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Cristiano Araújo: famoso depois de morto
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Em janeiro deste ano, vários jovens, via Twitter, perguntaram “quem era esse tal de Paul McCartney” quando o baixista dos Beatles anunciou que iria gravar com o rapper norte-americano Kanye West. “Ele deve ser grande, hein”, escreveu uma garota. Parte do mundo virtual ficou indignado. Afinal, onde viveriam estas pessoas?

Durante todo o dia de ontem, no meu círculo de amigos e colegas de trabalho, a pergunta foi “quem é Cristiano Araújo?” Isso enquanto a Globo interrompia a Sessão da Tarde (pela terceira vez em dois anos) para continuar a repercutir a morte do cantor e de sua namorada, Allana Moraes. Em que mundo vivemos?

A cobertura intensa justifica-se, em parte, pelas circunstâncias trágicas do acidente, da idade dos mortos (29 ele, 19 ela). E acaba por escancarar o abismo cultural existente no país (que às vezes se intersecciona com o abismo político, agora travestido de bipolaridade, e o econômico, até agora sem remédio).

A crítica cultural nunca esteve tão descolada da indústria. Mea culpa: escrevemos, basicamente, sobre produtos dos quais gostamos. É um privilégio conquistado, mas que reflete bolhas de consumo, às vezes traduzido como preconceito cultural.

Por outro lado, a carreira de um jovem cantor sertanejo se constrói sozinha, sem a necessidade de legitimação por parte da crítica. Há uma indústria paralela que se apropriou do gênero outrora ingênuo, caipira, e muito, muito público. Isso faz a roda do rodeio andar. Na lista de álbuns com mais downloads no iTunes, diz matéria do El País, cinco dos 15 são de música sertaneja. Não conheço nenhum. Talvez você também não.

Se os comentários sobre Paul (73 anos, um dos maiores músicos do planeta) denotam simplesmente ignorância, o desconhecimento sobre quem é Cristiano Araújo (29 anos, autor de “Bará, Berê”), para além de questões musicais e estéticas, revela a força brutal da indústria sertaneja do entretenimento (gravadoras, programas de tevê, publicidade específica, casas do ramo). Porque, como disse uma colega de jornal, não é tão fácil assim fazer alguém famoso depois de morto.

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