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Lula é um chefe político como o Brasil sempre teve. Quando relemos os clássicos da nossa historiografia, é fácil perceber o quanto Lula se enquadra na figura típica do homem simples que se torna importante e poderoso. Mas, uma vez poderoso, não se torna uma voz da Nação, Moderna e Plural,  mas uma voz para os amigos, para os quais faz favores, para os seus. Poderoso porque também concede ao invés de garantir. Como quem reza sempre na frente da Igreja, com plateia e aplausos. Poderoso porque também é amoroso, atencioso: olha para os pobres, lembrando sua origem distante, esquecendo que a pobreza foi origem comum de muitos de seus adversários. O compadrio nas terras rurais do Nordeste são do mesmo feitio. Cria raízes de afeto e obediência, servilismo canino em forma de devoção toda a vez que o pedaço de comida é jogado ao seu alcance mas sempre com o aviso de que se a devoção falta, a comida some. Esse é o perfil do coronel “cordial” que o Brasil fabrica desde a Colônia: olha como poderoso , fazendo favores, dando assistência, repartindo migalhas. Mas nunca em vão. O coronel “cordial” precisa ser bajulado, lembrado de sua “generosidade”, de sua mão estendida. Mão que vira ira quando há esquecimento. Lula gosta de pensar ser esse homem que é capaz de mudar, fazer, refazer o Brasil. Isso porque ele se acha único e, por isso, absolutamente indispensável. Olha com candura os seus. Com ira, os outros que são, primária e esquematicamente, os que não são os seus.

Como um político arcaico, das grotas, Lula não aceita ser contestado em suas teorias sobre o Brasil. “Nunca antes na História desse país” é o seu bordão. Um divisor de águas, um Moisés tupiniquim, prometendo as colheitas férteis e colocando a culpa dos quarenta anos no deserto nas manipulações da mídia golpista.

Nada é mais antigo do que isso. Nada mais “coronel” do que isso. É só ir buscar lá, nas páginas dos nossos intérpretes. Cito uma passagem, quase ao acaso, abrindo a obra memorável do Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto: O coronelismo não é, pois, mera sobrevivência do poder privado, cuja hipertrofia constituiu fenômeno típico de nossa história colonial. É antes uma forma peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base representativa(pg 40). Os banqueiros, empresários, fazendeiros que coexistiram e se locupletaram com o governo Lula são ou não a expressão desse coronelismo? Hoje, presos, são a memória viva desse arcaísmo que os governos Lula nada fizeram para mudar. Pelo contrário.

Há méritos nos governos de Lula, coisas inesquecíveis ? Poucos, pois que provisórias todas elas. A luta contra a miséria é fato da democracia, iniciada já nos primeiros governos pós militares. Mas os avanços foram muito poucos. Prova disso é que, com a crise econômica, a perda das chamadas “conquistas” é rápida e intensa. Onde as conquistas na renda, na educação e na saúde? Mais dois anos de recessão e estaremos de volta aos índices do final dos anos 90. Além disso, a desigualdade permanece intacta, a violência contra os pobres e negros ampliou-se. Os números não mentem. As fontes são do IPEA e IBGE. Se estas também forem “manipulação da mídia”, nada resta.

Lula tem o direito, como todo brasileiro, de pleitear e de se defender. Mas o que ele consegue, no mais das vezes, é o apoio agradecido dos despossuídos dos direitos que continuam despossuídos, pois que ainda alimentam a ideia do beija mão do benfeitor, da fidelidade a quem se bajula de ter dado o que já era deles, cidadania já destacada na Constituição que, diga-se de passagem, o ex-presidente não assinou, constituinte que era na ocasião. A Constituição de 88 mandou fazer e os governos que se seguiram fizeram. Se Lula fez algo, e foi pouco, fez por obrigação e não por iluminação. Se isso faz dele figura imprescindível da democracia nacional, pobre de todos nós. A modernidade é que é o nosso horizonte. Conquistas que se enraízem e que não precisem de “gratidão”, como a que o ex-presidente cobrou do Procurador Geral da República. Dia virá em que o Público será como foi pensado: sem dono. De todos. Sem patronos e sem coronéis. Essa é a luta para ser lutada. Mãos à obra!

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