• Carregando...
(Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo)
(Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo)| Foto:
(Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo)

(Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo)

Se estamos fora de casa e nos perguntam onde vivemos, dizemos estufando o peito: “Curitiba!” Mas de onde vem esse sentimento? Da imagem positiva que tem a nossa cidade no restante do país, e até no mundo? Da comparação com outras cidades brasileiras em pior situação do que a nossa, ainda que também tenhamos muitos e muitos problemas? De uma sensação de pertencimento, no caso dos descendentes dos imigrantes que – dizem – teriam nos conferido este jeitão canhestro, reservado e sisudo?

Independentemente da resposta, eu acrescentaria outra pergunta: quem tem orgulho de viver em Curitiba, efetivamente vive Curitiba? Cidades, especialmente as grandes, são feitas de diversidade. Diversidade de espaços, de pessoas, de gostos, de meios de circulação. Alguns destes espaços e meios, apesar de fazerem parte da cidade, limitam a experiência que se tem com ela. Por exemplo, o shopping e o carro. Algumas das justificativas para os frequentadores e usuários de um e de outro são a segurança e o conforto. As ruas são perigosas, o transporte público é ruim, e por aí vai.

Em São Paulo, assim como em outras urbes do mundo e, aqui do Brasil, incluindo Curitiba, há uma redescoberta do centro da cidade. No caso da capital paulista, entre os muitos fatores desta tendência, destaca-se o problema da mobilidade. É no centro que estão os principais entroncamentos modais de transporte; o comércio, as atrações culturais e o local de trabalho também ficam ali. Quem mora no centro pode declarar a independência do carro e andar a pé ou estar a poucos metros das linhas de metrô ou de ônibus.

Se o centro ficou melhor para morar é porque o estado investiu em infraestrutura, segurança, equipamentos urbanos e pontos de interesse. Mas essas melhorias nem sempre têm como foco os moradores que estão há décadas no local, os habitantes das casas e prédios mais simples, os pequenos comerciantes, os ambulantes, as pessoas em situação de rua, os usuários de drogas, as prostitutas.

Ao contrário. À medida em que o centro se “revitaliza”, o preço dos imóveis dispara, o aluguel se torna inviável, expulsando os ocupantes originais. Construções antigas, muitas vezes importantes marcos da memória da cidade, pegam fogo misteriosamente. Idem com as favelas. Áreas verdes são destruídas. Sobre os destroços, erguem-se novos edifícios e condomínios, com uma característica muito interessante: eles limitam ao máximo possível o contato dos novos moradores, com os tradicionais habitantes da região. As pessoas querem morar no centro, sim, mas não querem viver o centro e sua diversidade intrínseca.

Em meados de abril apresentei um trabalho, em um congresso em Portugal, sobre a influência desse tipo de conflito no discurso publicitário de alguns empreendimentos imobiliários de São Paulo. O exemplo específico é um condomínio-clube que está sendo construído no Bom Retiro, bairro integrante do Projeto Nova Luz. O Nova Luz é um plano de revitalização da área central de São Paulo que acabou não saindo do papel: as reuniões para definir as melhorias na região da Luz não contaram com a participação adequada dos moradores e a iniciativa privada não conseguiu oferecer a contrapartida necessária. Como consequência, a publicidade do empreendimento, que originalmente usava como argumentos de venda algumas das modificações previstas no projeto, hoje apresenta elementos que mostram uma dificuldade em persuadir o futuro morador de que ali é um lugar “bom de morar”.

E o que tudo isso tem a ver com Curitiba? Além da mesma profusão de incêndios em prédios de valor histórico localizados em áreas nobres, e de uma certa gentrificação que tem acompanhado a revitalização da área central da cidade e, que coincidem com lançamentos imobiliários nestas regiões, há a mesma intenção de “melhorias” propostas por pessoas que não frequentam estas áreas, e que não consideram as demandas dos ocupantes originais da região.

Dia desses participei de uma caminhada pela Saldanha Marinho, que tinha por objetivo conhecer melhor a rua e levantar possíveis pontos de melhorias. Partimos da praça Espanha e fomos até a Catedral. Algumas pessoas da caminhada, mesmo sem ter o costume de andar por ali, acham que a rua é insegura e tal insegurança se deve aos frequentadores das casas de shows e dos hotéis de alta rotatividade, às prostitutas, aos boêmios do Gato Preto, aos usuários de drogas largados nos degraus e sarjetas. A solução lógica seria, portanto, expulsar estas pessoas indesejáveis, fechar os hotéis e inferninhos, certo? Mas, certo do ponto de vista de quem? Daquele curitibano que só frequenta a Saldanha da praça Espanha?

Nem sonho em pensar que Curitiba é um oásis de segurança. Mas há que se discernir entre o medo que temos daquilo que efetivamente nos ameaça e o medo que temos daquilo que é apenas diferente.

Ao invés de expulsar as meretrizes para os guetos ou escondê-las nas casas de luxo (lembrando sempre que a prostituta não comete crime, mas o dono da casa, sim), vamos discutir a prostituição. Ao invés de sumir com os usuários de drogas, vamos discutir o combate ao tráfico, não só nas esquinas do centro, mas também nas boates chiques do Batel. Ao invés de falar da insegurança das ruas, vamos ocupá-las, torná-las seguras com a nossa presença.

Sobre melhorias na rua Saldanha Marinho, tenho algumas propostas bem simples e pontuais. Uma delas seria conversar com quem mora, trabalha e se diverte na região, para ver quais as reais necessidades dessas pessoas.

Que tal viver a cidade, e não somente na cidade, para que a gente possa fazer a nossa parte nessa melhoria?

*Adriana Baggio é publicitária, doutoranda em Comunicação e Semiótica e professora do Centro Universitário Internacional Uninter, que é uma instituição associada ao Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe/PR). O SINEPE é colaborador voluntário do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável.  

**Quer saber mais sobre cidadania, responsabilidade social, sustentabilidade e terceiro setor? Acesse nosso site! Acompanhe o Instituto GRPCOM também no Facebook: InstitutoGrpcom.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]