• Carregando...
No estúdio com Lemoskine e John Ulhoa: Curitiba, Sexo Explícito e as novidades do Pato Fu
| Foto:

Passava das 19 horas quando chegamos ao estúdio Off Beat, que fica em uma rua tranquila do Campo Comprido, bairro da zona oeste de Curitiba. A entrevista com John Ulhoa estava marcada para as 18h30 daquela terça-feira, mas o trânsito empacado, já típico da cidade, atrasou tudo.

Eu, Mateus Ribeirete e o motorista do táxi em que estávamos praguejamos protocolarmente, como sempre acontece nestes casos. Pequena sorte, entretanto, foi ter a companhia de Morrissey, que no rádio do carro cantava “The First of the Gang to Die.” A música até combinava com o do pôr do sol outonal e alaranjado, que já muda a cara de Curitiba.

John Ulhoa, que está na cidade para produzir a segunda metade do disco da Lemoskine, recentemente tocou com Gruff Rhys, vocalista da banda Super Furry Animals, de quem é fã. O mineiro foi eleito o melhor guitarrista do ano de 1989 pela revista Bizz. Depois do fim do Sexo Explícito, sua primeira banda de “sucesso”, começou a se dedicar à produção musical. Isso em uma época em que as grandes gravadoras poderiam fazer, como ele mesmo diz, a “carreira de um músico”. Em meio a uma espécie de “turning point” do rock brasileiro, que via nascer Chico Science e Raimundos, fundou a banda Pato Fu, em 1992.

John Ulhoa conhece Rodrigo Lemos, também integrante da Banda Mais Bonita da Cidade, desde os tempos de Poléxia. O mineiro produziu a faixa “Você Já Teve Mais Cabelo”, presente no disco A Força do Hábito (2009). Na entrevista que você lê abaixo, eles falam sobre a cara que está ganhando o primeiro álbum da Lemoskine, as estatísticas realistas que apontam para o insucesso da maioria das bandas e também sobre as novidades da Pato Fu, que completa 20 anos de carreira em 2012.


Rodrigo Lemos e John Ulhoa no estúdio Off Beat, em Curitiba.

Você já produziu discos de Arnaldo Baptista, Zélia Duncan, Wonkavision. O que te faz decidir com quem trabalhar?
John: não sou um produtor em tempo integral. Tenho minha própria banda. Então, meu “sim” depende de uma empatia totalmente genuína com o som e com as pessoas. Não considero esse meu emprego de fato. Quando vou fazer o som de outros, tenho que gostar do som e das pessoas. Se gosto do som, mas os caras são uns malas, não tem condição. Mas eu não coloco meu portfólio como produtor num site, por exemplo. Recebo muito pedido de gente, até escuto o som, mas às vezes digo: “isso não é o que eu faço”. No caso do Rodrigo, a gente se encontrou em shows antes. Eles me deram o disco, achei legal o som. Começou por um encontro, e não o contrário.

Lemos: é, foi algo engraçado. Comecei a fazer alguns singles depois que a Poléxia acabou. Passei um tempo sem lançar nada, aí comecei a mandar faixas de fim de ano, para amigos. Uma dessas eu mandei pro John, na época em que ele estava produzindo o disco da Zélia Duncan. Mandei e-mail pra um porrada de gente, e alguns respondiam. O John foi uma delas. Ele tinha mostrado pra Zélia, ela também tinha gostado. Fui voltando à coisa de “ah, quero ter um outro projeto, gravar e lançar.” Foi uma continuidade. Acho que dependeu bastante disso, de feedbacks de pessoas que estavam próximas, ou que admiro.

A Lemoskine faz um pop com boas referências, arredondado e pronto pra rádio…
John: Pois é. As coisas que ele me mandava, as prés-produções, sempre me davam a sensação de “ixi… e agora? Isso já tá pronto. Vou ter que chegar lá e fazer mais que isso.” O Lemos tem um padrão de qualidade de instrumentos e timbres que é muito elevado.

Lemos: “Yey!”

John: Chego aqui e tenho que tentar fazer o negócio ficar melhor. Mas há vários tipos de produtores. Tem o sujeito que é mais engenheiro, que gosta de ficar tentando achar o melhor timbre de bateria, por exemplo. Eu sou um pouco isso. E tem produtor que é só de clima, aquele que diz, “não, tem que ser mais rock!”, e o cara não saca nada de engenharia de áudio. Tento ser um pouco isso também. Mas de um jeito ou de outro, não sou aquele produtor que some no fim. Tem alguns que produzem um artista, mas você não identifica que ele estava por trás do trabalho. Isso pode ser bom também, mas não sou assim. Acho que quando os caras me chamam pra produzir, eles sabem que o troço vai ter um pouco da minha cara. E acredito que o Lemos gosta dessa cara. Eu deixo um rastro nas coisas que eu produzo, e os artistas têm que gostar disso.

