• Carregando...
Até nas capas da partituras de Scriabin muitos símbolos exotéricos
Até nas capas da partituras de Scriabin muitos símbolos exotéricos | Foto:
Alexander Scriabin

Alexander Scriabin

É algo admirável quando grandes criadores, no final de suas existências, revelam uma ousadia cada vez maior. É, por exemplo, o caso do poeta francês Stéphane Mallarmé (1842-1898) que em suas últimas obras como “Um lance de dados jamais abolirá o acaso” anteviu a poesia concreta. É também o caso de Beethoven (1770-1827) que em suas últimas Sonatas para piano e em seus últimos Quartetos vislumbrou o romantismo futuro. O compositor russo Alexander Scriabin (1872-1915), cujo centenário da morte é lembrado neste dia 27 de abril, compartilha com estes grandes artistas o fato de ter encerrado sua vida criativa numa modernidade tão grande que muitas de suas últimas obras são vistas com reserva por muitos. Esta ousadia em sua última fase composicional nos leva a uma revolução que estava ocorrendo na mesma época na Europa ocidental, em todos os aspectos da linguagem musical: no Ritmo (Stravinsky), na Forma (Debussy) e na Harmonia (o atonalismo de Schoenberg). De sua maneira Scriabin faz sozinho uma revolução nos três aspectos. Suas Sonatas para piano tornam-se obras em apenas um movimento (a partir da Nº 5) e atonais (a partir da Nº 6). Ritmicamente pelas inúmeras indicações de alteração de andamento há um tipo de fluência que muitas vezes nos faz ignorar a métrica. Se seu ciclo de Sinfonias começa com obras um tanto quanto desajeitadas, ele termina sua produção sinfônica com duas obras primas: o “Poema do êxtase” (completado em 1908) e o “Poema do fogo (Prometeu)” (1910). Esta última obra citada é completamente atonal, mas seu atonalismo não tem nada a ver com o atonalismo que Schoenberg e seus discípulos praticavam na mesma época. Daí vem minha admiração maior por Scriabin: ele possui uma voz única, original.

Uma apresentação de

Uma apresentação de “O poema do fogo” com as cores imaginadas por Scriabin

Percurso inusitado

Scriabin foi um pianista excepcional, e para seu instrumento escreveu, no início de sua carreira, uma série de obras curtas muito influenciadas por Chopin e Tchaikovsky. Seus Estudos, Prelúdios e Mazurcas mostram um aspecto expressivo completamente diferente de suas obras de sua última fase. Por exemplo o seu Concerto para piano e orquestra, escrito em 1896, nos mostra um certo descompasso com a produção contemporânea de gênios mais ousados como Richard Strauss e Debussy. Mas em dez anos o compositor russo, com sua Sonata Nº 5, ultrapassa a maioria de seus contemporâneos em termos de novidades. Nos dez últimos anos de sua vida Scriabin, apesar do romantismo exacerbado de suas primeiras obras, estará mesmo entre os mais radicais mestres de seu tempo. Defendo que Scriabin foi um dos protagonistas da renovação da linguagem musical que ocorreu nos 25 primeiros anos do século XX.

Até nas capas da partituras de Scriabin muitos símbolos exotéricos

Até nas capas da partituras de Scriabin muitos símbolos exotéricos

Motivações místicas

Não levo muito a sério as teses filosóficas defendidas por Scriabin, e nem as considero indispensáveis para a compreensão de suas últimas composições. Ele se fascinou pela Teosofia de Jean Delville e Helena Blavatsky, e pode-se dizer que este misticismo foi o grande impulso para as modificações de sua linguagem. A Teosofia explica esta mudança estilística, mas não colabora em nada para sua compreensão. Scriabin acreditava na junção de sons e cores, e criou um quadro correlativo entre notas e cores. Em seu “Poema do fogo (Prometeu)” há uma parte para um teclado de cores, isto é, um instrumento imaginado pelo compositor do qual não sai nenhum som, apenas luzes.

Sofronitsky, o grande intérprete de Scriabin

Sofronitsky, o grande intérprete de Scriabin

Scriabin essencial

Ouvir as composições de Scriabin com Vladimir Sofronitsky (1901-1961), genro do compositor, nos leva a uma transcendência única. No entanto ninguém executou de forma tão marcante a Sonata Nº 5 como Sviatoslav Richter (1915-1997). A obra prima orquestral do autor, o “Poema do êxtase”, tem na visão de Pierre Boulez e da Sinfônica de Chicago uma transparência e uma visibilidade jamais vistas. E o “Poema do fogo (Prometeu)” com Martha Argerich e Claudio Abbado é imbatível. Eu particularmente sou um fã de carteirinha da integral da Sonatas gravadas pelo brasileiro Roberto Szidon (1941-2011). Eu o vi tocando, há muitos anos, as de Nº 6 e 8. Inesquecível.

Vídeos e áudios:

A Sonata Nº 5 com Sviatoslav Richter . Você pode seguir a partitura

Linda versão do Poema do êxtase regida por Pletnev

Uma visão bem colorida do “Poema do fogo”

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]