• Carregando...
Leonarda Glück responde a artigo equivocado sobre transexualidade
| Foto:

Condescendência é uma forma equivocada de colocarmos nossos valores, experiências e conhecimentos acima dos das outras pessoas e ainda munir qualquer tipo de posicionamento com uma aura de falsa bondade.

Sem falar na forma como já categoriza o outro em uma suposta incapacidade de responder a altura tirando-lhe, desde o início, a voz.

Esta característica foi a que mais me incomodou no artigo Criminosa Crueldade, de Carlos Ramalhete, nesta Gazeta do Povo.

Pensei em eu mesmo responder esse artigo que é eivado de preconceitos e que revela como é perigoso escrever sobre um tema do qual não se tem um mínimo de conhecimento, sob o risco de atentar contra a boa prática jornalística.

Nele, o articulista Carlos tenta demonstrar como as pessoas transexuais jamais serão aceitas pela população e como elas vêm sendo usadas para “atacar a sociedade”, fazendo comparações esdrúxulas entre estas e pessoas que sofrem de anorexia ou vigorexia.

A resposta, no entanto, fica com uma pessoa que tem mais autoridade sobre o tema, a atriz Leonarda Glück.

Segue a resposta de Glück:

A criminosa crueldade de um ramalhete sem flores

Venho por meio deste espaço, gentilmente oferecido a mim por meu amigo Alessandro Martins, manifestar o meu mais completo e intransigente horror mesclado com náusea furibunda ao ler a coluna intitulada “Criminosa Crueldade”, onde se pode ler a “opinião” – cara, já que embalada para ser vendida – do Sr. Carlos Ramalhete, cujas flores ficam apenas no sobrenome, no jornal Gazeta do Povo do último dia 21 de abril. Pois bem, já que na referida coluna o Sr. Ramalhete parece ter predileção pela vulgaridade dos achismos em vez de procurar buscar dominar minimamente o assunto do qual está tentando tratar, seja acadêmica ou cientificamente, lá vou eu, imbuída da minha opinião sobre o assunto, que considero mais pertinente e, portanto, mais válida que a sua, já que sou, eu mesma, uma mulher transexual, dramaturga, atriz e diretora teatral da cidade de Curitiba, onde mantenho junto com meu coletivo artístico o espaço cultural Casa Selvática, que alguns por aí já devem ter ouvido falar.

Sr. Ramalhete, a única campanha cara e bem coordenada que vem sendo posta em prática em nosso país é aquela da qual o senhor faz parte: a campanha pela desnutrição mental de uma população que, sistematicamente sem educação, não só não tem nada a ganhar como tem tudo a perder. É bastante triste que um jornal, com a veiculação que a Gazeta do Povo tem, ceda seu espaço para uma tal criatura sem eira nem beira, sem informações precisas a oferecer (vale lembrar: papel primevo de um jornal), patrocinando e inflando um cérebro (se não um ego) que está murcho e que há muito tempo não tem o que produzir de bom para a sociedade, que não lixo virtual ou papel para embalar peixes.

Sr. Ramalhete, o transtorno de identidade de gênero é uma disforia (recentemente a OMS anunciou que deixará de considerar a transgeneridade um distúrbio em seus quadros), um desconforto que pode causar o total desajuste social da pessoa envolvida e/ou até mesmo levá-la à morte. Não é brincadeira de moleque bandido para que o senhor faça piada de péssimo gosto enfeitando com sua horrenda foto de cachimbinho no canto da boca se passando de Sherlock Holmes das araucárias, simplesmente porque você não entende do assunto e, preguiçoso, não foi procurar gente especializada para ajudá-lo. Comparar este transtorno com o problema da anorexia (um grave distúrbio alimentar) é tão aberrante quanto colocarmos o povo do Paraná para pagar para ler as suas completas sandices sem fundamento de pessoa recostada na cadeira porque já perdeu o gosto pela vida.

Existem instituições, ONGs e associações de pessoas travestis, transexuais e transgêneros ativas espalhadas pelo país todo e fora dele que, como eu, repudiam veementemente que a falta de cérebro do senhor se espalhe como rastilho de pólvora por um dos maiores jornais do estado do Paraná, onde eu nasci. Por último: não gostar de si mesmo é humano, é passível da humanidade e está previsto na raça desde tempos imemoriais, exatamente como o senhor parece praticar em relação a si próprio, porque, vamos e venhamos, para queimar a cara publicamente dessa forma, não é por gostar de si mesmo que o senhor faz isso. Sr. Ramalhete, criminosa crueldade foi este artigo de pouco luxo que o Sr. teve a indolente desfaçatez de escrever.

Passar mal, mas realmente muito mal, Sr. Ramalhete. E que recaia um último fio de iluminação sobre o jornal da Gazeta do Povo para que repense o que diabos está fazendo uma criatura tão ardilosa, vil, pusilânime e que, além de tudo, escreve pior do que uma criança de quatro anos de idade. Vamos crescer e ajudar o povo do Paraná e do Brasil a crescer, Gazeta do Povo?!! Ou, talvez, quem sabe, assumir o fim logo de uma vez?

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]