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A Filarmônica de Berlim: preocupada com seu futuro, mas longe de uma suposta UTI
A Filarmônica de Berlim: preocupada com seu futuro, mas longe de uma suposta UTI| Foto:
A Filarmônica de Berlim: preocupada com seu futuro, mas longe de uma suposta UTI

A Filarmônica de Berlim: preocupada com seu futuro, mas longe de uma suposta UTI

A matéria assinada pelo jornalista João Marcos Coelho e publicada no site digital do jornal “O Estado de São Paulo” no último dia 30 causou celeuma no meio musical brasileiro. Neste artigo (você pode ler aqui) ele supõe uma pretensa ida à UTI de grandes orquestras como a Filarmônica de Berlim, utilizando como pano de fundo a dificuldade de se chegar a um consenso para a escolha do novo diretor musical da mesma, que deverá em alguns anos deixar de ser ocupado por Sir Simon Rattle. Primeiro me chocou no artigo uma lista de inverdades. A primeira delas é que acho um absurdo chamar o maestro Christian Thielemann de antissemita e de clone de Karajan. Thielemann é um excelente maestro, apesar de seu repertório ser muito restrito e de não apreciar a música contemporânea, razões pela qual não acredito que será o futuro diretor da orquestra. Agora, acusa-lo de antissemita é algo mais próximo de um fuxico. Outra sandice é dizer que o maestro Andris Nellsons não sai de seu cargo da Sinfônica de Boston para não “largar o osso”. Se o maestro letão fosse mesmo tão apegado a vaidades não teria dúvida, iria para Berlim. Quanto a Mariss Jansons é notório o seu delicado estado de saúde, não uma “esnobação” à orquestra. Na realidade ninguém foi convidado e ninguém quer “pagar o mico” que Lorin Maazel pagou dando entrevistas em 1989 como o novo diretor musical da orquestra quando o escolhido verdadeiro foi Claudio Abbado. Outra inverdade é que a Filarmônica de Berlim está defenestrando Sir Simon Rattle. O grande maestro inglês anunciou espontaneamente que sairia em 2017 há dois anos, em 2013. Não foi um pedido da orquestra. Ele teve a consciência de que seu tempo num cargo com tanta visibilidade poderia ter uma “data de vencimento”. Tem novos planos frente à Sinfônica de Londres a partir da temporada 2017/1018, inclusive a construção de uma nova sala de concertos para a orquestra.
A Filarmônica de Berlim está longe de uma UTI. Prova disso é o monte de “fofocas” e “frisson” a respeito do novo diretor musical, e o texto de João Marcos Coelho é prova disso. Ela (a Filarmônica de Berlim) esbanja prestígio, qualidade e notoriedade. Seu site na internet é acessado por centenas de milhares melomanos em todo o mundo, com um padrão técnico absolutamente impecável. É evidente que o nível técnico das orquestras subiu tanto que a Filarmônica de Berlim está longe de ser o centro do mundo musical clássico há muito tempo, e mesmo nem sei se se isso já aconteceu alguma vez. Hoje existem pelo menos vinte orquestras com um nível compatível, não só na Europa, mas nos Estados Unidos. Mas questiono, por exemplo, quem teria a logística necessária para um projeto como o das Paixões de Bach encenadas? É neste tipo de ousadia que a Filarmônica de Berlim realmente se destaca frente às outras, porque em termos de qualidade técnica e musical ela está mesmo empatada com as orquestras de Leipzig (Gewandhaus), Dresden (Staatskapelle), Munique (Bayerischer Rundfunk), Amsterdam (Concertgebow), Viena (Filarmônica), Londres (Sinfônica), Chicago, Filadélfia, Cleveland e alguma outra que esqueci. O que é admirável é que duas das melhores orquestras que citei, as de Leipzig e Dresden, estão em cidades relativamente pequenas (menos de 600.00 habitantes) e com um baixo afluxo de turistas. O público destas fantásticas orquestras é composto basicamente dos habitantes da cidade. Estas grandes orquestras estão longe de serem orquestras em crise. Elas fazem parte integrante de uma comunidade, e são prestigiadas por ela. Estão bem longe de uma UTI.

Nossa vida musical na UTI?

A segunda parte do artigo, bem mais pertinente, trata da realidade musical brasileira no que se refere às nossas orquestras. Concordo com João Marcos Coelho quando fala das nossas orquestras terem que ir onde o povo está, e não ficar cultivando uma distância em um fictício templo divino. Amei a frase: “Não dá mais para agir como se o Olimpo da música clássica tivesse o direito de existir independente da realidade que a rodeia. É como se não existissem os viciados em crack que circundam a Sala São Paulo, por exemplo. Nas fotos, retoques os eliminam da paisagem. A realidade os repõe no caminho dos reluzentes automóveis a caminho do Walhalla da música clássica. Quem tem poltrona assegurada não arrisca pôr os pés no chão”. A OSESP é maravilhosa, mas a poucos metros de sua sala as pessoas são assaltadas com frequência (eu inclusive) e vivem numa atroz miséria pelas ruas. Necessitamos, mais do que ficar discutindo quem será o novo maestro da Filarmônica de Berlim, ao menos refletir sobre esta realidade. Na minha opinião as orquestras brasileiras em geral tocam sempre a mesma coisa, no mesmo lugar e para as mesmas pessoas, num maçante sistema que muitas vezes sustenta egos enormes de alguns diretores musicais e certos músicos, cujos salários são ardilosas maquinações de caches e pagamentos extras que fazem inveja a muitos dos nossos políticos. Nosso sistema de orquestras sinfônicas é uma xerox não autenticada de uma realidade que não tem nada a ver conosco. Nosso modelo de difusão musical necessita ser reinventado, mais próximo à nossa realidade. Quem possui o dom musical tem a obrigação de compartilha-lo, sobretudo em um país tão carente como o nosso. Defendo a ideia de que uma orquestra sinfônica é um poderoso instrumento de divulgação cultural, que ela é rica de recursos e sedutora por seus encantos. Completo minha reflexão com um pequeno trecho de um comentário brilhante do músico (trompista) Antonio J. Augusto, paraense radicado no Rio de Janeiro, feito ontem no facebook: “Entretanto, é corretíssima a conclusão de que essas instituições, principalmente as nossas orquestras brasileiras precisam se reinventar. Transformadas em redutos exclusivos de seus maestros e dirigentes, nossas orquestras, com raríssimas exceções, representam ilhas ditatoriais, de opções artísticas retrógradas e completamente desvinculadas de suas comunidades e dos músicos que as compõe”. É bom saber que alguém pensa assim.

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