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Críticos e “hipo-críticos”
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“Hei você!
Que não sabe o que diz
Boçal diplomado em Paris
A sua vida é uma farsa”

(Rita Lee e Roberto de Carvalho)

 

A crise política e econômica faz realçar alguns “perfis cívicos”. É que nos tempos de bonança as pessoas estão preocupadas em definir a cerveja e a carne do churrasco do fim de semana, ou as férias de fim de ano. Quando a coisa aperta, surgem as reclamações, as reflexões e as (pretensas) soluções para que a prosperidade volte.

Aí aparecem os reacionários, os revolucionários, os conservadores, como já comentado em outros posts. Não é possível definir uma pessoa a partir de um destes “perfis”. É que o espectro da política democrática comporta todas as combinações, inclusive as menos prováveis. Ou seja, é possível encontrar numa pessoa várias feições políticas (ainda que contraditórias) ao mesmo tempo.

Para essa semana, teremos mais dois: os críticos e os “hipo-críticos”.

O “hipo-crítico” é aquele que percebe defeitos pontuais na gestão governamental, propõe algumas mudanças, mas que só podem ser consideradas sob o seu ponto de vista, que, normalmente, tem a ver com objetivos não-publicizáveis. O “hipo-crítico”, embora possa ter uma visão mais ampla da realidade, manifesta-se de maneira parcial, para induzir o público de que sua solução é a mais adequada. Ou seja, o “hipo-crítico” tem uma visão de conjunto dos problemas da política, da economia e da sociedade, mas apresenta soluções que favorecessem ou a tomada ou a manutenção do poder do grupo que lhe interessa. É o caso dos cidadãos (e das instituições) que se põem contra o aumento de tributos numa esfera do Governo, mas, não se posicionam sobre as medidas para o aumento da arrecadação tributária em outra esfera (normalmente, aquela na qual o governante é simpatizado pelo ‘hipo-crítico’). São tantos os exemplos de hipocrisia, que seria cansativo enunciá-los. O que importa perceber é que a postura “hipo-crítica” é tão desalentadora, quanto aquela criticada. É que o “hipo-crítico” não tem uma linha ideológica a ser seguida. Seu intuito é manter (ou tomar) o poder, e, para tanto, barganhará com quem for do seu interesse para atingir seu objetivo. O “hipo-crítico” não é capaz “autocrítica”. Como criticar a si mesmo, como verificar a coerência entre uma forma de pensar e as suas práticas quando não se tem uma linha de conduta a ser seguida?

Já o crítico precisa de duas qualidades: a) ter a mente aberta para perceber a realidade; b) ter um ponto de vista teórico bem construído, que lhe permita analisar esta realidade.

O “hipo-crítico” até pode ter ambas as qualidades, mas não as põem em prática, a não ser quando lhe interessa. O crítico é capaz não só de ver o que está errado (e o que pode ser melhorado) na posição de um opositor, mas a avalia sob um ponto de vista ideológico consistente. Por exemplo, um crítico igualitário será contrário ao corte de gastos em políticas públicas para os menos favorecidos, pouco importando se o governo que pretende realizar tal providência é o que ele apoiou. Por sua vez, um crítico liberal será contrário ao aumento de impostos em qualquer esfera de governo (municipal, estadual ou federal). O crítico, nesse sentido, é capaz de autocrítica, seja em relação à posição daqueles com quem simpatiza, seja em relação si, seja em relação as suas práticas políticas do dia-a-dia. Embora o crítico tenha uma visão ideológica (liberal, igualitária, utilitarista, republicana, feminista, etc.), ele não perde a capacidade de ser razoável e de tentar ser justo. Seu intuito não é de manter/obter o poder (para si ou para outrem) a qualquer custo, mas, o de preservar a coerência entre suas ideias e suas práticas. Algo raro na vida pública brasileira!

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