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Enchentes Urbanas:  um “problemão”
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Estamos em final de época de chuvas intensas. Geralmente o outono é mais seco do que o verão. Mas, este verão foi demais. Choveu quase todos os dias aqui no Sul do País por quatro meses. Além do desconforto de ter uma casa úmida, roupas que demoram a secar, coisas mofadas, paredes manchadas e capim crescendo por toda a parte, temos problemas bem mais sérios. Um deles são as enchentes e enxurradas urbanas.

Digamos que você está às 6h da tarde esperando para voltar para casa, talvez saindo de uma aula de inglês. De repente, o céu fica preto, numa daquelas típicas tempestades de verão. E cai uma tormenta rápida. Raios, ventos e chuva intensa. Você se prepara para ir embora, quando nota que a rua se tornou um rio. E pior, o rio está aumentando e tomando MUITA velocidade.

Mas, o que é aquilo? Um carro vem boiando. Isso mesmo, um carro. Vem boiando, batendo em outros carros e arrastando tudo. Com medo, você volta para dentro da escola, onde as pessoas tentam tirar 20 centímetros de água que já invade as salas. Lixo vem boiando em sacos. Lama invade tudo. Ali mais para frente, uma ratazana nada, como se não tivesse nada melhor para fazer, e passa totalmente à vontade. Você fica ali, desanimado(a) e com um pouco de medo. Espera uma hora ou duas para conseguir voltar para casa, em meio a um trânsito caótico e perigoso. Torce para sua casa não ser inundada. Parece familiar?

Pois é, as enchentes vêm perturbando a nossa vida urbana cada vez mais. Casas podem perder tudo o que tem dentro em questão de segundos. Olhe na sua casa e veja tudo o que fica até 50 centímetros do piso. Sim. Sofás imundos, tapetes cheios de lama, poltronas horríveis, geladeira queimada, fogão destruído, armários empenados, livros estragados, documentos e fotos perdidos…. Piso estragado… Portas empenadas e rachadas… Animais domésticos mortos ou apavorados….

É terrível sofrer uma enchente! Ah, e ainda tem mais… Às vezes você lê as letras miúdas do seu seguro residencial, quando é uma pessoa muito sortuda e previdente que tem dinheiro suficiente para fazer um, é claro. E lá está escrito bem pequenininho – “não cobre enchente, enxurrada, desabamento ou…” Enfim, você pode estar numa fria e tanto.

Mas como, por quê essas enxurradas acontecem tanto? Bem, porque muitas de nossas cidades começaram a surgir e a ser construídas no mínimo há trezentos anos. Nessas épocas antigas, não havia tanta gente, e nas cabeceiras dos rios e em longos trechos deles havia ainda mato, árvores, plantas, capins e terra onde a água podia se infiltrar. E os rios não eram todos canalizados, podiam se espalhar à vontade. Se alguém construísse ao lado dele e o rio subisse, é provável que tirasse sua casa dali e a colocasse em outro lugar. Mas a cidade foi crescendo, todos os pisos foram sendo calçados, os rios canalizados, e as casas se espremeram ao lado umas das outras sem espaço.

Hoje, quando chove, a água toma um rumo certo – tem que descer ladeira, pois não há mais quintais, não há mais terra, não há mais árvores nem capins onde ela possa se infiltrar lentamente e secar depois, com calma. Os rios estão fechados e não conseguem receber tanta água assim. Ainda há um volume grande de esgotos que podem complicar a situação – em tempos de cheia, as águas transbordam, invadem os esgotos, que transbordam também e contaminam rios e poços. A água que desce ladeira em forma de enxurrada toma uma velocidade incrível e pode arrastar pessoas, bichos, motos, carros, lixo, objetos e se tornar uma armadilha mortal em questão de segundos.

E tem mais, essa água muitas vezes está contaminada com coliformes fecais, bactérias e a doença da leptospirose, transmitida pela urina dos ratos, que pode contaminar pessoas por feridas abertas na pele, quando se expõem à água da enxurrada.

Então, como combater isso, sem ter que tirar todo mundo que mora perto dos rios?

