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A longa e agônica decadência do futebol brasileiro – a propósito da derrota do Santos para o Barcelona
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Alguém pode se perguntar por que falar de futebol num blog de História Cultural. Bem, em primeiro lugar por que este blogueiro gosta de futebol – e só isso já bastaria.

Mas, imaginando que eu quisesse ser rigoroso com a temática do blog, mesmo assim é um assunto bem pertinente neste espaço.

Sim, porque o futebol é uma expressão cultural importantíssima, especialmente no Brasil.

E o jogo em que o Santos perdeu por 4×0 para o Barcelona pela final do Mundial de Clubes da FIFA marca um ponto de inflexão muito importante no papel que o futebol tem na cultura brasileira.

A ascensão do futebol no Brasil é muito mais significativa do que uma simples vitória esportiva.

Em primeiro lugar porque o surgimento da moda dos sports, já no início do século XX, como bem assinala Nicolau Sevcenko em seu texto para o terceiro volume da História da Vida Privada no Brasil, marca uma valorização do corpo, do vigor físico e da aptidão rítmica. Por acaso, coisa que os descendentes de escravos africanos faziam com muita pertinência – e foi por isso que o futebol foi a primeira atividade profissional onde o negro brasileiro pode obter protagonismo.

Divulgação site oficial Barcelona
Pelé era o destaque do confronto entre Barcelona e Santos em 1963

Muito sintomático que o auge do futebol como expressão do Brasil (um tema muito bem explorado no livro de José Miguel Wisnik) tenha se dado em torno de Pelé, jogador do Santos por quase vinte anos, vitorioso com a Seleção em 3 Copas (1958, 62 e 70) e campeão deste mesmo mundial em 1962 e 63.

Naqueles tempos o jeito espontâneo e alegre de jogar, o drible desconcertante, a inteligência espacial, a camaradagem entre grandes gênios da bola – tudo fazia da atuação dos escretes nacionais uma lufada de renovação no esporte europeu, tão marcado pela força física e pela aplicação tática.

Pode-se dizer que o futebol da era de outro do Brasil inseriu um novo jeito de pensar o Esporte, que coincidiu com um grande momento de afirmação da cultura brasileira com base em seus traços populares (a era de ouro da MPB coincidiu com a melhor época do nosso futebol), bem como o momento de ascensão econômica do Brasil.

Quando digo que o futebol brasileiro passa por longa e agônica decadência, é por que os problemas não são de hoje.

A última Seleção que eu consigo ver como representante da nação em seu futebol foi a que perdeu a Copa de 1982. Não é coincidência que o principal jogador daquela geração tenha morrido dias atrás, completamente desiludido com os rumos do nosso futebol.

Eu sou e continuarei sendo daqueles que acham que mais valeu perder jogando como em 1982 do que vencer jogando como em 1994, cuja final terminada em 0x0, e decidida com um pênalti desperdiçado por um jogador italiano foi exatamente paradigmática da derrota de tudo que o futebol brasileiro pretendeu algum dia representar.

Assim, é muito sintomático o desempenho da Seleção da CBF na última Copa América. Digo “Seleção da CBF” porque “nossa Seleção” é uma expressão que não uso faz tempo.

A derrota humilhante do Santos de Neymar no Japão não foi uma simples derrota de um clube. Foi a derrota total do futebol brasileiro, a apenas 2 anos e meio de sediar uma Copa do Mundo no nosso país.

Pelo visto passaremos muito mais vergonha do que simplesmente nos causarão os problemas de estádios ruins, péssima infra-estrutura urbana e péssimo atendimento aos turistas.

Sim, senhores, o futebol brasileiro está em situação irremediável simplesmente porque o Santos que foi enfrentar o Barcelona tinha os únicos jogadores incensados como capazes de ressuscitar o futebol arte outrora perdido: Neymar e Ganso. E tinha o único técnico considerado capaz de recolocar o futebol brasileiro nos bons momentos que viveu pela última vez com seu mestre. Aprendiz de Telê Santana, Muricy Ramalho levou a campo um Santos muito diferente do que podíamos esperar – apático, sem jogar futebol, sem lutar.

Impotente, incapaz do drible, da jogada desconcertante. Sequer da empolgação e da alegria de jogar futebol que já tivemos como marca, mesmo nos momentos em que éramos um país muito mais pobre e desigual do que estamos hoje.

O que temos visto ultimamente no ludopédio me faz pensar que é irremediável: o futebol aqui está virando apenas um esporte. Não é mais capaz de nos representar, de articular um jeito brasileiro de ser e enfrentar os problemas da vida.

Ou, pior ainda, é só mais um jeito de movimentar alguns bilhões de reais, boa parte disso engordando os cofres de cartolas corruptos, enquanto uma parte bem menor pinga na conta de garotos que ganham tanto que perdem até a vontade de jogar.

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