Lemos: a interferência acabou virando o mote maior desse projeto. A Lemoskine deixou de ser uma coisa “Rodrigo tocando e gravando em casa sozinho” pra virar uma banda mesmo. O John tá conhecendo os garotos que tocam junto comigo… enfim, cada um interfere da sua maneira. Quem vai passando por esse universo das canções, vai deixando a sua marquinha, de forma que no fim das contas é algo que saiu de mim, mas é de todo mundo.

Há quanto tempo estão gravando?
Lemos: Começamos a gravar o disco em fevereiro. Fizemos pré-produção de duas semanas apenas. A primeira metade do álbum já gravamos e arranjamos, falta gravar voz. A segunda metade está sendo feita com a produção do John. E provavelmente haverá uma faixa [“Maria Lúcia Estava em Chamas”], remixada, para deixá-la mais no clima do disco. Ao longo da pré-produção fizemos vídeos também. Foram oito ensaios, cada um de uma música diferente. A gente compilava o material e o Vitor Moraes foi editando como se fosse um resumo. Funcionou como um backup. Se eu quisesse lembrar o que aconteceu na música, no arranjo, eu via os vídeos.

Hoje em dia a produção começa dessa forma, com outros elementos e linguagens?
John: hoje parece que é mais importante você ter um disco do que um single. As pessoas escutam música no YouTube. E não é questão de concordar ou não. É como é. Antigamente era importante você ter um single de rádio. Mas vá colocar um single na rádio agora… não existe mais o mecanismo pra isso. A gravadora, por exemplo, que promove, banca. Isso já era. Pra quem está fazendo as coisas com as próprias mãos, é mais importante você ter um vídeo legal no YouTube, porque isso pode se espalhar, do que você ter uma página no Myspace. Mas isso muda muito depressa, no ano que vem pode ser outra coisa. Mas nesse momento as coisas acontecem no YouTube ou no Facebook. Pouca gente está com paciência pra entrar no Myspace pra ouvir novas músicas de alguma banda.


A Lemoskine tinha isso na cabeça, sabia para onde ir nesse sentido?
Lemos: Eu nunca soube pra onde ir (risos). Mas acho que a verve mais legal da Poléxia, por exemplo, sempre foi essa. A gente não se importava em fazer o que todo mundo estava fazendo. E fazemos não de maneira pretensiosa, mas de uma forma que a gente se sinta à vontade, que não se sinta “estuprado”. A Poléxia foi uma banda que fez algumas coisas que na época não estavam rolando aqui. E talvez por isso teve um destaque não só musical. A forma como você mostra… acho que é isso. A forma ficou sobreposta à musica. Ontem estava falando com o John sobre o último disco do Flaming Lips. Os caras não fizeram uma prensagem, fizeram um feto, e na cabeça do feto tem um pen drive. Você ouve por ali. É a maneira de chamar atenção para o seu trabalho. A música, então, é a segunda porta. A primeira é como você vai se mostrar. É impossível você pensar num lançamento sem imagem. Por exemplo, quando alguém vai comprar um disco (veja, as pessoas ainda compram discos. Eu compro disco, risos) elas sentem falta de ter a referência visual.

John: o mais complexo é que as pessoas não tem um “goal” muito claro. O CD é um objeto de desejo de todas as bandas, mesmo hoje em dia. Apesar de as pessoas falarem que ninguém mais compra, as bandas falam: “quero fazer um disco”. É louco porque tem um descompasso entre o objeto de desejo dos músicos e do público. E alguns desses artistas não compram discos, mas querem que comprem o seu.

O lançamento será em CD?
Lemos: Também. Não planejei ainda como a gente vai fazer isso nas várias mídias. Mas com certeza vai rolar um lançamento na internet e um físico.

Como chama o disco, aliás?
Lemos: Toda Casa Crua.

Por que?
Lemos: Não tem um motivo específico. Mas junto com o Vitor, estávamos pensando: várias músicas apontam para o tema casa. Não só a palavra casa, mas estar dentro de alguém, dentro de alguma ideia. E a palavra casa se repete em várias músicas também. E aí rolou uma coisa de ele fotografar a casa de uma amiga, que estava em reforma. Ele me mostrou as fotos sem que eu tivesse pensado no nome do disco. Eu falei “cara, é muito legal.” Tinha reboco na parede, falta de pintura. E a gente achou que tinha a ver.