Bom, uma maneira óbvia é mesmo tirar as pessoas que moram mais perto dos rios, abrir os rios novamente e transformar suas margens em parques com plantas, árvores, arbustos, flores, capins e terra que possa receber uma boa quantidade de chuva e absorvê-la naturalmente. Mas, nós sabemos que isso não é tão fácil assim. É caro e complexo tirar as pessoas dos lugares onde estão estabelecidas há anos. E isso demanda consciência dos políticos no poder, que precisam investir muito em um planejamento urbano inteligente e que pode não dar votos imediatos.

Outras maneiras mais modernas e inteligentes de tentar controlar esse problema das enchentes consistem em diminuir o volume das enxurradas e a velocidade das águas. Para diminuir o volume, todos os terrenos urbanos têm que ter pelo menos uma parte aberta, com terra mesmo, com grama, árvores, plantas enfim, para que a água tenha um lugar para se infiltrar na terra e não corra em forma de enxurrada. Prédios devem ter cisternas para receber essa água, que de resto pode servir para regar jardim, lavar calçada e muitos outros usos inteligentes – e além de tudo é de graça. E não precisa ser só em prédios, há cidades atualmente que alternam violentas enxurradas com períodos de seca, como é o caso de São Paulo e região. Nesses lugares, faz todo o sentido ter uma caixa d’água auxiliar para receber a água da chuva, que poderá ser muito útil para uso posterior e pode até ser tratada com cloro para durar mais tempo sem juntar algas ou ficar verde. Claro que não é uma água indicada para ser bebida, mas pode servir para higiene, lavar calçada, limpeza geral, regar jardim.

Calçadas devem ter boas extensões de canteiros abertos, com plantinhas, árvores etc., e também com calçamentos especiais, do tipo “paver” vazados, que deixem espacinhos entre as pedras, onde a água também possa se infiltrar. Parece pouca coisa, mas comparando um grande pátio de estacionamento, por exemplo, todo fechado, com uma calçada porosa, há uma imensa diferença na quantidade de água que se infiltra na terra e deixa de engordar as enchentes.

Telhados verdes são uma nova tendência no mundo inteiro, prédios até mesmo bem antigos podem receber jardins, canteiros, floreiras, hortas e espaços com vegetação onde a água caia e se infiltre, depois evaporando lentamente e diminuindo em litros e mais litros as enxurradas tão perigosas. Tudo isso, além de bem mais bonito do que o cimento nu, pode virar hortas urbanas, espaços de lazer, pode refrescar e embelezar o ambiente e tornar uma cidade bem mais interessante.

Os locais mais propensos a enxurradas violentas também podem receber obras que são redutores de velocidade de água. São caixas onde a água passa e faz uma espécie de redemoinho interno, perdendo a força e saindo com velocidade bem menor. Isso evita que a água arraste pedras, destrua calçadas, abra bueiros ou faça estragos semelhantes.

Em alguns lugares as enchentes não dependem apenas de conscientização e de obras urbanas, pois são sistêmicas, vêm de longe por meio de um rio que enche sistematicamente. Neste caso, as obras urbanas podem ajudar e muito, mas o problema é maior, há todo um sistema hídrico envolvido. Temos que ver, então, com a ajuda de especialistas, que as florestas ciliares, que protegiam o rio desde os tempos da colônia, geralmente estão faltando, que as plantações geralmente chegam até bem pertinho, que os rios estão cheios de areia e terra que se soltou dessas áreas desmatadas e escorreu para dentro do leito dele, e isso só piora e aumenta as enchentes.

Nesses lugares, a diminuição das enchentes depende de um trabalho longo e caro de conscientização, de reparação ambiental, de reserva de áreas estratégicas ao longo dos rios.

Impossível e caro? Bom, pode ser caro, mas impossível não é. Tudo depende de começar um dia e repensar essa realidade urbana. Do contrário, com as mudanças climáticas, esses problemas podem piorar cada vez mais. Que tal começar já?

 

*Artigo escrito por Claudia L. Borio – ambientalista, advogada, especialista em direito socioambiental, estudante de ciências biológicas e colaboradora da Unilivre.

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