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Visito uma escola para falar aos professores. A diretora me apresenta o lugar, destacando a estrutura. Estávamos no recreio e crianças corriam para lá e para cá no pátio a lembrar os apertados playgrounds de seus condomínios verticais. Havia muito barulho e eu mal ouvia o que a diretora dizia. De resto, queria saber das crianças e não das salas e parafernálias eletrônicas de última geração que ela apontava com a voz sem entusiasmo. Aliás, pelo que pude presenciar da urgência daquele intenso momento de “divirtamo-nos antes que o sinal toque”, as crianças também não queriam saber de nada disso.

Num canto do pátio, estourou uma briga entre dois meninos e três meninas. Não pude detectar a razão, mas havia gritos ( mais gritos!) e empurra-empurra. Ouvi, porém, nitidamente, um dos meninos dizer: “E que disse que é você quem manda aqui!” E aí mais gritos e empurrões até que o inspetor veio dissolver a refrega. Dele, ouvi mais essa pérola: “Lugar de briga é lá na rua. Aqui quero obediência!” Duas frases que ficaram martelando minha cabeça; duas palavras, na verdade: Mandar e Obediência.

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A diretora, impassível, mostrou-me ainda a biblioteca, a sala de informática e o ginásio de esportes – curiosamente vazio, porque as crianças não podiam brincar nele – antes de me levar para o auditório no qual eu falaria com os professores do contra turno.

 

Aquele lugar parecia uma escola , mas fora isso, não me lembrava uma escola. Por exemplo: não vi nenhuma criança conversando! Ou elas corriam, ou chutavam, ou comiam. E sempre gritavam. O recreio era um espaço de distensão, e haja tensão para ser descomprimida. Parecia-me um daqueles bailes de carnaval no qual, se você diminuir o volume da TV , o que se presencia é um espetáculo de horrores.

O mais curioso é que entrei no auditório e a imagem foi muito parecida: professoras –na sua maioria, o que lhes vale a prevalência da flexão de gênero- em fim do lanche, falando com um desespero de contar as novidades antes do último suspiro. E o tom das vozes! Fiquei pensando, rindo para mim, sobre o tema que escolhera para aquela conversa: “a importância do silêncio na experiência do diálogo.” Poderia ser o lugar perfeito para o tema. Ou poderia ser como um copo de água no deserto. Inútil. Invisível.

Setenta minutos depois, irritado e frustrado, rendi-me à segunda hipótese. Não houve silencio para eu falar, não houve sensibilização com o tema – uma professora chegou a perguntar se eu já havia dado aula na minha vida! – e, com o desencantamento, já que eu não propunha nenhuma técnica mágica ou grandes lições de auto ajuda ou mesmo vídeos engraçados ou imagens chocantes, percebi que falhara terrivelmente naquela experiência.

Sai ao lado da diretora – ela, o mesmo ar impassível de sempre – e percorri mais uma vez o espaço que pouco antes os alunos resfolegavam em brincadeiras de tirar o pai da forca. Agora, olhando para uma porta entreaberta, divisei uma fileira de crianças sentadas e um perfil de professora falando. O tom da voz dela chegava a mim, mas os olhares das crianças não chegavam a ela. Perdidos, aqueles olhares varriam o pátio e fixavam-se em qualquer coisa que se movesse, não para analisa-lo, mas, creio eu, para fugir daquela voz estridente e daquela estrutura sufocante.

A escola é realmente o máximo que conseguimos fazer para educar as novas gerações? Saí daquele lugar com a sensação de que minha profissão é como a do construtor de castelos na praia. Mas a culpa não é do mar.

 

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