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O que há de errado com o jeito moderno de viver (ou porque se vive menos)
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Worked hard all my lifetime, no help from my friends

So Lord, won’t you buy me a Mercedes Benz

(Janis Joplin)

 

 

No último post apresentou-se uma breve descrição da liberdade dos modernos. Uma forma de viver a vida na qual cada um constrói seu projeto de vida, procurando a independência econômica para não sofrer a interferência dos outros.

Mas, poder escolher um estilo de vida não significa escolher com quem viver, ou não deveria.

E aí começam as dificuldades.

Por priorizar os aspectos da vida privada, notadamente os econômicos, a liberdade dos modernos pode degenerar para formas de egoísmo, alheamento e excentricidade.

A competição pelos meios para tornar-se independente exige de cada um maior esforço e qualificação profissional para obter renda. O trabalho, que deveria ser um meio, tornar-se um fim em si. O meio consome o tempo de vida, de tal maneira que o tempo de liberdade se resume aos feriados prolongados e às férias.

Na falta de valores compartilhados, porque cada qual é livre para acreditar no que quiser, a demonstração externa da posse de bens materiais torna-se a medida da liberdade (e do prestígio social). Não surpreende que consumir (e estar com outros no shopping consumindo) tenha se tornado algo muito prazeroso para algumas pessoas.

Trabalhar, acumular e consumir, transcenderam e passaram a ser símbolo de poder e independência.

Aqueles que se prendem a este ciclo passam a criar padrões de divisão entre as pessoas, a partir das preferências de trabalho, acumulação e consumo. Os mais radicais criam padrões de vida radicalmente diferentes (excêntricos). Outros formam confrarias, clubes e círculos de convívio pautado nestes padrões. É de se duvidar que nestes ambientes todas as amizades e relacionamentos sejam verdadeiros.

O certo é que quanto mais exclusivo e fechado o convívio, mais estas pessoas tornam-se alheias às necessidades e às perspectivas de vida de pessoas integrantes de outros extratos sociais, especialmente, os menos favorecidos, tais como os desempregados, os com pouca ou nenhuma educação formal, etc. E a contrapartida também é verdadeira.

A divisão torna-se alheamento e indiferença e as relações tornam-se contratuais. Paga-se pelo trabalho dos serviçais. Não é necessário um “bom dia”, um “aperto de mão”, tampouco um “obrigado”, porque quem recebe o salário já tem o que merece e fez por merecer apenas e tão somente aquele salário.

Do outro lado, em vez da admiração e do exemplo de vida a ser seguido, tem-se os sentimentos negativos correlatos ao desprezo, à soberba e à arrogância, ou seja, a anulação de si, o constrangimento, a inveja, e o sentimento de injustiça.

Nessas “relações livres” é de se duvidar que a “liberdade” seja exercida de maneira tranquila e altiva. Quem se orgulharia de viver numa sociedade em que a forma de vestir determina se alguém ingressará tranquilamente num restaurante, numa loja ou num evento?

O problema não está em conceber a forma de liberdade, mas, nos efeitos de sua prática numa sociedade competitiva que não está preparada para o respeito ao próximo e para a solidariedade.

Coloniza-se o tempo do afeto (a)o parceiro(a), à família e aos amigos com o trabalho. Substituem-se relações pessoais por contratos. Criam-se barreiras simbólicas de caráter econômico para constranger os que não se adequam a um padrão de consumo.

É este uso da liberdade que fundamenta propostas (e ao mesmo tempo causa discórdia) sobre quem pode frequentar shoppings e usar as calçadas públicas. Mas, por outro lado, é esta liberdade (ao priorizar os fins e não os meios) que possibilita que cada um constitua para si um projeto de vida satisfatória compatível com o das demais. Atentemo-nos para o uso (do tempo) da nossa liberdade.

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