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Entrevista com a secretária da mulher de Curitiba, Roseli Isidoro
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Henry Milléo/ Agência de Notícias Gazeta do Povo

Os desafios da nova Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres de Curitiba não podem ser subestimados. Recém criado pelo prefeito Gustavo Fruet (PDT), o órgão, por ter sido criado por Decreto e não por um Projeto de Lei, tem pouca autonomia administrativa e financeira – “o orçamento é zero”, diz a nova secretária, a ex-vereadora e presidente do PT (Partido dos Trabalhadores) de Curitiba, Roseli Isidoro.

Também não possui sede e por enquanto deve ficar no mesmo local onde funciona o Conselho Municipal da Condição Feminina, no Centro Cívico. E deve, nos primeiros anos, correr atrás do prejuízo e elaborar projetos para concorrer com órgãos que já existem há mais tempo, já que Curitiba foi a última capital brasileira a criar uma secretaria da mulher.

A nova secretária terá de lidar, já no início, com o problema da violência doméstica, que não tem sido objeto de muito apreço por parte do governo do estado e, pelo recado passado por Fruet na semana passada, também pela prefeitura.

Em janeiro, veio à tona o caso de uma mulher vítima de estupro coletivo cujo atendimento foi negado pela Delegacia da Mulher da capital, o que deve motivar a abertura de um inquérito pelo Ministério Público Estadual para investigar o trabalho das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam) no estado.

Já o prefeito vetou um Projeto de Lei de autoria da vereadora Maria Goretti (PSDB) que previa acompanhamento psicológico do homem autor de violência doméstica. O projeto foi aprovado em segundo turno ainda durante a gestão de Luciano Ducci (PSDB), mas Fruet impôs o veto com a alegação de que uma iniciativa do gênero é de competência do Executivo, e não do Legislativo, e de que o programa criaria despesas não autorizadas em lei. [O veto ocorreu após a realização da entrevista]

A cidade, que é a 58ª cidade brasileira mais violenta – entre 97 com mais de 26 mil mulheres – para a população feminina, também não aderiu ao Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, e, portanto não recebeu recursos disponibilizados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) do governo federal. Para ter acesso a convênios, é preciso protocolar a adesão e enviar projetos.

Diante de tal fato, o movimento de mulheres pretende pressionar a secretária para que o tema tenha maior importância durante a nova gestão. Em entrevista ao blog, Roseli prometeu elaborar projetos com o intuito de angariar verbas junto ao governo federal, do mesmo partido que o seu, por meio da SPM.

Entre as promessas estão uma nova casa-abrigo, dois centros de referência para atendimento de mulheres vítimas de agressão, mais capacitação de profissionais da prefeitura que atendem os casos e a criação de um protocolo de atendimento para acompanhar as denúncias e compilar as informações que são geradas a partir dos registros.

Confira a entrevista:

Qual será o foco da secretaria neste primeiro momento?
Vamos aderir ao Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher e seguir as diretrizes apontadas pelo governo federal na área, firmando um compromisso na área de combate à violência contra a mulher, que tem deixado a desejar. Na audiência que tivemos com a ministra da SPM, eu propus primeiramente um projeto de modernização da rede de atendimento da mulher em situação de violência, porque apesar de haver essa rede, de ela estar operando, eu percebi que há lacunas neste trabalho, pois ela opera sem que os órgãos conversem entre si. E há falhas já na porta de entrada, seja na unidade de saúde, seja na delegacia da mulher. Não há um acompanhamento desta mulher, para saber o que ocorreu depois da denúncia. Faltam informações. Aliás, muitas vezes ela chega com a denúncia de ameaça e há um processo, entre aspas, de desestímulo no registro ou na representação. Isso não pode ocorrer.

