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Descubra se você é um desacreditado, ou um desacreditável
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Há um tempo eu tive contato com uma teoria social que achei interessante e quando aproximei esse pensamento do contexto de uma pessoa com deficiência, percebi ter um tema irresistível e acho que pouco comentado. Você já se perguntou se você é uma pessoa desacreditada? Ou será que você é desacreditável?


Erving Goffman

A teoria é de Erving Goffman, um cientista social e escritor canadense, professor da Universidade da Califórnia. Por meio de suas obras, Goffman trouxe luz a uma série de questões envolvendo as interações humanas no dia a dia, estudando como indivíduos respondem à sociedade e vice-versa. O autor comenta os conceitos de desacreditado e desacreditável na obra Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada, de 1963 e eu dei uma olhada rápida no que ele disse.

Goffman comenta que todo sujeito tem duas identidades: a sua identidade social real e a sua identidade virtual. A identidade social real é a que interage com outras pessoas e, na maioria das vezes, vai conduzir a maneira como a sociedade responde ao indivíduo. É o que todo mundo percebe do outro e com isso, forma um conceito sobre um amigo, um chefe, um colega de trabalho e por ai vai.


Séculos de história fizeram da população negra um dos grupos mais estigmatizados e que ainda briga contra uma série de preconceitos

A identidade virtual está em nós também, mas em uma atmosfera não concreta. Nela encontramos todas as impressões que os outros formam, ou têm, de nós mesmos, que podem se manifestar depois que alguém nos conhece, ou mesmo antes, tendo suas bases naquilo que esperam da gente. É a identidade desenhada por outra cabeça e o interessante sobre a identidade virtual é que ela tem a nossa influência. Ela guarda tudo aquilo que nós não queremos que os outros saibam sobre a gente mesmo.


A sociedade define quem é desacreditado e esse conceito muda de tempos em tempos

De acordo com Erving Goffman o que separa os desacreditados dos desacreditáveis é o quanto da nossa identidade virtual se manifesta na nossa identidade real, ou a diferença entre o que se espera e aquilo que você mostra. Se a sua identidade virtual apresenta características que levam a formação de conceitos negativos, nem sempre justos, e ela está próxima da sua identidade real, então você caminha para a turma dos desacreditados. Se você mantém esses dois lados em um relativo equilíbrio, você é um desacreditável.

Ainda de acordo com o autor, os desacreditados têm essa dinâmica particular entre as duas identidades e ao entrarem para esse grupo, tornam-se estigmatizados.


A mulher do período pós-guerra se consolida nos anos 50 e imprime um novo estigma feminino, que ainda é sustentado por um machismo arcaico

Por que um tema aparentemente complexo abre espaço para uma discussão irresistível? Porque acredito que a sociedade sempre precisou ter o seu grupo de desacreditados. E eu acho que sempre vai precisar ter.


A homossexualidade ainda é tabu social, tendo preconceito calcado em conceitos religiosos, ideias de leis naturais e de fraqueza

Só que o grupo dos desacreditados não é sempre o mesmo e isso acontece porque a identidade virtual é mutante. Durante o século XX, tivemos diferentes estigmas que formaram o grupo dos desacreditados. Mulheres, negros e homossexuais são três grupos que provocaram mudanças muito positivas nas dinâmicas sociais e conseguiram bater de frente com uma série de preconceitos e até hoje brigam para não serem mais estigmatizados.

E quem será que é o desacreditado da vez? Há quem diz que são os fumantes e pessoas acima do peso. Volta e meia eu ouço histórias de discriminação explícita em relação a esses dois grupos. Hoje o cigarro e o sobrepeso representam escolhas negativas no inconsciente social, dizendo de cara que quem fuma, ou quem é gordo fez escolhas terríveis e não merece muito crédito. Algum fumante, ou obeso gostaria de se manifestar?


Uma série de políticas vêm contribuindo para a diminuição do consumo do cigarro, mas esse movimento tem transformado a imagem social do fumante

Mas por que será que a dinâmica social retoma esse tipo de mecanismo, mudando o grupo que sofre opressão, mas sempre precisando oprimir alguém? É algum tipo de defesa contra o que não é desejado naquele contexto? Pode ser que em determinadas décadas quem não era negro, nem mulher e nem homossexual realmente não gostaria de o ser e desprezava quem era.


A pessoa com deficiência está no grupo dos desacreditados, pelo conjunto de características da identidade virtual que ela carrega. E se a opressão é um mecanismo de defesa contra o que a sociedade não quer, o deficiente está numa situação bastante complexa. A deficiência não é desejada por quem não tem e também é rejeitada por quem a tem.

Como tirar o deficiente desse grupo? Deixando que ele mostre o seu potencial? Dando oportunidades iguais? Tratando-o como uma pessoa sem deficiência? Também, mas não só isso. É necessário enxergar a deficiência como uma possibilidade. Algo que pode acontecer com absolutamente qualquer um.

Talvez precisaremos de algumas gerações para que isso aconteça, porque preparo a coisas que queremos longe ainda não é o nosso forte. Não nos preparamos nem para a 3ª idade (outro grupo desacreditado) e muito menos para a morte.

O que é uma pena, porque podemos nos preparar para essas coisas todas com muita serenidade e experiências positivas. Podemos nos preparar para a velhice com saúde e economia. Podemos nos preparar para a morte com legado e espiritualidade. Podemos nos preparar para a deficiência com união e respeito.

Que no futuro os desacreditados sejam apontados apenas por uma questão de caráter. E que desacreditáveis continuamos a ser todos nós.

*Quer entrar em contato? Escreva para inclusilhado@hotmail.com.

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