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Não foi Cármen Lúcia quem se submeteu à pressão
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Foi em uma fala de menos de 30 segundos que a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, anunciou que pautaria o julgamento do habeas corpus preventivo pedido pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas suas poucas palavras certamente vão acompanhá-la pelo resto de sua carreira no tribunal, um fardo que ela foi obrigada a assumir.

Desde janeiro a ministra falava que não cederia, com o argumento de que não há razão para a corte revisar sua decisão de 2016 que permitiu o cumprimento das penas após a condenação em segunda instância. Isso valia para casos individuais, como o de Lula, e ações amplas, que têm efeito sobre outros casos.

Lula conseguiu se impor à vontade da ministra, mas isso não significa que ela tenha se submetido. A pressão maior partiu de seus pares no STF mais abertos ao tratamento especial a um ex-presidente, e eles obrigaram Cármen Lúcia a tomar uma decisão calculando qual seria o menor prejuízo para o país. Como disse na sessão de hoje o ministro Marco Aurélio Mello, ele estava pronto para colocar na mesa uma questão de ordem pedindo que entrasse na pauta uma ação que trata da prisão após condenação em segunda instância. Uma revisão da decisão do tribunal nessa ação faria com que dezenas de presos, muitos deles pela operação Lava Jato, pudessem ser soltos imediatamente.

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O habeas corpus de Lula não tem esse efeito, vale só para o ex-presidente. Embora abra um precedente, seu caso não precisa necessariamente ser seguido por uma enxurrada de libertações. Como deixou claro o ministro Marco Aurélio Mello, o que interessava na sessão de hoje era salvar Lula. Essa é a única razão que justifica sua manifestação após Cármen Lúcia anunciar o julgamento do habeas corpus de Lula: ficou satisfeito a ponto de não entrar com a questão de ordem. Não era o julgamento da ação que ele relatou que interessava.

Em algum momento, o STF poderá rever a decisão sobre a prisão. Cármen Lúcia dará lugar ao ministro Dias Tóffoli na presidência da corte e é possível que ele tenha um entendimento diferente sobre a apreciação do tema. Até lá, o caso Lula estará em outra fase: a briga do PT para mantê-lo na corrida presidencial.

A questão da prisão após segunda instância é controversa porque a Constituição garante que a pena só é cumprida após trânsito em julgado. Há bons argumentos para se defender que isso seja em tribunais superiores. No entanto, é preciso deixar claro que o número de ações com reforma de sentença nessas cortes é ínfimo. No Brasil, os recursos têm um caráter protelatório que faz o crime compensar para quem conta com uma boa defesa. É o caso dos condenados pela Lava Jato. Daí a força com que os membros da operação defendem a decisão de 2016 do STF.

Uma decisão estável sobre o tema será importante para o Brasil. Choca o fato de todo o debate ter girado recentemente em torno de uma única pessoa com acesso privilegiado à corte mais alta do país.

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