Quando o álbum será lançado?
Lemos: Até o meio do ano. Não temos muita pressa. A crueza permeia o disco de alguma forma. Tem algumas referências no trabalho de imperfeição, que às vezes são legais. Acontecem coisas do tipo, “pô, gravei, mas não com a sensação de que estava valendo.” E fica bom. Isso tem a ver com a estética do disco, até pela rapidez que estamos fazendo. Não vai ser uma coisa tão “em busca do take perfeito”.

John, qual sua relação com Curitiba? Você tem contato com outras bandas daqui?
John: Não tenho tanto contato. Há bastante tempo, gravamos umas coisas aqui com… uma banda… teve o Charme Chulo também, eles tocaram em alguns shows do Pato Fu. Mas produzi uma banda… ela tinha um nome estranho, isso era no fim dos 90. Não tomei droga nenhuma, mas não lembro… rapaz… tá um efeito Doppler na minha cabeça, “uooooon”, não vou lembrar…

O que a cidade tem de particular?
John: Da outra vez que vim produzir a Poléxia, fizemos um pocket show e um bate papo. E Falamos disso. Das bandas de Curitiba, “quando que vão acontecer, estourar”. Aí eu falei, “mas não teve o Bonde do Rolê?” E os caras, “nãããããão, bonde do role não.” Mas como não? Quando as pessoas não se identificam com aquele som, por algum motivo, vira uma briga entre guetos. Isso é o que rola. Em Minas teve uma onda de bandas pops que fizeram sucesso nos anos 90. Pato Fu, Skank e Jota Quest, e aí o povo do rock indie de BH fez cara feia.
Eu não conheço tantas coisas daqui. Mas é igual a todas as grandes cidades. As reclamações são as mesmas. “Não tem lugar pra tocar, a cena de tal gênero é excluída, tem uma panelinha de não sei quem, as bandas não se ajudam.” Eu ouço isso desde os anos 80. Sou velho, e já era essa mesma merda.


Por que o Pato Fu deu certo?
John: é inexplicável. Quer dizer, tem explicações que você consegue a posteriori. Eu comecei a tocar com 16 anos, isso era 1982. Tive 800 bandas lá em BH. Uma delas durou quase dez anos, que era o Sexo Explícito, e um dos caras dessa banda é meu parceiro até hoje. Eu mudei pra São Paulo, fomos contratados da BMG, Eldorado. Aí eu saí da banda em 1991 e ela acabou um ano depois. Os shows eram legais, as pessoas falavam que achavam massa, tinha uma turma de amigos que gostava. Com as outras bandas que tive era mais ou menos isso também, e aí achava que com música era assim: as pessoas achavam legal e beleza. No começo do Pato Fu, quando mandava demos ou fazíamos shows, as pessoas que ouviam ficavam com um sorriso desse tamanho – John coloca as duas mãos na cara e estica a boca – e eu falei: “putz, acho que fiz alguma coisa. Acho que acertei.” Hoje escuto o som que a gente fazia na época e penso, “pô, que coisa mais improvável.” É um projeto muito improvável que deu certo. Não se explicar. A gente fez alguma coisa que as pessoas queriam ouvir na época. Demos a sorte de aparecer fazendo essa coisa que chamou atenção bem na época que o rock brasileiro estava em transição, na época em que surgiu o Chico Science, Raimundos. As gravadoras estavam começando a por dinheiro nesse tipo de banda. A gente tava fazendo isso bem nessa hora. O Sexo Explícito começou no inicio do boom do rock dos anos 80. A banda, no começo, era muito amadora, muito fraca musicalmente. Quando o Sexo Explícito ficou bom, as bandas de rock estavam se despedindo. E a lambada chegando, lambando tudo. As bandas que sobraram dos anos 80, Paralamas, Titãs e Engenheiros do Hawaii, são as que estavam no mainstream. Nesse sentido a gente deu azar. Mas o Pato Fu fez algo, talvez, óbvio: um som que as pessoas estavam afim de ouvir na época.

Bom-humor, experimentalismo e a Fernanda Takai contribuíram…
John: Mas isso pode dar errado. Parece uma fórmula de anonimato até. Se você tem uma banda, provavelmente ela não vai fazer sucesso. Porque há zilhões de bandas. As estatísticas dizem que ela não vai dar certo. E algumas têm humor, tem uma menina bonita, sei lá. Nessa época eu tinha desistido de tentar fazer uma banda e batalhar, batalhar, ir pra São Paulo, morar lá. Arrumei um emprego, meu primeiro emprego na vida. Eu era sócio de uma loja de instrumentos musicais. Tinha a ideia de que, se não ganhasse dinheiro com música, iria ganhar dos músicos (risos). E aí falei “quero ter uma banda divertida pra cacete.” A Sexo Explicito não era tão legal assim. Fazíamos um som que a gente gostava, mas brigávamos com o público. Quando surgiu o Pato Fu, a primeira coisa que pensei foi: “quero que seja uma banda divertida pra cacete. Se fizermos dois shows e eles não forem divertidos, tá errado.” E aí rolou. Era pra funcionar só no fim de semana, mas a reação das pessoas era muito diferente de qualquer outra que já tínhamos visto antes.

