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Hippolyte et Aricie de Rameau em Glyndebourne. Prólogo passado dentro de uma geladeira
Hippolyte et Aricie de Rameau em Glyndebourne. Prólogo passado dentro de uma geladeira| Foto:
Hippolyte et Aricie de Rameau em Glyndebourne. Prólogo passado dentro de uma geladeira

Hippolyte et Aricie de Rameau em Glyndebourne. Prólogo passado dentro de uma geladeira

Estou decididamente em uma fase Rameau. Aos desavisados Jean Phillipe Rameau foi o mais importante compositor francês do século XVIII e neste link você pode ler o artigo que escrevi para a Gazeta do Povo há duas semanas, lembrando os 250 anos de sua morte. Estava muito curioso a respeito da primeira ópera do compositor, Hippolyte et Aricie, e descobri que havia apenas um DVD da ópera, gravado no ano passado no famoso Festival de Glyndebourne na Inglaterra. Pesquisei e vi que a amazon.com vendia este DVD por U$ 20.74 e cobrava pelo envio U$ 14.95. No câmbio de hoje o total está por volta de R$ 84,41. Em termos de preço nada mal, muito mais barato do que a mesma ópera em CD. A primeira contrariedade foi descobrir que teria que pagar um imposto chamado IOF, mais uma das “obras primas” do Ministério da Fazenda, calculado em 6,38%. Aliás esta taxação é para qualquer coisa, de uma bolsa Louis Vuitton até livros didáticos. Tudo muito “democrático” e “igualitário” mesmo.
Depois de uma longa espera (sim, nosso correio não é mais o mesmo) chegou o DVD. Deveria estar contente? A princípio sim, mas quando comecei a assistir lembrei do termo “Eurotrash”, o lixo europeu que trata as encenações de óperas com um enorme desrespeito, colocando em cena coisas que destoam, de forma arbitrária, da partitura. A história de Hippolyte et Aricie, com fundo mitológico, trata de um jovem e apaixonado casal. A madrasta de Hippolyte, Fedra, é, entretanto, apaixonada por ele. Seu marido, Teseu, ordena então a morte de seu próprio filho. Graças à intervenção da Deusa Diana, e com o suicídio de Fedra, tudo termina bem. Pois bem, no Prólogo, a Deusa Diana e Cupido discutem questões de amor. Nesta encenação isto se passa dentro de uma geladeira, junto a sucos de laranja, salsichas de frango e pedaços de brócolis. Bailarinos em sensuais cuecas se deliciam com os vegetais, e fazem uma espécie de trenzinho com suas partners. Comecei então a fechar os olhos, para ouvir a bela música e não pactuar com aquele ato criminoso, mas minha curiosidade era maior do que pensava. Terminado o Prólogo o Primeiro Ato se passa num templo de Diana, a Deusa da caça. Alces mortos e pendurados, e sacerdotisas que cortam as gargantas de Alces (espero que sejam bonecos…) e se deliciam com seu sangue. Deixam o sangue cair, e se sujam voluntariamente com toda a “meleca” que sai do Alce. Não vou contar os absurdos em todas as cenas, já que este texto ficaria enfadonho, mas tem duas coisas que me tiraram do sério: as Parcas, que atuam numa cena do Inferno, e para as quais Rameau escreveu uma nobre e inspirada música, estavam vestidas de Aranhas de Desenho animado, algo que se assemelhava com o Homem abelha dos Simpsons. Desesperante !!! Mas tem mais: a cena final é passada em outra geladeira, desta vez a de um necrotério em um hospital moderno.

A cena final na discutível encenação de Jonathan Kent

A cena final na discutível encenação de Jonathan Kent

Quando, graças à intervenção de Diana Hippolyte e Aricie voltam à vida eles são retirados de gavetas refrigeradas, e desta geladeira, de outra porta, sai a suicidada Fedra. Uma bailarina, em gesto completamente gratuito, tira para fora seus seios e ameaça com eles (nem são tão grandes) a pobre madrasta apaixonada. Uma tristeza!!! Sim, as modernas encenações de ópera são um pesadelo, especialmente na Europa, onde estas excentricidades são pagas com dinheiro público.

Stéphane Degout, grande intérprete de Teseu.

Stéphane Degout, grande intérprete de Teseu.

Saldo positivo

Bom, nem tudo foi ruim nesta experiência pois apesar do injusto imposto, da lentidão do correio e da encenação pavorosa, a música sublime de Rameau é executada de forma absolutamente apaixonante. A fantástica orquestra inglesa de instrumentos de época “Orchestra of the Age of Enlightenment” é dirigida pelo grande músico William Christie, que já participou de diversas memoráveis montagens de óperas do compositor. Os cantores são excelentes, de um nível altíssimo, com destaque para Sarah Connolly no papel de Fedra e sobretudo Stéphane Degout no papel de Teseu. Muito bem, então quais soluções eu aponto? Esqueça o imposto, o correio, a encenação horrorosa de Jonathan Kent. Desligue o vídeo e ouça só a música. Ao fazer isso confesso que fui feliz e esqueci de todo o resto.

O vídeo de propaganda deste DVD

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