Qual sua análise da forma como a delegacia vem conduzindo os trabalhos, em especial depois da denúncia de uma vítima de estupro coletivo de que ela não foi atendida pela delegacia?
Eu analiso isso com muita preocupação. Eu não trabalho com questões diretamente ligadas à lei, mas acho que é preciso haver mais sensibilidade no tratamento desse tema. Eu falo como leiga, mas acho que quando a delegacia, ao receber uma denúncia, remete o caso a uma Delegacia de Furtos e Roubos e diz que isso é principalmente uma questão patrimonial, isso é um equívoco. Discordo totalmente da delegada Maritza [Haisi, titular da Deam] nesse ponto. Ela deve ter seus argumentos do ponto de vista legal, questões de encaminhamento e hierarquia, mas a mulher deveria ter sido atendida mesmo assim. Estou cada vez mais convencida de que é fundamental e urgente a capacitação dos profissionais que lidam com o assunto, uma relação mais humanizada, sob a pena de não atingirmos os resultados. A delegada me colocou que estão acompanhando o processo à distância, e eu acho que não deveria ser assim. Deveria ser designada uma pessoa da delegacia da mulher para acompanhar isso de perto.

Qual é o diagnóstico que você faz da rede como um todo, não só da delegacia?
Eu acho que a rede não vem cumprindo com o papel dela. Essa é uma avaliação que é muito fruto das conversas que eu venho tendo com entidades representativas, seja com a OAB, com o movimento de mulheres ou com mulheres agredidas. Quando conversei com pessoas da rede, me pareceu que tudo é muito positivo, que é um mar de rosas, que está tudo 100%, mas quando converso com as mulheres que dependem da rede, o cenário é outro. Eu visitei uma mulher que foi violentada, e ela me disse que o atendimento na delegacia, no IML, até o atendimento por psicólogos na FAS [Fundação de Ação Social, da prefeitura] é deficiente, não está funcionando. E ela é uma mulher esclarecida, de classe média. Imagine como deve ser quando a mulher é mais humilde, menos favorecida do ponto de vista econômico e da informação.

O que precisa ser revisto?
A primeira questão é a forma como a rede se reúne, como as reuniões acontecem. Dos relatos que recebi, me parece que o local tem sido usado mais como espaço de palestras do que de análise de procedimentos e de casos. Precisamos rever isso. A rede, nos últimos anos, tem se reunido mais para debater um tema do que para agir. Não que debater não seja importante, mas quando você tem um dado de que houve 76 estupros na cidade em 2012, a rede deveria operar para rever seus protocolos, seus encaminhamentos, porque o que está sendo feito não está funcionando. Temos de analisar os casos concretos, ao invés de apenas debater, fazer falas. A reflexão é importante, mas é preciso ser crítico e agir mais.

Quanto ao Conselho Municipal da Condição Feminina, o que precisa mudar?
O diagnóstico, de novo, pelo que me passaram, é de que há um mau funcionamento do conselho, o não cumprimento de sua função. Não há representação democrática. Há um projeto para mudar o nome, mas é preciso mais do que isso, é preciso reestruturar o conselho, permitir maior controle social. Percebo que muitos grupos não se sentem representados ali. Pretendo, ainda no primeiro semestre, discutir essas questões através do encaminhamento de um Projeto de Lei à Câmara de Vereadores para que ele tenha sua função mudada, para que deixe de ser apenas consultivo e passe a ser deliberativo. O conselho é o espaço por excelência em que nós podemos dialogar com os movimentos de forma institucional. [Hoje, o conselho, criado em 1984 por um Decreto do pai de Gustavo Fruet, o ex-prefeito Maurício Fruet, é apenas consultivo]

Qual sua avaliação sobre o Centro de Referência de Atendimento à Mulher? Qual o projeto da secretaria para ele?
A estrutura está bem deficitária. Hoje, o centro é administrado pelo estado e a prefeitura garante o atendimento psicossocial. Sabemos que há demanda, por isso queremos criar mais centros, sob a administração do município. E queremos que seja focado na mulher como um todo. Hoje o centro estadual trabalha muito afinado com os CRAS [Centro de Referência de Assistência Social], mas às vezes há um conflito de interesses, porque a assistência social do município trabalha com um olhar voltado muito para a família. Isso é bom, mas eu defendi, inclusive junto à SPM, que haja uma mudança de foco. Não podemos ver a mulher apenas como mãe, mas sim como um todo; não só como chefe de família, arrimo de família, dona de casa. É preciso olhar para seus aspectos físicos, emocionais, pessoais.

