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Gabriel optou por participar da realidade!

Gabriel optou por participar da realidade!

Tenho o privilégio de todos os anos conhecer pessoas incríveis, muitas delas meus alunos. O texto que segue foi escrito pelo Gabriel Bernardo da Silva, aluno que tive durante a pós-graduação em Direito Internacional na Universidade Estadual de Londrina, rapaz brilhante e esforçado que decidiu largar tudo que tinha no Brasil para trabalhar na Ásia em um programa patrocinado pelos irmãos Maristas. Mesmo consciente do sofrimento que iria encontrar, o Gabriel aceitou o desafio de sair da sua zona de conforto, de se afastar do mercado de trabalho em nome de um crescimento que transcende a questão profissional ou acadêmica.

Segue um breve relato da experiência do Gabriel, que deve ser encarado pelos leitores como sendo mais que um texto, mas sim um grande incentivo para sairmos para o mundo, não sermos meros espectadores da realidade, mas testemunhas e partícipes dessa!!!

Este blog continua aberto para esta troca de experiências!!! Aguardo as contribuições de todos aqueles que, como o Gabriel, optaram por participar ao invés de simplesmente observar!

Entrem em contato através de @saldanhaedu!

 

Aproveitem o texto!!!

 

Ter trocado de lado do mundo de forma “diagonal”, vindo para o norte e para o oriente, me fez perceber a grandeza do planeta que habitamos. A Ásia, local no qual estou há quase oito meses, é o maior entre todos os continentes e apresenta uma riqueza cultural monstruosa. Existem muitas “Ásias”, aquela árabe, de longas barbas, turbantes e burcas; aquela colorida, de peles amarronzadas, com incensos e terceiros olhos; aquela fria, gelada e regada a bastante vodca e romancistas suicidas; aquela de olhos semi-puxados, muitos ditadores, golpes de estado, arroz e paisagens deslumbrantes; aquela com olhos mais puxados ainda, muita tecnologia e pokemons (sim, eles ainda fazem muito sucesso!)…

Depois de alguns meses no Sri Lanka, estava prestes a chegar à Tailândia e as notícias que de lá vinham não eram lá muito animadoras. Meses antes da minha chegada, mais precisamente em maio, houve um golpe militar e uma junta formada por algumas pessoas leais ao exército estava administrando o país, tendo exilado e prendido alguns dos líderes anteriores democraticamente escolhidos. A crise era mais profunda do que se noticiava, não sendo apenas “mais um golpe na tão conturbada região”.

A Tailândia é um país que se encontra no meio da península da Indochina e da Península Malaia. Possui uma população de cerca de 68 milhões de pessoas e faz fronteira com países como Myanmar, Camboja, Laos e Malásia. Antigamente conhecida como Sião, é um destino turístico muito procurado por conta de suas praias. Obteve, entre os anos de 1985 e 1996, um grande crescimento econômico, muito ancorado no mercado externo e que, com a crise asiática de 1997, foi bastante debilitado. Atualmente é o maior exportador mundial de arroz. O principal esporte do país é o Muay Thai (tipo de boxe no qual é permitido o uso das pernas), mas também se pratica muito Badminton e um tipo de futevôlei, mas com uma pequena bola de palha.

Bangkok e sua região metropolitana são localidades que não perdem para nenhuma outra grande cidade mundial, tal qual São Paulo ou Nova Iorque. Ancorada no turismo, essas cidades cresceram e se desenvolveram nos padrões ocidentais. Saindo de Bangkok, porém, a realidade social parece que retrocede uns 200 anos, com uma enorme diferença entre o campo e a cidade, algo com íntima conexão com o golpe de maio de 2014 (a Tailândia já passou por 17 tentativas de golpes, 12 delas bem sucedidas).

Ao observar a região, é evidente a posição de destaque econômico que goza o povo Tailandês,  cercados por países que atravessam anos de crises políticas e econômicas, a Tailândia (ou Bangkok, em uma análise mais realista) é como uma ilha de desenvolvimento cercada por um mar de pobreza. Essa condição peculiar, aliada a facilidade de obtenção de visto com objetivo de atrair mais turistas e o fato das Nações Unidas possuírem aqui um grande escritório regional, tornou o país um dos principais destinos de migrantes e refugiados.

Muitas são as origens e os motivos que levam essas pessoas a deixarem seus países. Dentre os principais motivos dos casos por mim atendidos no período que ali trabalhei atendendo pessoas (crianças e adultos) vindas principalmente de Myanmar, Paquistão, Síria, Somália, Sri Lanka e Iraque  estão as poucas oportunidades econômicas, perseguições religiosas e políticas, guerras e fome.

Ao chegar, estas pessoas devem fazer o pedido para conseguirem o status de refugiado junto ao escritório das Nações Unidas e são obrigadas a esperar em média de 7 a 9 anos para que a investigação para concessão de refúgio seja finalizada. Durante esse período, por não poderem voltar para casa, acabam caindo na ilegalidade, já que seu visto de permanência acaba, no melhor dos casos, em três meses. Vivem escondidos, com medo de serem pegos pela polícia e serem levados ao Centro de Detenção para Migrantes (visitei esse lugar, onde se encontram mais de 3 000 detentos, entre homens, mulheres e crianças) por terem cometido o “grave delito” de salvar suas próprias vidas.

Acabam aceitando subempregos ao redor das grandes cidades, para ter o mínimo de sobrevivência, em fábricas de peixes e pequenos comércios locais, em troca de salários que não passam de dois dólares ao dia. Não é incomum crianças trabalhando com seus pais para conseguir um salário a mais na família (e quando digo crianças me refiro tanto à primeira como à segunda infância). Eu mesmo, durante o tempo que estive por lá, inesperadamente perdi alguns alunos e quando questionava o porquê do sumiço ouvia um triste e sonoro: foram trabalhar!

A corrupção é estrutural no país, estando presente em todas as camadas da sociedade, tornando os refugiados alvos mais “fáceis” para ação de policiais e grupos paramilitares. Pedem-lhes dinheiro para tudo, sob a ameaça de denunciá-los ou de lhes fazer algum mal. Desprotegidos, não resta qualquer alternativa a essas pessoas, já que não tem a quem recorrer.

Existe muito mais para ser falado e discutido sobre. Este é um pequeno relato do cenário que aqui encontrei, informações e histórias essas obtidas no meu dia a dia de trabalho. Infelizmente não tenho uma solução, nem para esses nem para os muitos refugiados ao redor do mundo. Porém, muito me entristeceu a realidade dura e sofrida de pessoas que, como se não bastasse a dor dos motivos de as fizeram largar sua terra, vivem acuadas e estão subjugadas a aceitar condições muito degradantes de sobrevivência, na esperança de um dia poderem encontrar refugio em algum país que os aceite. A falta de perspectiva para o futuro era visível e impactante, e encontrar uma criança sem brilho no olho foi como matar a humanidade que (ainda) existe dentro de mim.

 

Quem quiser saber mais sobre a aventura do Gabriel… http://daquiprala.com/2014/08/21/top-20-sri-lanka/

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