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O ídolo e o manco
| Foto:
Emi Hoshi/Clix/Divulgação
Leandro Daniel Colombo estrela o monologo The Cachorro Manco Show.

The Cachorro Manco Show não é uma comédia stand-up. Embora o microfone esteja a postos, Leandro Daniel Colombo seja o único ator em cena, fale nominalmente a uma suposta espectadora, provoque risos e destile alguns preconceitos.

Contador de histórias em troca da acolhida humana, sua saga começa como o mascote que vigia o tecer de Penélope na espera sem fim por Ulisses. O dono lhe desperta a fidelidade canina; a moça, asco. São os mesmos dois sentimentos que dedicará aos outros personagens com quem cruza em sua longa história.

Por mais que o texto tenha contundência, é pela energia expressiva da fala e da linguagem corporal do ator curitibano que o monólogo cresce. A mancha escura no rosto, um discreto arfar e a posição aludindo o rabo entre as pernas são o bastante para deixá-lo na transição sugestiva entre um cachorro e um homem.

A ambientação colabora com poucos mas decisivos elementos. Ao abandonar as muletas uma a uma em pé, como o microfone, e igualmente sob focos de luz, cria-se um paralelo entre eles. O letreiro com o nome do espetáculo não resiste inteiro ao primeiro mancar do cachorro pelo palco. Ao contrário de uma comédia stand-up em que letreiro e microfone fariam sentido, e substituindo o humor rasgado dos shows, a visão de mundo do personagem canino é corroída pela acidez.

Emi Hoshi/Clix/Divulgação

Quem dirige Leandro Daniel Colombo no monólogo é Moacir Chaves – e não Paulo Biscaia, como ficou registrado no guia do festival. o ator, no entanto, pode ser visto sob a direção do líder da companhia Vigor Mortis em outro espetáculo em cartaz no Fringe, o provocativo Manson Superstar.

Aficionado pelo caso, Biscaia comanda a encenação em que o assassinato da atriz Sharon Tate pela gangue de Charles Manson é mostrado pelo viés da idolatria: como o amor ou a amizade por um sujeito carismático – como um rocksar – pode levar jovens, ainda em busca de um grupo ou uma filosofia que dê sentido às suas vidas, a cometer atos injustificáveis. Ressoam os versos “with a little help from my friends” e “I need somebody to love”, dos Beatles.

Ainda que sanguinolenta, a montagem se desvia do universo trash cômico de trabalhos anteriores da Vigor Mortis para encontrar um novo tom de realismo, ou como foi batizada, um “documentário musical”. Os diálogos são reduzidos, e o diretor e dramaturgo opta por mantê-los em grande parte em inglês, respeitando o ambiente onde os fatos aconteceram e o estilo musical envolvido.

Leandro Daniel Colombo se encarrega de interpretar o então marido de Sharon e pai do filho que ela esperava, o cineasta Roman Polanski. Mas a figura mais enigmática e sedutora é vivida por Andrew Noll. Polanski e Manson, aliás, dividem uma das cenas mais impactantes do espetáculo e que sintetiza sua essência pela plasticidade com que reveste o horror. As facas que o diretor de O Bebê de Rosemari deixa cair são apanhadas no ar, mas em outro plano, por Manson, que ensina a seu discípulo Tex como cravá-las coreografadamente contra a carne das vítimas.

A matança em vermelho que chocará o público só acontece depois que as motivações do crime forem sugeridas, e a imagem dos rostos reais envolvidos nos assassinatos serão mostradas enfim, como maneira de restituir à realidade brutal os atos cometidos.

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