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E quantos centros seriam? De onde viriam esses recursos?
Seriam dois, e já há sinalização do governo federal quanto a isso. Depende do envio de projetos da nossa parte. Também é preciso que a prefeitura entre com a com o local, que poderia ser junto às Ruas da Cidadania, e então eles aportariam recursos para a construção, além de garantir os equipamentos e a capacitação de profissionais. A princípio, seria um na região sul, que é onde se concentra a maioria dos registros de casos violentos, e outro na região norte.

O pessoal cedido pela prefeitura ao estado continuaria trabalhando no centro que já existe, o administrado pelo estado?
Sim, é preciso deixar claro que esse pessoal continuaria a serviço do centro estadual. Não vamos abrir mão dessa parceria com o estado. Pretendo abrir um diálogo com a Seju [Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado do Paraná, que administra o centro] para saber como o atendimento pode melhorar, porque hoje ele é deficitário, mas esse pessoal será mantido.

E quanto às casas-abrigo? Hoje, muitas mulheres têm de fugir para se esconder dos maridos, enquanto a lei garante que sejam protegidas nesses locais.
Temos um projeto em relação às casas-abrigo. Os editais para o envio de projetos abrem no dia 1.º de março, e eu pretendo registrar um projeto em relação a uma casa-abrigo e aos dois centros, além de outros dois, um que trate da capacitação de pessoal e outro que crie uma ouvidoria municipal, que eu pretendo criar em parceria com as universidades, que têm experiência na área de coleta de dados. Quero mandar logo que a inscrição abrir, porque os que chegam primeiro são analisados primeiro. A sinalização da secretaria foi muito positiva.

Henry Milléo/ Agência de Notícias Gazeta do Povo

Mas esses projetos dependerão da adesão ao Pacto.
Sim, mas isso será rápido. Iremos elaborar um protocolo de adesão, e eu trabalho com a meta de que isso seja feito antes da abertura dos editais.

E qual será o aporte de recursos?
A secretaria me colocou que serão liberados em torno de R$ 300 mil para cada projeto, e eu pretendo trabalhar com a meta de R$ 2 milhões para os seis projetos que pretendemos inscrever. Trabalho com esse valor porque não serão abertos editais em 2014, pois os planos são bianuais. A secretaria não abrirá mais editais anuais. O ano que vem será apenas para a execução dos projetos aprovados este ano, então não quero desperdiçar a chance de inscrever todos este ano.

E como você pretende trabalhar com a região metropolitana, uma vez que mulheres de municípios vizinhos buscam a ajuda de Curitiba e utilizam a estrutura da capital?
É preciso envolver a região metropolitana. Eu tenho essa visão desde a época em que participei do Fórum de Vereadores da Região Metropolitana, quando fui vereadora junto com o André Passos. Como estamos nessa fase de elaboração de diagnóstico, pretendo estabelecer um diálogo com outros municípios para que criem também a sua própria secretaria, já que praticamente 100% deles não têm esse órgão. Já recebi mensagens de vereadoras de Colombo, de Araucária, de Pinhais pedindo que a gente vá até as cidades contagiar as pessoas sobre a importância de uma secretaria. Quero pedir uma reunião com a Assomec [Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Curitiba], com o prefeito Luizão [Goulart, do PT, eleito presidente da associação e prefeito de Pinhais] para estimular os prefeitos a colocar este tema nas suas agendas de trabalho.

Como você lida com o machismo que ainda existe nos partidos, mesmo os de esquerda? Como convencer os colegas secretários sobre a importância da secretaria?
Estou até me surpreendendo. Já conversei com outras secretarias e mostrei que ela será uma articuladora dos programas que se dirigem à mulher. A secretaria não pode ser vista como uma ameaça, mas como uma parceira em relação aos programas que são voltados às curitibanas e que não estão tendo resultado. Conversei, por exemplo, com o secretário Adriano Massuda [secretário municipal de Saúde], que recordou a passagem dele pela secretaria-executiva do Ministério da Saúde, e ele me disse que em várias ocasiões o ministério foi pautado pela SPM, e que ele quer que esse modelo se traduza aqui. Isso é extremamente positivo. Acredito que a relação será amistosa. Não poderá haver disputa, isso tem de ficar claro.