E o Patu Fu, novidades?
John: estamos chegando aos 20 anos, né. A gente fez o Música de Brinquedo — leia entrevista e resenha aqui. Teve show ao vivo, foi incrível. Parecia uma viagem de ácido “mucho louca” em um universo infantil, com aspirina e bala de goma. No lugar das crianças colocamos uns monstros. As crianças não podem entrar em turnê, né. Isso era um dos principais problemas. Tinha o problema técnico dos brinquedinhos no palco também, porque em estúdio eles são controláveis, mas no palco é uma desgraça muito maior. Pensamos: vamos fazer um ou dois shows, em BH, e tivemos ideias de colocar os monstros do Gira Mundo, um grupo de teatro legal. Eles cantaram com voz de monstro. Virou uma espécie de Muppet Show. Para os 20 anos, vamos fazer alguma coisa, não quero deixar passar batido. Enquanto isso, há as coisas paralelas. A Fernanda acabou de gravar um disco com o Andy Summers, do The Police. Ele fez um monte de músicas inéditas e ela foi gravar em Los Angeles. Está praticamente pronto. Queremos fazer um disco de inéditas do Pato Fu pro fim do ano, ou início do ano que vem. Talvez agora com instrumentos gigantes. A gente vai em Itu e compra instrumentos. Pode ser (risos).

O que a Lemoskine pretende levar da BMBC? Qual seria a diferença se estivessem gravando o disco agora sem terem passado por tudo que a banda mais bonita acabou gerando?
Lemos: Nenhuma. Do ponto de vista musical talvez nenhuma. Do ponto de vista de posicionamento de mercado, não sei. A forma como a banda foi revelada, como teve essa imposição sem querer, talvez faça você refletir sobre como lançar um produto, um disco. Esse álbum especificamente tem algo mais forte: eu precisava fazer isso. Ao mesmo tempo sei que é uma música diferente da musica que a Banda Mais Bonita faz. Talvez o público não tenha o mesmo perfil. É um projeto que tem uma exposição muito menor que a Banda Mais Bonita teve ou ainda tem, mas de qualquer maneira tem a mesma entrega. Ela é a mesma quando você só faz isso na vida (risos).

John: Achei massa o clipe de “Oração”. Os músicos querem ter um disco ou um clipe estourado no YouTube? Não sei. É difícil você aplicar essa fórmula, não tem controle. É muito imponderável. Não existem mais os patrões na música, que são as gravadoras. O que é difícil hoje em dia é você sair do amadorismo. A internet é muito legal, muito divertida. Hoje é muito mais divertido do que nos anos 80. Nos anos 80 a gente fazia uma demo, uma fita cassete. Fazíamos 50 cópias, mandávamos pelo correio e recebíamos um silêncio sepulcral. Hoje em dia é muito mais legal. Você faz um som, um vídeo. Começa com 100 views, chega a 150 mil…

E já grava com qualidade
John: Isso nem se compara. O som que fiz com o Sexo Explícito nos anos 80 com produtor, em estúdio, é muito inferior do que a gente faz em casa hoje. Mas é o espírito da época. É muito mais divertido você ter banda hoje em dia. Você tem fãs, de uma certa maneira. E pode acontecer um fenômeno, como a BMBC — mas estatisticamente não vai acontecer. A probabilidade de você fazer sucesso com a sua banda é muito pequena. Mas tem outra coisa: hoje é mais difícil as pessoas se profissionalizarem. É difícil largar o emprego. E, putz, não sou um velho arraigado nas velhas gravadoras, mas a diferença é que quando você tinha uma instituição que era seu patrão, você assinava um lance, e começava uma carreira musical. Você podia se ferrar, porque gravadora é um puta vespeiro. Mas você podia se dar bem.

Lemos: É como funcionam as empresas.

John. Exato. Tem gente que trabalha honestamente numa empresa cujo patrão é um mala. Mas ninguém fica falando: “briga com o seu patrão, não faz o que ele tá te mandando não.” Quando você entrava em uma gravadora, você largava o emprego. Os patrões hoje talvez sejam as leis de incentivo. Mas o sujeito tem que fazer isso pra cacete pra poder dar certo. Veja a BMBC. Em épocas passadas, provavelmente haveria um leilão para ver que gravadora iria bancar. E tenho certeza que eles receberam algumas ofertas, mas elas são risíveis. Eles não têm nada para oferecer. Porque não se vende mais disco. Então hoje você tem que ser muito mais criativo, e não só musicalmente. Empresarialmente.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]