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O compositor Dimitri Shostakovich quando jovem
O compositor Dimitri Shostakovich quando jovem| Foto:
O compositor Dimitri Shostakovich quando jovem

O compositor Dimitri Shostakovich quando jovem

O caso do compositor russo Dimitri Shostakovich (1906-1975) é absolutamente único na história da música. Perseguido pelo regime totalitário comandado por Joseph Stalin cedeu à pressão e acabou tornando-se um membro do governo, tendo terminado seus anos como membro do Partido Comunista. O seu legado em termos de composições é altamente relevante tanto na sua obra sinfônica como na sua obra camerista e mesmo em suas óperas. Mas creio ser fascinante observar as suas mudanças estilísticas forjadas por uma somatória de um imenso talento, um regime de terror e de um caráter muito duvidoso.

 Jovem prodígio

Shostakovich foi uma criança prodígio. Começou a ter aulas de piano com sua mãe quando tinha 9 anos, e em pouco tempo conseguia dominar um enorme e difícil repertório de seu instrumento. Aos 13 anos começou a ter aulas de composição com Alexander Glazunov (1865 –1936) e aos 19 escreve sua primeira obra prima: A Sinfonia Nº 1 em fá menor opus 10. Esta obra foi seu trabalho de conclusão de curso, e ganhou uma notória fama mesmo nos países do ocidente.

A arte de Malevich: exemplo da vanguarda russa

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Shostakovich e a vanguarda russa

A Rússia logo após a revolução de 1917 abrigou diversas manifestações artísticas de vanguarda. Podemos citar como alguns exemplos mais marcantes a pintura de Kazimir Malevich (1878 –1935) a poesia de Vladimir Mayakovsky (1893-1930) e de Serguei Iessienin (1895 —1925) e a literatura de Yevgeny Zamyatin (1884 -1937). Anatoly Lunacharsky (1875 –1933), que foi o responsável pela cultura no período em que Lenin comandou a Rússia (de 1917 até 1924), era um homem muito pluralista e admirava a liberdade artística. Shostakovich participou ativamente nesta vanguarda soviética. Sua ópera “O Nariz” de 1928 nos impressiona pelo seu modernismo e por sua originalidade, e suas Sinfonias de número 2 e 3 são de uma novidade formal assombrosa. Longe das questões da dúvida entre escrever tonal ou atonal o compositor russo criou um estilo muito moderno e pessoal.

O sanguinário ditador russo Joseph Stalin

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Problemas com o regime

Com a morte de Lenin e a subida no poder de Stalin as coisas mudaram para pior na União Soviética. Lunacharsky foi substituído por Andrei Jdanov (1896 —1948) idealizador do “realismo socialista”, uma forma de pensar a cultura que criticava a vanguarda e defendia uma arte de fácil acesso para as massas. Inúmeros artistas foram perseguidos por Jdanov e é impressionante a lista de escritores e pintores que se suicidaram. Shostakovich ganhara um prestígio tão grande que se acreditava imune a perseguições. Em janeiro de 1934 o compositor apresentava sua mais recente ópera: Lady Macbeth de Mtsenk. Uma historia repleta de crimes e sexo seu libreto foi baseado num magnifico conto de Nikolai Leskov (1831 —1895). A violência e o erotismo da historia foi complementada com uma música repleta de efeitos inusitados. O mais famoso deles é um glissando descendente de um trombone descrevendo os efeitos posteriores a uma cena de sexo entre a protagonista e seu amante. A obra foi um sucesso até que dois anos depois da estréia, por acidente, Stalin foi assistir uma récita da obra no Bolshoi em Moscou. Chocado com tanto sexo e violência resolveu mover as coisas contra o compositor. Em 28 de janeiro de 1936 um editorial anônimo no jornal Pravda condenava a obra e seu autor. Shostakovich com medo cancelou a estréia de sua genial Sinfonia Nº 4 (que seria executada somente quase que 30 anos depois) e esperou pelo pior. O inesperado é que Shostakovich mudou radicalmente seu estilo para fazer frente a esta perseguição. Em 1937 apresenta a sua Sinfonia Nº 5 em ré menor, obra que sintomaticamente é chamada pelo próprio compositor de “Uma resposta de um artista a uma justa crítica”.

Resultado estilístico

A produção musical de Shostakovich muda radicalmente a partir daí. Longe das novidades formais e harmônicas das suas quatro primeiras sinfonias, a de Nº 5 apresenta em seu primeiro movimento uma forma sonata quase que escolar, um Scherzo copiado de Mahler e um final triunfante, algo que os maestros adoram para brilhar no final de um concerto. O compositor passa a ser um símbolo da criatividade artística de um país totalitário, e sua música não cansa de elogiar os feitos de Stalin (O canto das florestas opus 81, cantata para coro e orquestra, coloca Stalin como um bondoso jardineiro) e da revolução comunista (Sinfonia Nº 12 cujos nomes dos movimentos lembram os louvores ao atual ditador da Coréia do Norte). Em 1949 foi a Nova York como representante da Rússia numa conferência de paz, e ficou calado frente aos manifestos pelos milhares de mortos entre os opositores do regime.

Shostakovich entra para o partido comunista

O compositor voltou a ser ocasionalmente criticado pelo partido, mas dava razão às críticas e em 1960 surpreende até mesmo sua família ao entrar no Partido Comunista e ocupar um cargo no governo. Pessoa altamente depressiva é nos anos posteriores à sua entrada no governo que uma simbiose interessante acontece entre Shostakovich e outro mestre russo, o compositor Modest Mussorgsky (1839-1881). Ao editar as últimas óperas de seu antecessor (sua edição e orquestração da Khovanschina é soberba) e ao orquestrar o ciclo de canções “Cantos e danças da morte” Shostakovich reencontra uma expressão original e moderna concretizadas em sua Sinfonia Nº 14 opus 135, para dois cantores solistas, cordas e percussão e em seus Sete poemas de Alexander Blok opus 127 para soprano e três instrumentos.

 

Shostakovich: um fraco?

Não sou pessoalmente um admirador das atitudes pessoais de Shostakovich, e apesar de apreciar bastante algumas de suas composições (Sinfonias 1,2,3,4,10 e 14, suas músicas para filme e suas óperas) não consigo aceitar tacitamente as posturas do compositor. Exemplo que mais me salta aos olhos é sua versão “amaciada” de sua ópera Lady Macbeth de Mtsensk chamada Katerina Izmailova, onde as cenas de sexo são cortadas e as originalidades da orquestração são esquecidas. Uma vergonha. Ele chegou a declarar que preferia a versão “amaciada”. Não podemos esquecer também a vergonhosa condenação do regime comunista endossada pelo compositor ao físico Andrei Sakharov, prêmio Nobel da paz, em 1973. Em termos de caráter Shostakovich é um anti-herói, um covarde, um egoísta. Não tenho a menor dúvida.

 

 

PS : escrevi este texto motivado por um post no blog de meu amigo André Egg sobre a ópera Lady Macbeth de Mtsensk.

 Exemplos em vídeo

A cena mais “quente” da ópera de Shostakovich. A partir de 1:23 deste vídeo o trombone faz alusão bem clara ao efeito posterior a um orgasmo masculino.

 

 

Um exemplo da Sinfonia Nº 14

 

 

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