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Odontologia e ética
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Os tribunais brasileiros abrigam hoje pelo menos 240.980 processos judiciais na área de saúde.

Os profissionais da Odontologia têm sido alvo de um número cada vez maior de processos éticos.

O cirurgião-dentista baseia a sua atuação na lealdade e no compromisso com a busca da melhora do paciente, adotando os melhores meios possíveis no atendimento àquele paciente.

Generalizando, o paciente nos dias atuais não é mais tão “paciente” assim e, ao imaginar que está sendo prejudicado, não terá dúvidas em iniciar um processo contra o profissional.

O Dr. Paulo Roberto Ramos Alves, Doutor em Direito, e professor dos cursos de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina e Universidade de Passo Fundo, vai esclarecer algumas dúvidas:

1- Na sua opinião, quais os principais motivos que levam o paciente a processar o cirurgião-dentista?

Resposta: As demandas judiciais são normalmente motivadas por duas situações: 1) falhas ou erros no tratamento; 2) desgaste na relação profissional x paciente. Entretanto, outro fator de importância que motiva uma grande quantidade de demandas é a ausência de correta explicação ao paciente sobre os riscos e possíveis efeitos colaterais do tratamento dentário. Grande parte das demandas hoje existentes são motivadas pela falta de explicação clara e devidamente documentada no início do tratamento.

2- É possível recusar atendimento ao paciente?

Resposta: Em primeiro lugar deve-se reconhecer que a atividade odontológica se caracteriza como serviço regulado pelo Código de Defesa do Consumidor. Enquanto prestador de serviço, o profissional da área da odontologia não pode recusar atendimento ao paciente, sob pena de caracterizar prática abusiva de acordo com o artigo 39, I e IV do Código de Defesa do Consumidor. No entanto, essa impossibilidade de recusa não é absoluta, pois existem situações particulares que podem impedir o atendimento como, por exemplo, a busca de tratamento que não se enquadra dentre as eventuais especializações do profissional ou, ainda, pela ausência de pagamento contratualmente estipulado.

3- Quanto tempo após o tratamento, o paciente pode processar o dentista?

Resposta: Reconhecida a relação de consumo, o prazo prescricional para o paciente buscar reparação é de 5 anos, conforme artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor.

4- A Constituição Federal de 1988 prevê expressamente a possibilidade de reparação dos danos materiais e morais. O Código de Defesa do Consumidor e o próprio Código Civil atual trazem normas que, em comparação com o sistema normativo anterior, ampliam os direitos dos pacientes e, ao mesmo tempo, acrescem deveres aos profissionais. Essa lei não prejudica os dentistas, sendo que cada organismo reage de uma forma?

Resposta: Tal questão é extremamente delicada, pois é necessário analisar a responsabilidade do profissional da odontologia sob a perspectiva da existência ou não de culpa. A regra geral da legislação civil brasileira é a chamada responsabilidade civil subjetiva, na qual haveria a necessidade de o paciente comprovar a culpa do cirurgião-dentista para fins de sua eventual responsabilização. Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor, em que pese tenha estabelecido a possibilidade de responsabilização sem culpa para o fornecedor (responsabilidade objetiva), resguardou as atividades próprias de profissionais liberais como igualmente sujeitas à necessidade de comprovação de culpa. Essa lógica protege tanto o paciente como o profissional pois, para que seja possível a reparação, o paciente necessariamente deverá comprovar que o cirurgião-dentista agiu de modo omisso, negligente ou imprudente e, em razão dessa ação, tenha lhe causado alguma espécie de dano.

5- Um assunto em evidência atualmente, é se os dentistas estão ou não invadindo a área médica, qual sua opinião? No caso de um processo nesses casos, que será perito um médico?

