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O compositor alemão Johann Sebastian Bach
O compositor alemão Johann Sebastian Bach| Foto:
O compositor alemão Johann Sebastian Bach

O compositor alemão Johann Sebastian Bach

Os concertos que regerei frente à Camerata Antiqua no próximo fim de semana, tem como um de seus objetivos esclarecer uma questão. Existe um tremendo mal entendido numa crença generalizada de que a obra de Johann Sebastian Bach (1685-1750) foi esquecida por muito tempo, e há mesmo uma história de cunho Hollywoodiano de que o compositor Felix Mendelssohn (1809-1847) teria feito um ato heroico salvando partituras de Bach que estariam prontas para servir de papel de embrulho de um açougueiro. Tudo mentira !!! Mendelssohn realmente regeu uma remontagem da Paixão Segundo São Mateus em 1829, e era realmente um compositor que admirava muito o passado, pelo menos o passado da produção alemã. Mas decididamente não era um costume daquela época (final do século XVIII – início do século XIX) escutar obras compostas algumas décadas antes. Muito mais esquecido do que Bach, compositores como Monteverdi, Gesualdo e mesmo Vivaldi foram “desprezados” por muito mais tempo (a obra de Monteverdi, falecido na primeira metade do século XVII, começou a ser tocada a partir de 1920 por exemplo). O que para nós é absolutamente normal, assistir concertos com obras compostas há três séculos, não se passava no tempo de Mozart. Compositores como Haydn, Beethoven e Chopin conheciam muito bem “O cravo bem temperado” de Bach. Chopin, ao escrever seus 24 prelúdios opus 28, deixou prova evidente disso.

Gottfried van Swieten, o nobre austríaco que apresentou a obra de Bach para Mozart

Gottfried van Swieten, o nobre austríaco que apresentou a obra de Bach para Mozart

Gottfried van Swieten

Foi o nobre austríaco, de origem holandesa, Gottfried van Swieten (1733-1803) que tornou a obra de Bach, e Handel, conhecida de uma seleta audiência em Viena no final do século XVIII. Ele servira como embaixador da Áustria na Prússia, e tinha um faro impressionante de colecionador de partituras. A partir de 1782 Mozart passa a frequentar regularmente o palácio de van Swieten, e segundo uma carta escrita para seu pai, lá se escutava somente obras de Bach, Handel e dos filhos de Bach. Van Swieten possuía cópias da “Oferenda Musical”, da “Arte da Fuga” e de “O cravo bem temperado”. Certamente Mozart ficou maravilhado não só com a arte contrapontística de Bach, mas com sua capacidade de inverter e aumentar ritmicamente os temas das fugas. No ano seguinte destas audições provadas, em 1783, Mozart escreveu a mais bachiana de suas obras: Uma fuga em dó menor para dois pianos. Podemos ali constatar as inversões, as manipulações do Tema, coisas que nos fazem lembrar a “Oferenda Musical” e a “Arte da Fuga”. Cinco anos mais tarde é que Mozart comporá o Adagio para cordas, em estilo de “Abertura Francesa” (ritmos pontuados), e transcrevendo a fuga para cordas, criou o seu genial Prel[udio e Fuga em dó menor para cordas IK 546. Certamente Mozart pensava que tudo não passava de um “exercício de estilo”. Talvez sem saber, ele acabou compondo a melhor fuga de sua autoria. Vale a pena lembrar que o compositor também transpôs para trio de cordas diversas fugas de Bach, e reinstrumentou obras de Handel, a pedido de Gottfried van Swieten, inclusive o oratório “O messias”. Foi van Switen que levou Joseph Haydn a escrever seus dois grandes oratórios, “A criação” e “As estações”, no intuito de fazer renascer o estilo dos oratórios de Handel. De “As estações” foi ele que escreveu o texto.

Villa-Lobos, autor da genial série de Bachianas

Villa-Lobos, autor da genial série de Bachianas

Villa-Lobos e Bach

Mudando do século XVIII para o século XX, temos do início dele até 1920 experimentos bem radicais, por parte de compositores como Stravinsky, Schoenberg e Bartók. Qual não é a surpresa de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), ao chegar em Paris em 1923, e ver que o neoclassicismo, ”back to Bach”, orientava a produção de diversos compositores. Villa-Lobos tinha composto, antes de sua viagem, obras cheias de “ousadias” como seu “Noneto” e “Rudepoema”. Quando volta em caráter definitivo ao Brasil, em 1930, dá início a seu ciclo de Bachianas. Sua ideia era de escrever nove Bachianas, fazendo paralelo às 9 Sinfonias de Beethoven. Villa-Lobos, no período que compôs as Bachianas trabalhou dentro do Estado Novo, e normalmente reunia centenas de vozes em “Concertos Monstros” sob sua regência. Era o período do “Canto orfeônico”. Por isso ele imaginou que a última Bachianas do ciclo seria para uma “Orquestra de vozes”. Para sermos breves, nenhum coro conseguia executar a obra. Por isso posteriormente (um ano depois) fará uma transcrição para orquestra de cordas, versão esta muito mais conhecida. A ideia dele era bem “bachiana”, um Prelúdio e uma fuga como em “O cravo bem temperado”. A versão original para vozes é realmente muito difícil, mas existem belezas perdidas na versão para cordas, especialmente no Prelúdio. Villa-Lobos se superou nesta composição. Escreveu sua mais perfeita fuga, num complicado compasso de 11/8, fazendo usos de escalas que se usam no folclore nordestino. Acho absolutamente fascinante comparar as duas versões. Para encerrar o concerto executaremos de Bach a Cantata 196 (Der Herr denket an uns), obra escrita em 1708. E, em primeira audição, apresentaremos o arranjo que Villa-Lobos fez de Prelúdio e Fuga Nº 8 do Primeiro Volume de “O cravo bem temperado”.

Eu e a Camerata Antiqua

Desde que me transferi para Curitiba, em 1985, eu realizei com a Camerata Antiqua de Curitiba alguns projetos fascinantes. No ano de 1986 fizemos uma série de obras de Monteverdi (Sétimo livro de madrigais) e Gabrielli, inclusive obtendo um enorme sucesso quando este trabalho foi apresentado em São Paulo. Inesquecíveis as lindas execuções que o Coro realizou de obras de Brahms, junto com grandes instrumentistas. Nesta ocasião realizei um sonho: a execução das Quatro Canções para vozes femininas, duas trompas e harpa. Entre os mais de dez projetos que realizamos, destaco também aquele com obras de Schubert no ano passado. Este concerto marcou a minha volta a reger em Curitiba depois de dez anos. O “Canto dos espíritos sobre as águas”, para vozes masculinas e cordas foi mais uma vez uma realização sonhada há muito tempo. Outro sonho que realizarei neste fim de semana: executar no mesmo programa as duas versões da Bachianas 9 de Villa-Lobos. E ao realizar mais este trabalho encontro o grupo numa situação funcionalmente bem complicada. Uma boa parte dos membros da Camerata Antiqua são de “contratados”. Uma minoria são “estatutários”. O problema é que os “contratados” chegam a ganhar metade do que os “estatutários”, exercendo o mesmo tipo de atividade. Pude perceber que isto não atrapalha nada o altíssimo nível do trabalho, mas que há algo tremendamente injusto, isto não há dúvida. Os concertos acontecerão na Capela Santa Maria dias 21 e 22 de junho, sempre às 18:30.

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