direito. Está aí a febre do uso do cartão de crédito, as viagens de avião pagas em tantas prestações quanto as da Casas Bahia, a ida ao shopping.

E é esse o problema – o brasileiro que felizmente sai da linha da pobreza olha para frente e não vê, na classe média estabelecida, gente com livro na mão ou mudando sua relação clientelista com a escola. Como tende a copiar aquilo que planeja ser, copia também as coisas ruins. Perigo, perigo.

Em miúdos, os milhões de brasileiros que saem da zona de exclusão para a classe média baixa, e da média baixa para a intermediária estão mais propensos a comprar seios de silicone e automóveis do que empenhar os caraminguás na educação e na leitura, estacionando na frente de uma livraria. Como resolver isso, sabe-se lá.

Mas não custa nada olhar ao redor do mundo. A Índia, por exemplo. Assim como no Brasil, o país de Gandhi fez seu “arrancadão” no sistema de ensino, finca os pés entre os grandes, com sarongues e vacas na feira, banhos no Ganges e tudo. E ostenta índices de leitura briosos como nunca. O motivo é só um – a nova classe média indiana tem tanto nos colonizadores ingleses quanto na elite intelectual local a imagem de homens e mulheres com livros e jornais nas mãos. Quer ser como eles e os imita.

Já que a gente não tem o poder de criar salas de leitura nos shoppings, nem de convencer nossa elite da sua responsabilidade de ser exemplo nesse momento tão lindo, dá para aplicar mais um ensinamento da vovó: “façamos a nossa parte”. Sugiro que sejamos “leitores em praça pública”. Isso – quem vê alguém lendo no banco, no ônibus, num intervalo qualquer, fica sempre ressabiado. Epa! Para carregar um livro e um jornal, na bolsa cara e no banco traseiro do carro novo, é porque deve ser bom. Simples como isso. Experimente.

>> José Carlos Fernandes é jornalista, doutor em Literatura Brasileira, professor nos cursos de Jornalismo da PUCPR e UFPR.

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