Resposta: A primeira pergunta que o cirurgião-dentista deve fazer antes de realizar algum procedimento que não lhe é usual é se aquele procedimento encontra-se previsto dentre os permitidos pela legislação estatal e pelas normas do Conselho Federal de Odontologia. Atualmente existem procedimentos/tratamentos que sem qualquer dúvida ultrapassam a formação própria do curso de odontologia e ingressam na esfera da medicina. Ainda que as duas áreas sejam próximas em certos aspectos, o dentista não pode realizar procedimentos que não lhe sejam próprios, sob pena de caracterização de exercício irregular da profissão e, consequentemente, sujeitando o agente à pena de detenção pelo período de seis meses a dois anos e, ainda, se o crime é praticado com o fim de lucro, a aplicação acessória de multa, conforme previsto no artigo 282 do Código Penal. No que diz respeito à perícia, o perito nomeado será um médico quando a demanda judicial disser respeito à atribuição da área. Caso a demanda envolva estritamente discussões odontológicas, o perito será um cirurgião-dentista.

6- Como o cirurgião-dentista pode se prevenir de pacientes com má-intenção?

Resposta: A melhor forma de precaução pelo dentista é o prévio esclarecimento do paciente em relação ao tratamento. Esse esclarecimento diz respeito às condições particulares da dentição do paciente, técnica a ser empregada, materiais utilizados, tempo de duração, possíveis efeitos colaterais do tratamento, etc. É necessário que tais informações sejam devidamente documentadas por meio de contrato de prestação de serviços odontológicos, termos de consentimento e responsabilidade, termos de ausência assinados pelo paciente quando deixa de comparecer à consulta agendada, correta anotação dos procedimentos em prontuário clínico, além de exames que demonstrem a evolução do tratamento.

7. A responsabilidade civil envolve a expectativa do paciente ou somente a técnica usada de forma correta ou não?

Resposta: A regra geral é que a responsabilização recaia sobre falhas no procedimento em razão critérios técnicos, no entanto, a expectativa do paciente será levada em consideração quando fizer parte da relação contratual. Isso ocorre quando o cirurgião-dentista convence o paciente de que ele terá um resultado específico e satisfatório com o tratamento realizado.

Caso essa expectativa não se concretize, o profissional poderá vir a ser responsabilizado, pois se sujeitou a uma obrigação de resultado.

8. Quando o cirurgião-dentista elabora termo de consentimento informado sobre eventuais prognósticos não favoráveis ao paciente, ele está completamente seguro em relação a eventuais reclamações posteriores?

Resposta: Na perspectiva jurídica não é possível afirmar uma completa segurança, pois podem existir outras provas que venham a desacreditar o termo de consentimento informado ou se sobreponham a ele. Deve-se mencionar também que a correta informação ao paciente não exclui a responsabilidade decorrente de ações realizadas com imprudência, negligência ou imperícia por parte do profissional. Ainda assim, a prévia ciência do paciente quanto à possíveis prognósticos não favoráveis maximiza as possibilidades de defesa do profissional em eventual demanda judicial.

9. Nos casos em que o tratamento envolve atividades de terceiros, os dois profissionais respondem ou somente o dentista?

Resposta: É sempre necessário analisar com quem a relação contratual é mantida. Podemos imaginar casos onde o paciente mantém mais de uma relação contratual para determinado tratamento (tratamento ortodôntico e realização de cirurgia ortognática, por exemplo) e outros casos onde as relações jurídicas secundárias são mantidas pelo dentista e terceiros (protético, por exemplo). No primeiro caso, havendo múltiplas relações contratuais entre o paciente e diversos cirurgiões-dentistas, cada um responderá na medida de sua culpa. Já no segundo caso, quando o profissional contrata diretamente atividades de terceiros (como o caso de protéticos) para a realização do tratamento, apenas o cirurgião-dentista responderá.

Nesse caso, o paciente não mantém uma relação contratual direta e voluntária com o terceiro e, sim, com o dentista, sendo este responsável por eventuais danos a que o paciente venha a sofrer, mesmo que causados por terceiros que participaram de alguma forma do tratamento.

Caso isso aconteça, o cirurgião-dentista, após indenizar o paciente, pode buscar reparação com o terceiro responsável por meio de uma ação regressiva.

A lei sempre é o melhor caminho, em todas as áreas profissionais!

Por Karen Petrelli de Castro

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