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No olho do furacão: entrevista com Rodrigo Campos
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Ele está no olho do furacão. Seus parceiros e amigos são Kiko Dinucci, Rômulo Fróes, Thiago França, Criolo, turma que produz muito, mas muito mesmo — quantidade e qualidade na mesma medida. Mesmo assim, Rodrigo Campos consegue ser singular ao lançar seu segundo disco de estúdio, Bahia Fantástica. A matéria/resenha você lê aqui.

Abaixo, a íntegra da entrevista com o músico-cronista paulista, que fala, dentre outras coisas, das diferenças em relação a este grupo e outro, mais “pop” e igualmente produtivo, capitaneado por Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz e Karina Buhr. “São grupos bem distintos na abordagem musical, e no conceito.”

No primeiro disco, São Mateus Não é Um Lugar Assim tão Longe (2009), você foi quase um cronista de uma região que conhecia bem, onde você passou sua infância. E agora fala – ainda que por vezes de forma indireta — da Bahia. Por que essa viagem?
A ideia foi usar a Bahia como metáfora. Tive estopim disso quando estive na Bahia em dezembro de 2010. Passei dez dias no hotel que incorporou a casa que foi de Vinicius de Moraes, em Itapuã. O hotel comprou a casa, e ela virou parte dele. Fiquei no quarto que era de Vinicius, deixaram ele do jeito que era. Tinha uma escultura de uma bunda, em alto relevo. E uma banheira que dá pro terraço. O hotel é de uma amiga da mãe da Luiza, minha namorada. Nós fomos juntos.

Jose Miguel Neto/ Divulgação

Você já conhecia a Bahia?
Conhecia porque tinha tocado lá. Fui e voltei algumas vezes, nem vi nada. Dessa vez dei um puta rolê legal e fiquei impactado. A Bahia está no meu imaginário de compositor. Quando voltei de lá, comecei a escrever canções sobre a Bahia e me questionei sobre esse processo. Porque eu tenho, tinha, preconceito em relação a compositores que falam de coisas sobre as quais não têm um profundo conhecimento. Mas eu me sentido tocado lá, mesmo sem ter esse tal conhecimento. Era um espectador da Bahia, de longe. Tem outra coisa também. Antes disso tudo eu tive uma crise existencial. Pensei em morte, questionei a existência. Essa Bahia que vi acabou se encaixando nesse lugar, virou uma metáfora da sensação de compreensão do fim. A Bahia está no meu imaginário enquanto nascedouro da miscigenação, do sincretismo religioso. É uma espécie de inicio do Brasil. Então foi como uma metáfora dessa incompreensão, do deslumbramento. As entrelinhas da Bahia vêm dizendo isso há tempos. Esses personagens que falo no disco estão circulando por aí, e também se encontram na periferia. A Bahia Fantástica é imaginária. É mais uma sensação do que um lugar geográfico.

E musicalmente, qual é a sua relação com aquele lugar?
Sempre ouvi a Bahia. Batatinha [Oscar da Penha, 1924-1997], Gil, Caetano, Dorival Caymmi, Roque Ferreira, Roberto Mendes. O Caymmi é um caso à parte. Ele criou quase uma mitologia, que se confunde com a Bahia de verdade de um jeito especial.

O clima do disco fica meio denso e tenso da metade pra frente (a faixa 7, “Aninha”, exemplifica isso), o que nos distancia um pouco do senso comum que temos sobre a Bahia, mas nos aproxima do “fantástico”. Isso foi pensando? Aliás, por que o disco tem esse nome?
Não sei. Compus as músicas e chamei de Bahia Fantástica. No começo, não sabia o que era. Mas quando cheguei a certo número de canções, já poderia ser feito esse recorte…

Você gosta de literatura fantástica?
Sim, me identifico muito com o Gabriel García Márquez. Sou muito fã de Cem Anos de Solidão, é uma obra especial pra mim.

A única música que não é só sua foi escrita em parceira com Vicente Barreto [coautor de “Morena Tropicana”, sucesso na voz de Alceu Valença, e parceiro de Vinicius de Moraes em “Eterno Retorno”]. Por que da escolha dele?
Foi natural. Ele é pai de um amigo meu, o Rafa Barreto. Já conhecia o trabalho dele junto com o Alceu Valença. Frequento a casa dele e tudo. Ele conhecia o São Mateus… disse que tinha uma música e me pediu uma letra. Fiz a letra de “Jardim Japão” na casa dele.

E o disco continua contando histórias, assim como aconteceu com seu primeiro álbum. Há muitos nomes próprios, gírias. Por que você escolhe desse tipo de abordagem?
Acho que contar histórias, falar de personagens, é algo que me caracteriza. Dá estilo, identidade. Tentei dar outro enfoque paras canções, tirá-las do lugar cômodo, mas continuo sendo o mesmo compositor em processo de amadurecimento. É uma identidade que busco. O Realismo Fantástico é muito isso: partir de narrativa verossímil, e ir transformando isso em algo fantástico.

Esses personagens sobre os quais você canta (Alexandre, Elias, Aninha) existem de verdade?
Estes são fictícios. O primeiro disco é mais autobiográfico. Neste, tive uma experiência pessoal para inventar personagens. No outro, olhei no olho deles e os traduzi para canções.

Você faz parte do grupo mais prolífico da música brasileira atual, em que estão Thiago França, Romulo Fróes, Marcelo Cabral, que há pouco lançaram Passo Torto, disco-resumo de tudo isso. O que pensa desse momento do grupo?
É difícil comentar porque estou dentro da historia. Pra gente, a sensação é que a vontade de fazer, de produzir, é grande. Isso cria uma afinidade entre pessoas que têm vontade de fazer coisas… Mas é um momento muito frutífero mesmo. Há vários discos em que participamos juntos.

Divulgação
Rodrigo Campos, ao centro, e a turma toda: união e singularidade.

Chega a ser difícil encontrar a sua particularidade no meio de toda essa gente talentosa?
Não sei… Antes desse grupo já tinha lançado o São Mateus… Isso dá um caminho pra quem ouve. Se lançasse meu primeiro disco agora, acho que o Rodrigo Campos seria mais nebuloso. Então não sei, eu já tinha um caminho e esse caminho se cruzou com essas pessoas.

Você vê diferenças entre vocês e um outro grupo, também prolífico, formado por Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz e Karina Buhr, por exemplo?
Acho que são coisas distintas sim. Há convergência, porque estamos São Paulo, respirando um ar poluído, mas atualmente muito criativo. E somos contemporâneos, estamos vivendo um momento de combustão musical, então todos acabam se influenciando de alguma maneira. Mas são grupos bem distintos na abordagem musical, e no conceito.

Você vive de música?
Vivo de musica já faz um tempo. Desde os 24 anos. Estou com 35 agora. Mas não vivo só da minha carreira, do meu trabalho. Preciso participar das coisas dos outros.

Pra você, faz sentido lançar disco físico hoje em dia, um álbum, com o conceito de álbum que tínhamos sobre ele até algum tempo atrás?
Acredito em tudo até que se prove o contrário. Hoje tem o disco físico, o download e o vinil. Aliás, o vinil do Bahia Fantástica está chegando da fábrica. As coisas ainda estão obscuras nesse quesito. Então, nesse momento, se eu puder dar o máximo possível de possibilidades para que as pessoas cheguem ao trabalho, darei. O público de 50 anos, por exemplo, não baixa música. E eles me cobram, perguntando quando o disco vai estar nas lojas.

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