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A homenageada, Olga Kiun, executando o Quarto Concerto de Beethoven. Fotografia de Cida Demarchi
A homenageada, Olga Kiun, executando o Quarto Concerto de Beethoven. Fotografia de Cida Demarchi| Foto:
A homenageada, Olga Kiun, executando o Quarto Concerto de Beethoven. Fotografia de Cida Demarchi

A homenageada, Olga Kiun, executando o Quarto Concerto de Beethoven. Fotografia de Cida Demarchi

Na edição impressa do último domingo, 30 de novembro, foi publicada na versão impressa deste jornal uma versão bem resumida da crônica que o compositor Harry Crowl escreveu sobre os concertos do Festival Olga Kiun. Reproduzo aqui a versão completa que foi enviada ao jornal.

Festival Olga Kiun

Numa iniciativa muito louvável e pioneira, o Festival Olga Kiun apresentou na semana passada uma série de concertos com ex-alunos da notável mestra russa, que também apresentou tanto um concerto solo na abertura, inteiramente dedicado à obra de Sergei Rachmaninov, uma de suas especialidades, assim como o Concerto no.4, de Beethoven, no encerramento do festival. Nascida ainda durante a 2ª Guerra Mundial, na distante província de Aqmola, no Cazaquistão, parte da URSS, na época, onde seus pais buscaram asilo durante o conflito. Sua formação se iniciou em Kichinau, na atual República da Moldávia, então também parte da URSS, para depois seguir para Moscou e assim poder ingressar no Conservatório Tchaikovsky, com 17 anos, na classe do grande pianista Lev Oborin. Foi laureada com alguns dos mais importantes prêmios internacionais, como o George Enescu, na Romênia. Depois de receber uma sólida formação acadêmica, iniciou uma brilhante carreira dentro de seu país. A dissolução da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em 1991, e a consequente crise econômica que assolou toda a região, fez com que Olga viesse para Curitiba, após uma turnê latino-americana com a Orquestra Sinfônica da Moldávia. Em 1993, já lecionava na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Foi a partir de lá, principalmente, que formou a maioria de seus inúmeros discípulos. Muito exigente e dedicada com seus alunos, ela foi sempre muito presente e acompanhou a trajetória de todos bem de perto, encaminhando alguns para os grandes mestres em instituições internacionais, para que pudessem desenvolver ao máximo as suas potencialidades.
Ao longo das quatro noites de recitais, foi possível conferir a técnica e as personalidades musicais de alguns dos mais talentosos pianistas de várias gerações que passaram pela orientação de Olga Kiun. Na segunda noite, o recital de piano solo apresentou Luiz Guilherme Pozzi, executando as 32 Variações em dó menor, de Beethoven, com o refinamento que sempre lhe é peculiar. Em seguida, uma absolutamente notável apresentação de Estefan Iatcekiw, de apenas 10 anos de idade, na qual executou obras de Mozart, Schumann e Chopin com impecável técnica e bom gosto. Davi Sartori, que já é um músico estabelecido muito atuante também na música popular, fez a única apresentação de obras de compositores brasileiros do festival: – O Boizinho de Chumbo, um dos mais complexos trechos da suíte “A Prole do Bebê no.2”, de Villa-Lobos e a Dança Negra de Camargo Guarnieri, ambas com fleuma e naturalidade de quem executa as peças mais fáceis. O Duo Palheta ao Piano, formado por Clenice Ortigara, piano e Jairo Wilkens, clarineta, atualmente um dos mais destacados duos camerísticos do país, apresentou as 6 Bagatelas, opus 23, do inglês Gerald Finzi. Paulo Emiliano Piá de Andrade, sempre muito tranquilo e seguro, apresentou um Prelúdio de Rachmaninov, e um Prelúdio e Fuga, de Shostakovitch, repertório no qual se sente muito à vontade. Bruno Theiss, com 19 anos, executou obras muito desafiadoras de Szimanowsky e Prokofiev. Pablo Rossi, que desde muito cedo se revelou como um dos grandes pianistas brasileiros da atualidade encerrou a noite com obras de Chopin.
O ponto alto do festival, porém, foi a primeira apresentação em Curitiba da íntegra dos 5 Concertos de L. van Beethoven. A orquestra, dirigida pelo Maestro Osvaldo Colarusso,foi especialmente formada pelos melhores músicos de Curitiba, provenientes da Orquestra Sinfônica do PR, da Camerata Antiqua, e da Orquestra Filarmônica da UFPR. Na sequência dos concertos apresentados em dois dias, os intérpretes foram Pablo Rossi (no.1), Davi Sartori (no.2), Paulo Emiliano Piá de Andrade (no.3), a própria Olga Kiun (no.4) e Luiz Guilherme Pozzi (no.5). Apesar do extenuante calor na Capela Santa Maria, o público foi muito numeroso, com muitos espectadores assistindo às apresentações de pé, inclusive eu. Segundo falou à plateia o próprio maestro Osvaldo Colarusso, a Orquestra do Festival fez a proeza de tocar num só dia os 5 concertos, já que ensaiara na 6ª.feira à tarde os Concertos de nos. 4 e 5, e à noite, apresentou os de nos. 1, 2 e 3.
O contraste marcado pelas obras é grande e cobre um período que vai de 1787, data do início da criação do 2º. Concerto, na verdade o primeiro da série, até 1810, ano que Beethoven completou o 5º. Concerto. Trata-se porém, do ciclo oficial, pois o compositor escrevera um Concerto em mi bemol maior em 1783, quando tinha apenas 13 anos de idade e, entre 1815 e 16, ocupou-se de um 6º. Concerto em Ré Maior, abandonando-o depois de praticamente completar o primeiro movimento. Há ainda uma versão para piano e orquestra do Concerto em Ré maior para violino, opus 61, de 1806.
Cada um dos pianistas apresentou uma leitura muito pessoal da obra tocada. Pablo Rossi, no 1º Concerto, mostrou uma técnica impecável e muito uniforme como já é de praxe nas suas apresentações. No 2º Concerto, Davi Sartori fez uma inesperada leitura contida e cuidadosa. A cadência do primeiro movimento, uma complexa fuga escrita pelo próprio Beethoven muitos anos depois, foi o ponto alto.
No Concerto no. 3, que foi executado por Paulo Emiliano Piá de Andrade, o desafio proposto foi mais árduo. Uma obra na qual Beethoven dá à orquestra uma importância bem maior e se afasta definitivamente do modelo de seu antigo mestre, F.J.Haydn, para ser ele mesmo. O domínio da execução por parte de ambos, maestro e solista, foi notável. Apesar de problemas como o piano um pouco desregulado e o calor que fustigava os intérpretes ainda mais que a plateia, o resultado foi excelente.
Na última noite, Olga Kiun executou com primor o 4º Concerto. Tal foi o entusiasmo da plateia, que o 3º movimento foi bisado e executado com ainda mais intensidade. Na ocasião, foram prestadas as justas homenagens à grande mestra.
Encerrando o festival, Luiz Guilherme Pozzi interpretou o 5º Concerto, que é o mais complexo de todos. Sua familiaridade com a obra fez com ele trabalhasse cuidadosamente os nuances das várias vozes contidas no discurso do piano. A integração com maestro e a orquestra funcionou muito bem a maior parte do tempo. A Capela não estava tão lotada como na noite anterior, mas mesmo assim tinha toda a sua capacidade de assentos tomada e a vibração da platéia foi igualmente intensa.

Harry Crowl é compositor, professor da EMBAP e diretor artístico da Orquestra da Universidade Federal do Paraná

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