Qual é o orçamento para a secretaria? Criar uma secretaria já simboliza algo, mas não pode ficar só no papel. Como está essa questão?
O orçamento é zero. Mas como eu sempre digo, temos de ser ousadas. Não podemos nos satisfazer só com a criação da secretaria. Existem questões técnicas que podem fugir à compreensão das companheiras, mas eu tenho tentado deixar claro que a secretaria foi criada por decreto e que é necessário mandar um projeto de lei à Câmara de Vereadores para que a secretaria passe a fazer parte da estrutura da prefeitura e tenha maior segurança, já que decreto pode mudar, mas com uma lei é mais difícil. Quando houver a discussão do Plano Plurianual (PPA), para os próximos quatro anos, a discussão da LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias], entre setembro e outubro, e do orçamento, no fim do ano, eu irei participar. Quero essa garantia de participação no orçamento.

E quanto à sede? Onde a secretaria irá funcionar? E quais as áreas prioritárias de atuação?
A princípio, a sede funcionará no Palácio Garibaldi, ali no Largo da Ordem. Isso é o que foi acordado com a Secretaria de Governo ao qual ainda estamos vinculados. Seria fantástico, pois vamos desenvolver muitas ações em parcerias com a Fundação Cultural de Curitiba [órgão municipal, que detém o prédio]. Espero que não haja nenhuma mudança quanto a isso. A princípio, haverá quatro coordenações temáticas: a de Enfrentamento da Violência, outra da Saúde e Educação e uma que trate da questão da mulher e o mundo do Trabalho, além de uma coordenadoria de elaboração de projetos para fazer o diálogo com a SPM.

Quando se fala da questão da mulher, sabe-se que há categorias dentro desse mundo, como as lésbicas, as transexuais e travestis, as prostitutas e as negras, que sofrem um preconceito ainda mais renhido. Qual será o olhar da secretaria para essas mulheres?
Eu sempre tive um diálogo com o Grupo Liberdade, da Carmem [Costa, que criou a primeira associação de trabalhadoras do sexo da capital], que trabalha com as prostitutas, isso desde muito tempo. Inclusive quando fui pró-reitora [de Recursos Humanos e Assuntos Estudantis] da UFPR, estabeleci diálogo com o Grupo Esperança [que defende os direitos de travestis e transexuais] e com o Grupo Dignidade [de defesa da comunidade LGBT], e continuo à disposição para o diálogo. Não posso ir contra a minha própria história. Quero conversar com esses movimentos, inclusive com os homens homossexuais, que são uma minoria e também sofrem com isso. Vamos trabalhar com a mulher, mas não vamos nos esquecer de outros segmentos que também sofrem com o preconceito.

Qual sua posição em relação ao aborto? Hoje, esse direito ainda é negado às brasileiras em sua plenitude.
Este é um tema polêmico e mesmo dentro do PT nunca houve e não haverá consenso. Eu sou a favor da descriminalização para todos os casos. É uma questão de saúde, de cuidado com o corpo da mulher. Por um lado, eu diria que sou contra o aborto, pessoalmente não faria. Mas entendendo e respeitando o contexto de cada mulher, eu acredito que isso tem de ser tratado como uma questão de saúde, não pelo enfoque religioso. Eu tenho tranqüilidade para falar que sou a favor da descriminalização.

A secretaria terá força para se impor e pautar a prefeitura?
Quero que a sociedade tenha o entendimento de que esse não será um prêmio de consolação para o partido, não pode ser um prêmio de última hora para o PT. Há quem me pergunte se o prefeito criou a secretaria para mim. Não, ele criou para as mulheres, havia um compromisso com o movimento de mulheres de Curitiba. Agora, precisamos apresentar projetos e buscar unir forças, sob pena de sermos apenas uma estrutura a mais, a ser cobrada pela incompetência. Que a gente possa dizer, o ano que vem, para a sociedade e para vocês, da imprensa, que, apesar do pouco que recebemos num primeiro momento, das condições em que assumimos, fizemos algo, conseguimos avançar.

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