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Anatomia de um pega trouxa
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Como sou uma pessoa desocupada, estava eu, lépido e fagueiro, dando uma olhada na timeline do Facebook e deparei com a seguinte atualização patrocinada.

Apesar de o post estar marcado com a tag “patrocinado” isso não impediu que diversas pessoas comentassem, compartilhassem e curtissem. Milhares delas.

Para quem não viu o filme Sem Limites, o sujeito toma uma pílula que o ajuda a usar uma porcentagem bem maior de sua capacidade cerebral, obtendo diversas vantagens em relação aos outros pobres mortais: ele ficou mais esperto, mais rico, mais conquistador, mais tudo.

Apesar de imaginar do que se tratava, como não tenho nada para fazer nessa minha vida de aposentado, cliquei no link mesmo assim, pois já tinha visto outras propagandas de produtos que, embora prometessem dilatação de outras partes do corpo que não o cérebro, usavam da mesma técnica de venda.

Deparei com o seguinte, nesta página (link com “nofollow” pra não ceder autoridade de SEO):

Note a preocupação de fazer toda a informação parecer legítima.

A ideia é permitir que a vítima do golpe, que deverá clicar no link para a página de venda (também com “nofollow”) no final, se subsidie com informações que confirmem suas expectativas de uma forma convincente e aparência verdadeira.

Um frasco custa a módica quantia de 6 vezes R$ 24,98.

Note que há uma logo que parece ser da conhecida revista Men’s Health, mas não é. Há no cabeçalho uma oferta de assinatura e links para login (que não funcionam).

Aí, os “vendedores” colocam a carta dos cientistas na mesa de apostas:

A tentativa de fazer toda a coisa parecer legítima continua. Note o uso do termo “cientistas”. Sempre que você vir isso, se pergunte: que cientistas, de onde, quais os nomes deles e de que área são. E faça uma pesquisa no Google. Se forem cientistas mesmos há registros de artigos científicos deles indexados.

As pistas de que se trata de uma enganação continuam:

Está certo que, com a ausência dos revisores, as revistas e jornais impressos cometem cada vez mais bisonhos, mas normalmente eles têm mais a ver com uma digitação errada ou uma edição que deixou uma preposição esquecida em algum lugar em que não devia estar. Mas mesmo o jornalista mais analfabeto do jornaleco mais furreba não confunde “sob” com “sobre” como no exemplo acima.

Aí, a página capricha: usa uma imagem de um exame de tomografia de um usuário (o usuário 214) sob o efeito da milagrosa droga:

Bastou uma pesquisa no Google Images (para quem usa o Chrome, basta clicar com o botão difeito sobre a foto e selecionar “pesquisar esta imagem no Google) para descobrir que, na verdade, a tomografia computadorizada se refere na verdade a um cérebro sob o efeito do álcool a esquerda e um cérebro sem álcool à direita.

A imagem foi tirada deste site, mas certamente não é a fonte original. Outra indício de golpe é a Unidade de Neurociência da UFRJ que parece como fonte da imagem. Em outra parte do texto ela é citada como Instituto de Neurociênia da UFRJ. Se você procurar isso no Google, adivinhe o que você encontra.

Pra mim, esta foi a parte mais divertida do golpe e uma das mais caras de pau: usar uma imagem de um cérebro alcoolizado e outro não para demonstrar os efeitos da droga.

Mas espere. Tem mais. Para garantir que o produto funciona, o editor chefe da revista experimentou o produto:

Se você fizer uma pesquisa no Google sobre um jornalista chamado Carlos Ferreira que seja editor-chefe de uma revista mensa qualquer adivinhe o que você encontra? Nada.

Mas vejamos o que esse ser inexistente sentiu:

Não existe droga sem efeitos colaterais. Nem aspirina. Tampouco uma droga que ofereça efeitos tão poderosos como querem fazer crer os bem intencionadíssimos donos da página.

Outra coisa que as páginas desse tipo de produto, feitos para pegar trouxas, gostam de fazer é dizer que um produto é 100% natural.

Isso passa uma sensação de segurança para aqueles que já estão tentados a comprar o produto.

Além de não dizer os componentes, afirmar que algo é 100% natural não significa nada.

Cicuta é 100% natural e, pelo que consta, andou matando pelo menos um filósofo na Grécia.

Sempre que um produto usar o termo “100% Natural” pode acreditar que é algum tipo enganação. Ovo podre é 100% natural também e nem por isso você põe na boca.

Provavelmente, a droga deve ser composta por coisas como Guaraná e Ginseng, que não provocarão nenhum tipo de mal efetivamente, mas por outro lado que não correspondem aos efeitos oferecidos ou ao preço cobrado.

Não bastasse isso, há a sessão de comentários com “pessoas de verdade” falando maravilhas sobre o remédio:

Claro, claro. Os avatares nem foram pegos de alguma rede social sem autorização das pessoas. Note também que o “Dionísio” e o “Miguel” são gêmeos. Usam até os mesmos óculos e camiseta e estão na mesma posição

Na barra lateral, para dar credibilidade, há diversos depoimentos de clientes satisfeitos:

Pela descrição do produto feita pelo sr. “R. Marques”, a coisa parece mais com cocaína.

Eu desafio você a encontrar qualquer coisa sobre esse produto, que atende pela alcunha de “Neurofos”, na Anvisa.

Na verdade, se esse produto tiver apenas coisas como ginseng, guaraná ou coisa que o valha, nem precisa de permissão oficial para ser comerciado. Em tese, nesse sentido, a empresa responsável não está cometendo nenhum crime, além de propaganda enganosa o que, por si só, já é grave.

E, para completar, finalmente, eu atualizei a página, clicando em F5, e ela carregou com outro layout:

 

A mesma matéria, o mesmo texto e os mesmos comentários. E o editor-chefe? Ele mesmo! Carlos Ferreira.

Por que fiz este post

Por mais que para boa parte de nós seja óbvio que este produto seja um golpe, uma tentativa de lucrar com a venda de alguma pílula que, na melhor das hipóteses, é inócua, para muitas pessoas mais ingênuas a oferta parece bastante tentadora, com a promessa de ganhos incríveis.

O padrão desta página que analisei é o mesmo em diversos outros golpes e produtos de má fé que aparecem muito comumente nos anúncios do Facebook. Eu escolhi esse “Neurofos” mas poderia ter escolhido qualquer outro para analisar.

Portanto, divulgue este texto para seus amigos porque você pode poupá-lo de gastar dinheiro à toa.

O mais engraçado desse tipo de “marketing” tão comum na internet é que ele lembra aquelas carroças do velho oeste que iam às cidadezinhas com algum xarope milagroso.

Com ajudantes na plateia, que afirmam ter recebido os benefícios do produto, o golpista vende diversas unidades e, depois, some com o dinheiro e nunca mais aparece.

Os clientes ficam com as garrafas, cheias de água doce colorida.

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