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(Arte: Felipe Lima)
(Arte: Felipe Lima)| Foto:

Dizem que a vida não se mede pelo número de vezes que respiramos; mas pelas vezes que perdemos o fôlego.

Vamos lá: caneta e papel na mão. Segundo os especialistas, respiramos entre 12 e 20 vezes por minuto. Em média, 16. Vezes 60: 960 numa hora. E 23 mil e uns quebrados no dia. Num ano, 8,4 milhões. Enfim, uma vida bem vivida terá tido seus 600 e tantos milhões de respirações. Uns 700 milhões e algo mais se tivermos juízo e sorte. Uau! Tudo isso?

Mas… e daí? Mera estatística fisiológica. De quantas nos lembramos? Talvez não muitas. Quem sabe não seja daquela inspiração que traz de volta o aroma há muito esquecido que emerge do nada e faz recordar de alguém. De um lugar. Ou de uma época marcante. Como a infância. Vá lá, confesso: não é nenhum odor de rosas. Mas a máquina do tempo que me leva a ser criança de novo é o cheiro do plástico que minha mãe usava para encadernar os livros da escola.

Nada se compara, no entanto, com as vezes em que deixamos a respiração em suspenso. Estas, sim, podem mudar o rumo de uma vida.

Como quando, sem esperar, se vê aquela garota… E pá-pum. O peito espreme forte e você suspira: “Ela é especial”. Ah – dirão os críticos –, mas o suspiro é uma respiração profunda e não uma perda de fôlego. Resposta na ponta da língua: então vocês nunca suspiraram de verdade. Ou não perceberam. Observem: um suspiro – o genuíno – é uma inspiração longa porque algo leva embora o ar no meio de uma respiração normal e exige uma segunda inspirada, sutilmente emendada na primeira. Portanto, ali há um átimo de perda de fôlego. Coisas que só o coração explica. Poética. E cientificamente: quando ele acelera de supetão, pede mais ar.

Há outras formas do bem para se perder a respiração. Vencendo um desafio extenuante. Jogando bola com os amigos. Subindo uma montanha. Dançando loucamente (OK, esse é só um exemplo retórico: não sou nenhum pé-de-valsa). Mas, ufa! Todos terminam com um prazeroso “ufa” do fôlego recobrado.

Contudo, nem tudo são odores de flores no ar. A vida também se mede pelas vezes em que perdemos a respiração de um jeito (ou seria mau jeito?) nada estimulante. Quando corremos para pegar o ônibus e os pulmões falham. “Merda, tô fora de forma!” Pelo menos aí se toma a consciência de que é preciso cuidar da saúde.

Por vezes é mais desesperante. Perdemos o fôlego pelo susto de quase ser atropelado ao atravessar a rua sem muita atenção. Pela notícia inesperada da perda (ou do risco de perda) de um familiar querido. Pelos medos e ansiedades que parecem nos roubar o ar.

Começo, então, a chegar ao ponto, a algo que qualquer um que tem ou teve asma ou bronquite sabe de cor: a falta que faz arfar, arfar e nada de ar. Sim, o ar está aí em todos os cantos, abundante. Tão farto que só nos lembramos de sua existência quando ele não está ali. E, no entanto, esse pobre esquecido é tão mais vital que o próprio alimento, o pão nosso com o qual nos preocupamos ao menos três vezes a cada dia. Podemos passar longos períodos sem comer. Mas somente uns poucos minutos sem respirar.

Agora, sem mais delongas, vamos aos finalmentes. Ao recado que quero dar. Ou, como queiram, àquilo que desejo lhes assoprar: o ar é um símbolo do dilema da abundância do que é essencial. De tudo o que importa e nos rodeia, mas com o qual nos habituamos e para o qual nem sempre damos o devido valor. A não ser na sua ausência. E isso vale para a vida em comunidade, no trabalho, na família, na individualidade.

No fundo, sabemos muito bem o que e quem é esse tudo, o sopro que nos anima. Só precisamos lembrar de vez em quando: está dentro do peito. Como o ar que inspiramos.

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Confira o arquivo de colunas de Fernando Martins publicadas na Gazeta do Povo até maio de 2017.

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