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Em oportunidade anterior, destaquei neste espaço a importância que a aprovação do Plano Nacional de Educação representou para o planejamento e a melhoria da educação em nosso país. O estabelecimento de metas claras, ainda que não seja por si só um remédio para todos os males, pelo menos estabelece parâmetros claros para nos cobrarmos, enquanto sociedade, sobre que tipo de educação queremos para nossos filhos e para nós mesmos.

No entanto, as deficiências históricas de nosso sistema educacional, aliadas às peculiaridades do capitalismo tupiniquim – que defende a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos – tornaram possível a expansão brutal de um nível de ensino para o qual o PNE guarda um constrangido silêncio. Refiro-me à pós-graduação latu sensu, conhecida também por especialização ou ainda, seguindo uma verve mercadológica, por MBAs, MFAs, GBAs e congêneres. Para se ter uma ideia da expansão desse nível de ensino, no sistema e-MEC constam nada menos que 1.358 cursos de especialização presenciais ativos em Curitiba, o que daria uma média de mais de 20 cursos para cada uma das 65 instituições de ensino superior daqui. Obviamente, nem todos esses cursos estão realmente funcionando: grande parte deles fica com matrículas abertas permanentemente, esperando “fechar turma” – ou seja, atingir o número mínimo de matriculados para tornar o curso viável.

Essa expansão foi possível por dois motivos: primeiro, porque as instituições de ensino (incluindo aí as públicas) viram nos cursos de especialização uma fonte adicional de recursos; segundo, pela relativa ausência de regulação por parte de MEC ou CAPES sobre esses cursos, que permitem às instituições abrir, reformular ou fechá-los livremente, tornando sua oferta mais flexível e menos fiscalizada que as graduações, mestrados ou doutorados. Emparedadas entre a graduação e o strictu sensu, as especializações oferecem às instituições e mantenedores uma fonte adicional de receita sem precisar prestar grandes contas à sociedade.

Se, de um lado, observa-se a expansão elástica da oferta das especializações e, de outro, o silêncio do Plano Nacional sobre o papel desses cursos no desenvolvimento de nossa educação, algo de contraditório se revela. Qual seria, afinal, o papel das especializações na melhoria da formação de cada um e no aumento dos níveis de escolaridade de nosso país? Por que, afinal, um volume expressivo de recursos de graduados e instituições é direcionado para cursos dessa natureza, se esse conjunto expressivo de oferta não é considerado no estabelecimento do nosso futuro educacional?

Abandonada a visão macroscópica sobre o fenômeno e olhando as especializações de perto – do ponto de vista de um ex-professor, como é o meu caso – o que se vê causa novas dúvidas. É óbvio que, no volume de oferta citado acima, a quantidade de recursos necessários para fazer a roda girar é enorme. E, quando me refiro a recursos, atenho-me ao principal, que é o docente. Como é logicamente impossível ter todos esses cursos funcionando ao mesmo tempo, as instituições apresentam via de regra um extenso portfólio que é executado por demanda (o “fechar turma” citado acima), tornando a docência nesse nível um trabalho temporário – ou bico, para sermos mais diretos. Sendo um bico, o professor pouco se envolve com a instituição, com o programa do curso ou com seus alunos, pois ele os verá por cinco ou seis encontros, não terá outra participação na formação dos mesmos além da transmissão de conteúdos e, uma vez encerrado o módulo, seguirá para outra instituição, para ministrar outro módulo ou disciplina.

Nem é preciso dizer que, nesse modelo, não há vínculo empregatício, planejamento docente ou qualquer outro vínculo entre o docente e o curso no qual participa. Existem obviamente exceções – elas sempre existem, mas a regra do “mercado” é que poucos são efetivamente professores de pós: na maior parte das vezes, o docente está temporariamente nessa função. Enquanto isso, o Estado, por meio dos instrumentos de planejamento e fiscalização que foram sendo construídos nos últimos anos, ignora a dimensão do fenômeno e seus possíveis benefícios e fragilidades.

Como resultado, vemos artistas e galãs propagandeando diariamente as virtudes do MBA X ou da pós-graduação Y. Os alunos, com suas motivações pessoais, procuram tais cursos e acreditam estar dando um passo a mais na sua formação profissional e intelectual. Não conheço evidências de que tal expansão tenha ajudado o sistema educacional brasileiro e a mão-de-obra nacional a alcançar ganhos de qualidade e produtividade, apesar de ainda ser um grande negócio para as instituições. Será que, no próximo PNE (em 2024), estaremos mais atentos a isso?

>>Christiano Ferreira é historiador e atua há mais de 10 anos no Ensino Básico e Superior como docente e gestor educacional. Atualmente coordena o Projeto Tetear, da Parabolé Educação e Cultura, que leva oficinas de arte e educação para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social na Região Metropolitana de Curitiba. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.

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